Folha de S. Paulo destaca entrevista com novo presidente da Anamatra

Paulo Schmidt fala sobre terceirização, direitos dos domésticos, desafios da magistratura, entre outros temas

O portal da Folha de S. Paulo destaca na edição desta quinta-feira (23/5), na editoria Mercado, entrevista com o novo presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schmidt.


Confira:

"Não se pode dar direitos com uma mão e retirar com outra", diz juiz sobre domésticos

 

Claudia Rolli
De São Paulo

Para o juiz Paulo Luiz Schmidt, 56, que assumiu nesta quarta-feira (22) o cargo de presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), é preciso manter a igualdade de direitos dos empregados domésticos e simplificar os procedimentos para recolhimento de FGTS e da contribuição previdenciária.

Esses dois aspectos, segundo diz, são fundamentais na nova regulação da lei da categoria. Sobre o projeto de lei enviado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) ao Congresso, o advogado destaca como interessante a ideia de "amortizar" a obrigação do empregador ao propor em vez de multa de 40% do fundo de garantia o aumento do percentual recolhido todo mês de 8% para 11%.

Mas, em sua avaliação, ainda há pontos no projeto que criam diferenças entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores.

"Não faz sentido, como se tem dito, que a Emenda Constitucional conceda vantagens com uma mão e o legislador as retire com a outra, como é o caso da redução da multa de 40% do FGTS", afirma.

Schmidt é juiz do Trabalho na 4ª Região (Rio Grande do Sul), ex-conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e já ocupou os cargos de vice-presidente e de direção em gestões anteriores da Anamatra, associação que representa 3.600 juízes em atividade e aposentados.

A seguir, leia os principais trechos de entrevista concedida à Folha.


 Folha - O projeto de lei enviado ao Congresso pelo senador Romero Jucá prevê que em vez de o empregador pagar a multa de 40% no momento da demissão do doméstico seja recolhido um percentual maior todo mês referente ao fundo. Com isso, em vez de 8% ao mês, o patrão recolheria 11%. Qual sua opinião sobre esse ponto do projeto?

Paulo Luiz Schmidt - É uma forma de tentar compensar a previsão da chamada multa de 40% do fundo no final da relação de emprego majorando a cada mês o recolhimento. Pode ser uma alternativa interessante por amortizar a obrigação do empregador.

Folha - Além do fim da multa de 40%, paga de forma diluída todo mês, os 3% a mais de contribuição para FGTS poderiam ser sacados, segundo consta no projeto, pelos domésticos que pedem demissão, o que não ocorre com outras categorias profissionais, e por aqueles que são demitidos por justa causa. Isso é correto?

As liberações do FGTS são as previstas em lei. A lei pode definir situações específicas e até diferentes para a liberação de fundo de garantia. A pergunta é se há motivos para prever que o trabalhador doméstico tenha direito a levantamento do FGTS em situação diferenciada. O fato de não terem recebido o fundo durante muito tempo talvez seja um fato que justifique tratamento legal nesse sentido.

Folha -Em relação às horas noturnas, o projeto prevê que a hora do doméstico seja de 60 minutos e não de 52 minutos e 30 segundos como vale para os demais trabalhadores. Isso não prejudica os domésticos?

Prejudica sim. Não há razão para tratar os trabalhadores domésticos de forma diferente nessa nova perspectiva da Emenda Constitucional. Embora sob regência de legislação especial, a hora noturna agora prevista deveria ser no mesmo patamar dos trabalhadores em geral.

Folha -O que pode ser destacado como ponto negativo ou positivo do projeto?

A simplificação tributária proposta é um ponto positivo. A redução de direitos, como o intervalo para meia hora, segundo consta no artigo 7º, é um ponto negativo. Isso poderia e deveria ser evitado.

Folha - O que é fundamental haver na regulação da nova legislação das domésticas?

É fundamental manter a igualdade de direitos e simplificar os procedimentos para recolhimento do fundo de garantia e da contribuição previdenciária, facilitando também ajustes no acerto da jornada de trabalho, mas sem reduzir as garantias, repito. Não faz sentido, como se tem dito, que a Emenda Constitucional conceda vantagens com uma mão e o legislador as retire com a outra, como é o caso da [antiga proposta de] redução da multa de 40% do FGTS.

A lei traz de fato igualdade ao trabalhador doméstico?

Em linhas gerais, a PEC trouxe igualdade sim, mas essa igualdade tem de ser preservada. A manutenção da multa do FGTS está correta, pois se trata de direito do empregado. O que soa estranho é que o governo, a exemplo do que tem feito com dezenas de setores da produção, não reduz o percentual da contribuição previdenciária do empregador. Se quisesse poderia fazer isso, inclusive como incentivo à formalização dos empregos domésticos. Esses pontos, inclusive, a Anamatra já defendeu perante o relator senador Romero Jucá.

Os encargos trabalhistas no Brasil precisam ser revistos?

Hoje já não tenho certeza. O governo vem desonerando a folha de pagamentos de vários setores. E não se tem notícia de que o nível de emprego desses setores tenha aumentado, ainda que o custo do empresário tenha caído. De outro lado, o percentual de encargos de 102% sobre o salário, reiteradamente sustentado, já foi demonstrado que não é verdadeiro, e que se presta, apenas, como propaganda dos setores do capital que veem o fator trabalho como um inibidor de lucros.

No Brasil, os trabalhadores são de fato representados pelo movimento sindical, ele é atuante? Ou ainda temos muitos sindicatos de "fachada"?

É uma questão tormentosa que guarda implicação com muitas outras. Passa desde a discussão da unicidade sindical (um sindicato por base territorial) à precarização do emprego nos anos 80 e 90, pela rearticulação tecnológica do mercado de trabalho, o que fragilizou a capacidade de articulação do movimento sindical, até a criação de sindicatos de fachada, entre outros temas que merecem aprofundamento. Nós, aliás, nos dispomos a discutir essa questão.

É preciso uma reforma sindical? Por que não ocorre?

É preciso discutir amplamente a questão. Acho que os muitos interesses envolvidos e a sensibilidade do assunto têm travado o diálogo.

Quais as novas demandas e desafios do trabalho, em sua avaliação?

O mercado de trabalho é dinâmico e vai colocando nas salas de audiências todos os dias situações novas e inesperadas, o que não deixa de ser estimulante. O que se observa é que há uma tendência à precarização nas relações de trabalho no Brasil, repercutidas nas ações que chegam aos juízes. Talvez sejam estimuladas pela busca da competitividade a qualquer preço e pela carga tributária. Mas não podemos concordar, o que resulta em atuação cada dia mais firme da Justiça do Trabalho.

A precarização do trabalho é um dos pontos de maior preocupação? É isso que tem mais preocupado, quer pelos riscos para a saúde do trabalhador, quer porque a nossa Constituição previu que todos nós, sejam juízes, empregadores ou governos, estejamos voltados para a valorização do trabalho humano.

E a terceirização?

Tramita na Câmara Federal um projeto que estimula a terceirização ilimitada e que é completamente inadequado. Nossa posição é contrária ao projeto, a menos que sofra fortes modificações como, por exemplo, não permitir a terceirização nas atividades fim, que haja responsabilização solidária entre tomador e prestador de serviços, que impeça a subcontratação e que imponha a isonomia de salários e de condições de trabalho entre empregado direto e o terceirizado. Do modo como está a proposta, entretanto, somos contrários, porque a proposta desnatura o emprego no Brasil e a própria organização sindical.

Os empregadores defendem novas formas de contratação, como o PJ (pessoa jurídica), como uma modernização para contratar e uma alternativa ao custo da contratação. Qual a sua opinião?

Sem dúvida é uma forma de precarização. O trabalhador contratado sob a forma de PJ simula uma autonomia que não tem. E, do ponto de vista previdenciário e tributário, as implicações são ainda maiores. Nas hipóteses de acidente de trabalho, por exemplo, os danos para o trabalhador em regime de PJ são inequívocos.

Há posições divergentes sobre o que é e se existe de fato trabalho análogo ao escravo no Brasil... Qual a sua opinião?

Infelizmente existe sim. Não são raros os casos de trabalhadores encontrados em condições análogas a escravos, retidos em ambientes insalubres, sem liberdade de ir e vir, presos ao pagamento de dívidas que em condições normais não teriam contraído. É a forma mais desumana e degradante de explorar o lucro e a força de trabalho de um igual, de um ser humano, sem nenhum espírito de fraternidade, de equidade ou de justiça. Quem age assim está aquém das balizas civilizatórias. E o mais estarrecedor é que esse trabalho escravo é encontrado também nos grandes centos urbanos.

As nossas leis são suficientes para proteger o trabalhador ou precisam ser reformadas?

As nossas leis são essencialmente boas a abordam, de modo correto, a proteção ao trabalho no Brasil. Reformas periféricas podem ser admitidas, mas não há algo grave que mereça mudança no plano das garantias individuais, notadamente considerando a diversidade cultural brasileira e o fato de que não ainda temos uma cultura de cumprimento de direitos, o que exige a manutenção de uma legislação "garantista" para os que não têm a força do poder econômico.

A CLT completa 70 anos. Qual a sua avaliação? Precisa ser modificada? Em que?

A CLT não foi editada com prazo de validade, evidentemente, e nem caducou por incompatibilidade com os dias atuais. Muito pelo contrário. Nela há ferramentas como a mutação contratual e de estrutura da empresa, bem como de combate às fraudes e nulidades, que servem de exemplo para qualquer ramo do direito e em qualquer país. Lógico que a CLT incomoda e há quem queira vê-la sepultada. É necessário entender, no entanto, que a disciplina do trabalho no Brasil tem várias matrizes, preponderando a Constituição e a CLT, não sendo possível abdicar nem de uma nem de outra.

O que muda com o senhor à frente da Anamatra? Não se trata propriamente de mudança, já que fomos eleitos na sequência da mesma diretoria que hoje conduz os destinos da associação e com quase 80% dos votos, o que também quer dizer que o trabalho da atual gestão foi altamente chancelado pelos associados. O que pretendemos, no entanto, é aprofundar uma série de iniciativas que já vêm sendo adotadas e outras que ficaram pendentes, na linha da coerência e combatividade que tem marcado a trajetória da Anamatra.

E quais são as principais bandeiras e metas da associação?

Buscar o sentido de revalorização da carreira dos juízes e do próprio Poder Judiciário, além de continuar atuando, como tem sido a marca da associação, em defesa do fortalecimento do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho como fatores de equilíbrio das relações sociais, contrários que somos a todas as formas de precarização.

Quais são as maiores dificuldades que a categoria enfrenta?

A magistratura de uma forma geral tem enfrentado as dificuldades decorrentes de uma elevada carga de trabalho e de uma política que comprime os salários dos juízes, na medida em que não se atualiza o poder de compra dos subsídios. A instituição do teto único trazia o compromisso político expresso na própria Constituição de que seria a recomposição do seu valor de compra, sob pena de o sistema não funcionar como de fato não tem funcionado, já que tem resultado para os que vivem do subsídio único uma perda salarial já próxima de 30%.

 

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Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra