Entrevista com presidente da Anamatra é destaque no Consultor Jurídico

Paulo Schmidt falou sobre diversos assuntos, entre eles política remuneratória, o papel do CNJ e terceirização

A revista eletrônica Consultor Jurídico destacou na edição de domingo (26/5) entrevista com o presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schmidt.  O magistrado  falou sobre diversos assuntos, entre eles política remuneratória, o papel do CNJ e terceirização

 

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

 

"Hoje, a magistratura só vai ao CNJ para se defender"

 

A magistratura não enxerga mais o Conselho Nacional de Justiça como um parceiro. Hoje, ela vai lá para se defender. Essa é a avaliação concisa e ácida feita pelo novo presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juiz Paulo Luiz Schmidt, sobre o que considera uma perda de foco do Conselho em relação ao seu papel constitucional.

Schmidt reconhece que também cabe ao CNJ cumprir a função de Corregedoria e afastar aqueles que se corromperam. A sua criação, no entanto, só se justifica se houver dedicação ao seu papel de pensar o futuro do Judiciário e ser indutor de mudanças, defende.

Em entrevista à Consultor Jurídico, nesta semana, criticou também o Conselho Superior da Justiça do Trabalho pelos mesmos motivos: não analisar a atual situação do Judiciário e dos juízes e, com isso, não ter ideias novas. Além disso, o classificou como orgão antidemocrático, por ser composto apenas por ministros e presidentes de tribunais.

À frente de 3.600 juizes do trabalho de todo o país desde a última quarta-feira (22/5), quando tomou posse como prsidente da Anamatra, diz que pretende, no exercício de suas atribuições, lançar um novo olhar sobre o Judiciário.

Titular da 20ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, o juiz participou da primeira composição do CNJ, em 2005, quando a presidência era exercida pelo ministro Nelson Jobim. Integrou à época a comissão criada para estudar a forma de remuneração da magistratura. Quase uma década depois, defende o fim do pagamento por subsídio e a volta do adicional por tempo de serviço.

Para ele, manter praticamente igual o salário de quem entra na profissão e de quem está há décadas na profissão é um desincentivo prejudicial até para a sociedade. “Nós não vamos permitir que se faça com o Judiciário o que a nação fez com a saúde, com a educação. Não se trata de uma demanda corporativa. Esta é uma demanda institucional”, brada.

Schmidt nasceu em Santa Cruz do Sul (RS), tem 56 anos e é dono de opiniões firmes e polêmicas. É contra a terceirização (“um desastre como projeto de nação”) e defende que o acordo coletivo só deve ser aceito se melhorar a situação do trabalhador, caso contrário trata-se de uma afronta à Constituição Federal.

Os jornalistas Marcos de Vasconcellos e Maurício Cardoso também participaram da entrevista.

Leia a entrevista

ConJur — Quais são as principais reivindicações dos juízes do Trabalho?
Paulo Schmidt
Somos uma categoria, hoje, de juízes extremamente vilipendiados com uma carga de trabalho desumana. A nossa produção lembra o enxugamento de gelo, porque enquanto você resolve dois processos chegam outros cinco. A carga de trabalho dos juízes não é compreendida pela sociedade. Talvez ela não queira entender ou a grande mídia não faça questão de esclarecer. A magistratura está passando por um momento muito delicado. Estamos sentindo que a sociedade e o Judiciário não se entendem, cada um fala uma língua. As fraturas expostas que têm vindo a público pela grande mídia dão a impressão de que o Judiciário é um conjunto de mazelas.

ConJur — O senhor sente que imprensa e cidadãos estão juntos contra o Judiciário?
Paulo Schmidt
Há quase um consenso na sociedade contra os juízes e contra o Judiciário. Esse é um fator de grande preocupação. Aliado a isso há também o problema do sistema remuneratório. A remuneração por subsídio é própria de cargos eletivos. Não existe carreira no Parlamento nem nos altos cargos do Poder Executivo. O ministro da Justiça ocupa o cargo hoje, mas amanhã ele pode deixá-lo. O juiz fez concurso e vai ficar 30 ou 40 anos na carreira. Como se explica o fato de um juiz que está há 20 anos na carreira receber a mesma remuneração de um juiz que entrou ontem? Isso é uma inversão.

ConJur — Como deve ser o sistema de remuneração?
Paulo Schmidt —
Existe uma alternativa na qual a magistratura aposta e que, na verdade, sempre foi uma tradição nas carreiras de estado: o adicional por tempo de serviço, que está previsto na Lei Orgânica [LC 35/1979]. Claro, o adicional e o subsídio em parcela única são dois regimes que não convivem da forma como está hoje.

ConJur — Os juízes já receberam adicional por tempo de serviço.
Paulo Schmidt —
Em 2002, a Lei 10.474 mudou as regras e tornou o sistema racional, porque até então recebíamos um contracheque com dezenas de parcelas. Esta lei nasceu da iniciativa das associações que propuseram ao Supremo uma disciplina mais clara. Passamos a receber uma remuneração básica e uma verba de representação com escalonamento de 5% entre os diversos níveis da magistratura, tendo como referência os valores pagos aos ministros do Supremo. Em 2005, vem o subsídio, decorrente da reforma administrativa de 1998. Mas só foi instituído depois que o Parlamento aprovou a Emenda Constitucional 47, que excetuou as verbas indenizatórias. Justo. Não faz sentido incluir no teto as verbas que servem para indenizar a pessoa. O problema é que este acabou tornando-se um jeito de remunerar de forma disfarçada.

ConJur — Os juízes também podem receber verbas indenizatórias além do limite?
Paulo Schmidt —
Não se abriu nenhuma possibilidade de verba além do subsídio. A magistratura é a única carreira que tem subtetos. E os servidores do Judiciário têm teto no Supremo, o que é um contrassenso. O sistema atual permite eles recebam mais do que o juiz. Convenhamos. Quando eu estava no CNJ, na presidência do ministro Nelson Jobim, integrei a comissão criada para propor mudanças na nossa remuneração. O ministro viu que a alteração acabou com a carreira dentro da magistratura, que foi perdendo o atrativo. A comissão era composta também pelos conselheiros [desembargador do TJ-RJ] Marcus Faver e [advogado de São Paulo] Alexandre de Moraes. Nós elaboramos uma minuta de PEC para reintroduzir o adicional por tempo de serviço. Só que o ministro Jobim logo se aposentou e a ministra Ellen [Gracie] não deu curso. A situação está tão grave que juízes estão deixando a carreira e indo para a iniciativa privada. Há também aqueles que passam no concurso e não assumem.

ConJur — Por conta da desvalorização da classe?
Paulo Schmidt —
Por conta de um conjunto de fatores: baixa remuneração, perda de garantias, de prerrogativas, essa campanha contra da mídia. Não sabemos dizer o que pesa mais ou menos. É um conjunto de coisas. E hoje há um fenômeno acontecendo, tanto na Justiça Federal quanto na do Trabalho: os juízes substitutos estão recusando a promoção.

ConJur — Por quê?
Paulo Schmidt —
Por conta da estruturação da carreira. O juiz substituto começa lá longe, nas pequenas cidades, e só com o tempo vai se aproximando para as maiores comarcas. Hoje, como a carreira está travada, ele leva 10, 12, 15 anos para ser promovido. E quando isso acontece, ele tem de se mudar novamente para longe. Nesse momento, os filhos já estão quase na faculdade, ele quer se estabilizar. Falta perspectiva na carreira. Há um grande contingente de juízes recusando a promoção. Ninguém sabe o que isso vai significar lá na frente.

ConJur — Qual o salário de um juiz que acabou de ser aprovado no concurso?
Paulo Schmidt —
Ele entra ganhando R$ 22 mil brutos. A média salarial dos juízes hoje é entre R$ 13 mil e R$ 15 mil líquidos. Não há nem comparação com a iniciativa privada. Temos que reunir as instituições. Nós não vamos permitir que se faça com o Judiciário o que a nação fez com a saúde, com a educação. Não se trata de uma demanda corporativa. Esta é uma demanda institucional. O adicional por tempo de serviço seria apenas um paliativo para o sistema de subsídio.

ConJur — E a quem a magistratura vai recorrer?
Paulo Schmidt —
Precisamos unir os tribunais e também os integrantes do Ministério Público, se eles quiserem. Mas vamos envolver o CNJ nessa reivindicação. Ele tem como atribuição constitucional zelar pela autonomia dos tribunais e pela independência dos juízes. Tem que assumir esse compromisso. O CNJ zela pela independência dos juízes quando extirpa da carreira aqueles que se desviaram. Tem o nosso integral apoio. Quem não merece vestir a toga tem que ser excluído. Agora, não podemos fazer disso uma política exclusiva ou uma pauta exclusiva. O CNJ é muito mais do que isso. Não pode se limitar a ser um órgão censor. Hoje, a pauta do CNJ está focada nesse tema. O órgão que deveria ser o indutor das grandes mudanças do Judiciário está deixando de pensar nisso.

ConJur — A que se deve essa perda de foco?
Paulo Schmidt —
Atualmente, por conta da desarticulação interna entre os conselheiros e a presidência. O CNJ ficou muito hermético. Sempre foi o locus da magistratura discutindo os seus problemas. E hoje a magistratura vai lá para se defender. Não estamos enxergando no CNJ um parceiro. E não digo isso só em relação a questões corporativas, mas para tudo.

ConJur — Quer dizer, o principal papel dele não é de corregedoria, é de planejamento.
Paulo Schmidt —
É o que eu acho, de indutor de mudanças. Não vemos o CNJ envolvido seriamente, por exemplo, na questão do Pacto Republicano. Está desarticulado internamente. Muito desarticulado. Um órgão coletivo deve ter rotina. As pessoas só se entendem, só acham soluções e criam alternativas quando sentam, conversam, debatem. Isto é, quando os desafios são colocados. O CNJ está um pouco reproduzindo as ilhas do Supremo. Parece que não há interdiálogo entre conselheiros e a presidência. O conselho está centrado na atividade de censura.

ConJur — Sobre quais temas o CNJ deveria estar pensando hoje?
Paulo Schmidt —
Para responder a esta pergunta, preciso falar um pouco sobre a realidade anterior dos juízes do Trabalho. Eram 25 tribunais disputando o orçamento, controlado pelo TST que também queria a sua fatia. Por isso, nós do Judiciário trabalhista sempre reclamamos uma centralidade. Enxergamos esse órgão no CNJ. Sempre achamos que, mesmo com participação do Senado, da Câmara, OAB, MP, ele não quebraria o pacto federativo de garantir independência dos poderes. Além do que, o juiz do Trabalho nunca teve medo de ser cobrado por efetividade, porque os julgamentos e as respostas sempre foram muito rápidos.

ConJur — Nesse contexto, qual seria o principal papel do CNJ?
Paulo Schmidt —
No Pacto Republicano, por exemplo, tratamos de diminuir a produção do gelo. E qual a política que temos hoje para reprimir, evitar ou reduzir demandas de massa? Nenhuma. É preciso detectar os gargalos, analisar um setor muito demandado, como o telefônico, e descobrir o que está acontecendo. Não encontramos apoio do CNJ aos projetos que o TST mandou para a Câmara, para o Senado, para restringir os recursos que sobem para Brasília. Esta é uma forma de valorizar as decisões de primeiro e segundo graus. Há ainda projeto que racionaliza a execução, que elimina incidentes. Nessa fase, o principal problema está na terceirização. São muitas empresas demandadas com execução frustrada. De outra parte, tem o governo, que é o grande protelador.

ConJur — Há aí a questão da opção política: cada presidente que assume dá um papel para o CNJ? Paulo Schmidt — Ou nenhum. Nos demos conta disso na presidência do ministro Ayres Britto, por incrível que pareça. Ele assumiu e disse algo como: “temos muitas demandas, mas o Judiciário está em déficit de legitimidade com a sociedade. Temos que resgatar a legitimidade e cortar a própria carne”.

ConJur — E ele tinha como assessores pessoas saídas das próprias associações de magistrados. Paulo Schmidt — Mas esse era o único setor que ainda pensava um pouco fora dessa lógica, porque eles assessoravam as atividades da presidência, não a pauta do conselho propriamente dita. De qualquer forma, no geral, o país está nas mãos dos seus servidores.

ConJur — Dos servidores?
Paulo Schmidt —
Na minha opinião, quem manda na República são os servidores. Na Câmara, no Senado, para se ter acesso a um parecer da consultoria legislativa, por exemplo, é muito complicado. O próprio deputado quando quer alterar algum relatório, parecer, tem que convencer os servidores. É quase uma ditadura.

ConJur — A ditadura da democracia?
Paulo Schmidt —
Mais ou menos isso. No TCU é a mesma coisa. No Supremo, quem exerce o poder administrativo propriamente dito é o diretor-geral, um servidor. Mesmo a política do Judiciário é formulada por um servidor, que é quem escreve o projeto de lei, faz a redação de um pacto. É sempre a burocracia. No Ministério Público é a mesma coisa. Só no Executivo que é um pouco diferente porque as nomeações são de caráter político. Aliás, gostaria de abrir um parêntese: outro dia um advogado de grandes empreiteiras disse que as obras do PAC estavam paralisadas, porque nenhuma grande licitação saía.

ConJur — Por qual motivo?
Paulo Schmidt —
A constatação foi de que a presidente Dilma privilegiou muito os quadros técnicos. Quadro técnico não assume responsabilidade, quem assume responsabilidade é cargo político. O político sabe que essa licitação é importante, tem que sair. Já o técnico sempre diz: “Mas tem essa vírgula aqui. Encaminhe-se ao setor comeptente para que esclareça”.

ConJur — É interessante que os cargos cargos técnicos são celebraso como se fossem mais legítimos do que os políticos.
Paulo Schmidt —
Não sei se a presidente deu um freio de arrumação nisso. Bom, abri esse parêntese para dizer que o Judiciário tem esse viés muito por conta da burocracia. Esses dias aconteceu um exemplo claro disso. O juiz tinha de ir a uma comarca do interior. O motor de seu carro fundiu, não tinha ônibus e ele não tinha como ir. Ligou para o tribunal e disseram que não havia previsão de verba para transporte de juiz. Depois ele conversou com um juiz assessor da presidência, que achou uma solução: “Você se importa em viajar junto com um computador? Eu tenho que mandar um computador para uma vara que fica adiante da sua e aí você vai de carro com o servidor que vai levar o computador.” E foi assim que ele chegou. No geral, a visão é de que a atividade meio é sempre a principal. Nossa visão é completamente diferente dessa.

ConJur — O senhor vem reclamando de falta de apoio político. Como a Anamatra se articula para aprovar seus projetos?
Paulo Schmidt —
A partir da segunda metade da década de 1990, as associações de juízes intensificaram a ação política. A Anamatra iniciou a campanha para extinção da representação classista e de combate ao nepotismo. Os juízes classistas acabaram em 1999. A Anamatra provocou o TST a revogar uma resolução interna, segundo a qual a lei contra o nepotismo só valeria dali para frente. Mas não houve resultado. Em 2001, quando assumiu a nova gestão da entidade, notificamos os tribunais para que informassem quem eram os parentes. Foi um deus nos acuda. Então, as associações tomaram o protagonismo político e insistiram também na ampliação da estrutura física. Os tribunais não se articulavam. Ninguém pensava politicamente a Justiça do Trabalho. O TST não cumpria esse papel e ainda não existia o Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

ConJur — Nunca houve preocupação com a administração, com o planejamento estratégico.
Paulo Schmidt —
Há um problema de descontinuidade administrativa. Com mandato de dois anos é comum mudar a presidência e zerar tudo que o outro estava fazendo. A falta de planejamento estratégico é isso. Falta centralidade, visão orgânica.

ConJur — O CSJT não cumpre esse papel?
Paulo Schmidt —
Ele centraliza todos os recursos dos tribunais. Organiza a folha de pagamento, distribui o dinheiro. Mas a rubrica orçamentária importante é do TST. O problema é que o CSJT é um apenso do TST, um órgão antidemocrático. É composto pelos seis ministros mais antigos e por cinco presidentes de tribunal. A Anamatra tem assento para voz. Acabou por aí. Não pode votar. Hoje, não estamos pensando no futuro do Judiciário. O CNJ parece que está se demitindo dessa função. E o CSJT só está preocupado com a ninharia, com as continhas. Ele faz a supervisão administrativa e financeira. Mas planejamento não tem ninguém fazendo. Por isso, a Anamatra está chamando para si a responsabilidade de colocar um novo olhar no Judiciário, porque os tempos são muito dinâmicos.

ConJur — Quais serão os impactos do processo eletrônico?
Paulo Schmidt —
Vai ser um big brother. O juiz será demandado 24 horas. Onde apenas um juiz daria conta do trabalho, talvez seja necessário dois ou três. Além disso, ele não poderá ter um só assistente para ajudar nas minutas, num despacho. Vamos precisar de três ou quatro assessores qualificados. Onde vamos encontrá-los? O que faremos com um conjunto de servidores que não tem qualificação? Os tempos mortos do processo vão sumir. Tudo será instantâneo. E, com isso, o processo sempre estará na pendência do juiz. Onde tem trabalho para um juiz, vai ter trabalho para dois. O que o juiz faria em seis meses, terá que fazer em um mês.

ConJur — E qual seria a solução para isso?
Paulo Schmidt —
Redefinição de estrutura de apoio aos juízes e a ampliação do número de magistrados. Isso é diferente de ampliar simplesmente a estrutura física. Hoje, em média, as varas deveriam ter 13 servidores. Eu acho que não vamos precisar dos 13 servidores com o processo eletrônico. Haverá espaço para conversão de cargos de menor hierarquia em cargos de apoio mais qualificado ao juiz. Atualmente, ele só tem um assistente.

ConJur — No debate jurisdicional, a terceirização é o alvo da vez?
Paulo Schmidt —
Não é o alvo da vez da Anamatra, mas é o filé do momento na Câmara. Na nossa avaliação, a terceirização é um desastre como projeto de nação.

ConJur — E qual é a alternativa?
Paulo Schmidt —
A terceirização não começou no país com esse viés precarizante. Chegou para oferecer serviços especializados. Em 2011, a Federação Única dos Petroleiros fez uma pesquisa com o empresariado brasileiro e constatou que apenas 2% delas contratavam empresas por conta da especialização. Isto quer dizer que 98% terceiriza para reduzir custos. Aí eu pergunto: Qual o projeto de nação que nós queremos? Basta comparar o nível remuneratório de dois trabalhadores, um empregado direto e um terceirizado na mesma empresa. A diferença é de, no mínimo, um terço.

ConJur — Um terço?
Paulo Schmidt —
Sim, quando não ganha metade ou até menos do que isso. Aí dizem: “Terceirização gera emprego”. Como é que gera emprego se tem uma jornada de trabalho altíssima? São 10, 12, 14 horas de trabalho, com salário baixo, piores condições, menos treinamento. O índice de acidente de trabalho é exponencialmente maior na terceirização. O Brasil tem 44 milhões de empregos formais, sem contar os subempregados, os informais, os PJs [pessoas jurídicas]. São 12 milhões de terceirizados. Se liberarmos a terceirização para a atividade-fim, se a subcontratação for feita livremente sem responsabilidade solidária, posso afirmar que em 10 anos essa proporção de um para três vai se inverter.

ConJur — Não há possibilidade de reduzir os encargos trabalhistas para diminuir também a terceirização e ao mesmo tempo garantir lucratividade às empresas?
Paulo Schmidt —
Tenho dificuldade em concordar que são os encargos trabalhistas o entrave para contratação. Quando você contrata alguém por R$ 1 mil, não está contratando por R$ 1 mil. Paga R$ 1.600, por exemplo, incluindo férias, 13º, FGTS, repouso. Isso tudo é salário, não é encargo. O que sobra de encargo? Cerca de 25%.

ConJur — Mas o trabalhador não prefere essa parte em dinheiro?
Paulo Schmidt —
Ele recebe esses valores. Claro, é muito mais fácil comprimir tudo em uma só parcela. Mas isso é o canto da sereia. Quem é do movimento sindical, e eu vim dele, conhece a lógica da sanfona: tem tempos em que ela abre e tempos em que se fecha. Ou seja, em determinado momento, o empregador cansa de abonos, de auxílio, e diz: “Vamos juntar tudo isso aqui e em vez de dar 10% de aumento no salário, vamos dar 25%”. O problema é que ele não pode mexer no 13º. O que acontece? Ele comprime o salário de novo. Agora o governo está desonerando os setores. Me diz em qual setor houve aumento no nível de emprego? Me dê um só exemplo. A conclusão é que o empresário vai deixar de pagar e quem vai pagar é a sociedade. É um contrassenso. E será que o governo ainda não se deu conta do que está abrindo mão, que isso não está produzindo nada? Essa pergunta ninguém consegue responder.

ConJur — Então, a terceirização não traz qualquer benefício?
Paulo Schmidt —
Não há argumento que me demova da conclusão de que a terceirização segue a lógica mercantilista. É muito simples: o empregado é um custo fixo, que ele não pode mexer. Mas se ele terceiriza, o custo fixo vira variável. Se o contratado recebe R$ 1 mil, o terceirizado vai receber R$ 600. Está aí o pulo do gato.

ConJur — O senhor falou sobre a questão sindical e dentro desse tema há uma discussão sobre o acordo coletivo. Qual a sua avaliação sobre essa possibilidade?
Paulo Schmidt —
A possibilidade de flexibilizar o direito trabalhista, da prevalência do negociado sobre o legislado, significa precarização. Não temos como jurar a Constituição e defender uma posição política diferente desta. O artigo 7º garante direitos mínimos para melhoria da condição social. Está na lei e temos que cumprir. Acordos coletivos e negociação só podem ser feitos para melhorar a situação social, não para piorar. No Brasil, onde passa boi, passa boiada. Uma vez aberta a porta, generaliza. Há muita desinformação no nosso país.

ConJur — Qual a posição da Anamatra sobre o atual sistema sindical?
Paulo Schmidt —
A Anamatra tem posição histórica em favor da autonomia sindical. De qualquer forma, politicamente, não há acordo sobre o movimento sindical. É sempre muito polêmico. Já chegamos perto da eliminação do imposto sindical. Penso que a opção pela liberdade de autonomia, conforme a Convenção 87 da OIT, seria salutar. Mas careceria de um regime de transição.

ConJur — O modelo sindical, hoje, é interessante para o trabalhador?
Paulo Schmidt —
Não sou radicalmente contra o imposto sindical. Embora seja compulsório, e seja a causa de muitas mazelas, é a garantia da manutenção da representação mínima. O imposto não impede que o sindicato tenha legitimidade, mas é causa de muita ilegitimidade. Mas não podemos pensar o país a partir apenas dos centros urbanos. O agronegócio é vigoroso atualmente. Por isso, a avaliação do movimento sindical nunca pode prescindir das diversas realidades.

ConJur — A CLT foi editada visando apenas o trabalho urbano. Hoje, com essa mudança do modelo econômico e peso considerável da produção no campo, há um vazio na legislação rural?
Paulo Schmidt —
Não vejo dificuldades dos juízes em aplicar a legislação nos processos que tratam de questões rurais. Pelo contrário, vejo que a legislação, somada à atuação da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e dos fiscais do Ministério do Trabalho são fatores determinantes para que o cenário não seja pior. O grande problema no campo não é o empregador em si. É o gato, o atravessador, um terceirizador informal. Você acha que há lei para isso? É vedado, mas tantas coisas são proibidas e as pessoas fazem. A questão não é falta de lei, mas, talvez, de fiscalização mais intensa e punição mais severa.

 

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Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra