Ministro e livre-docente ressaltam importância da ação civil pública para a Justiça do Trabalho

Luiz Philippe Viera de Mello Filho e Ada Pellegrini integram painel que discute respostas processuais às demandas de massa

A livre-docente da Universidade de São Paulo (USP) Ada Pellegrini Grinover e o ministro Luiz Philippe Viera de Mello Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), participaram, no dia 30 de abril, do painel “Respostas processuais às demandas de massa”, no 15º Conamat, evento que termina amanhã em Brasília. Os trabalhos foram coordenados pelo desembargador do Trabalho Douglas Alencar, da 10ª Região.

Em sua intervenção, a professora Ada Pellegrini lembrou que a Justiça do Trabalho foi pioneira na solução de conflitos de massa, por intermédio dos dissídios coletivos, com as relativas ações de cumprimento. “Foi a primeira vez que no Brasil se instaurou a possibilidade de solução desses conflitos. As técnicas utilizadas para que o conflito atingisse a sentença normativa foram também técnicas avançadíssimas e pioneiras no Brasil”, ressaltou, ao lembrar também do processo de fortalecimento dos sindicatos, ocorrido com a Revolução Industrial.

Grinover centrou a sua exposição nos dois instrumentos para a solução de conflitos de massa que a Justiça do Trabalho dispõe, que são os dissídios coletivos tradicionais e as respectivas ações de cumprimento e a ação civil pública. A painelista falou das diferenças entre os dois instrumentos, explicando que os juslaboralistas se dividem quanto a isso. Mas, para Ada Pellegrini a principal diferença está no fato de no dissídio comum o provimento ser abstrato e na ação civil pública existir um provimento que diz respeito a relações já existentes, com lesões ocorridas ou iminentes, por circunstâncias presentes desde o momento do julgamento.  “Daí deriva uma diversa eficácia na sentença normativa (dissídios) em relação à sentença condenatória (ação civil pública)”.

De acordo com Ada Pellegrini, as diferenças entre os dois instrumentos interferem na coisa julgada. Mas, para a professora, o importante é entender que na sentença normativa a coisa julgada tem certamente algumas diferenças em relação aquela sentença comum. “A coisa julgada na sentença normativa só vai vigorar até o prazo máximo de quatro anos, enquanto não há limites temporais para a coisa julgada na sentença da ação civil pública”, ressaltou Pellegrini, ao falar da diferença prática e do fato de na sentença normativa a lei posterior afetar a coisa julgada. “Quando se estuda a coisa julgada material em relação à sentença de um processo comum, mesmo coletivo, mas que não seja um dissídio coletivo, toda a doutrina entende que a lei posterior não altera a coisa julgada material”, explicou.

“Essas diferenças, na natureza do provimento, dos efeitos da coisa julgada, e das características da coisa julgada, e mais o fato de o cumprimento da sentença se dar por meios distintos é que traz a meu ver as grandes diferenças entre os dois instrumentos processuais de solução de conflitos de massa na Justiça da Trabalho”, disse. A professora explicou que o cumprimento do dissídio coletivo se faz pelas ações de cumprimento clássicas no Direito do Trabalho.

A professora também falou da divergência que há na Justiça do Trabalho com relação ao cumprimento da sentença coletiva da ação civil pública que é feita, “ou pelas regras sobre a execução trabalhista da CLT ou para quem entende aplicáveis as regras sobre execução de cumprimento da sentença do novo regime do Código de Processo Civil”.

Ao final de sua exposição, Ada Pellegrini falou do  Projeto de Lei nº 5139/2009, que tramita na Câmara dos Deputados, cujo texto foi resultado do trabalho da Comissão de Alto Nível do Ministério da Justiça, que funciona no âmbito da Secretaria da Reforma do Judiciário, com o objetivo de formular propostas para a regulação material e processual do trabalho. A Comissão é integrada pela professora, entre outros juristas e operadores do Direito e também pela Anamatra.

“Apesar de seus inegáveis avanços e do fato de modernizar o nosso minissistema de processos coletivos, de eliminar divergências de interpretações e dúvidas, o projeto acabou sendo rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça”. Para a professora, o fato decorreu-se da utilização de “argumentos falaciosos” por “lobistas muito poderosos”, a exemplo das afirmações de que a proposta reforça os poderes do Ministério Público, amplia o objetivo da ação civil pública e representa um desequilíbrio entre as partes.

“Faço votos de que o recurso que foi interposto pelo relator e outros deputados seja acolhido e que essa matéria seja apreciada pelo plenário com maior isenção”, disse, ao pedir o apoio dos congressistas à proposta. “Para que possamos somar forças para que a ação civil pública na Justiça Comum e do Trabalho possa ter um melhor tratamento”, finalizou.

“Estamos nos tornando a terceira instância, ingerindo em coisas que não deveríamos”

“Vivemos uma crise no tocante a solução de lides trabalhistas”, afirmou o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, no início de sua exposição, ao referir-se à quantidade de processos que a Justiça do Trabalho possui – mais de dois milhões e meio, sendo que 250 mil alcançam o TST. “É visível que, por mais que todos nos esforcemos, não estamos conseguindo dar fim e solucionar todos os conflitos”, disse, ao mencionar que o fato vem ocasionando muitas controvérsias e soluções, inclusive envolvendo mecanismos extrajudiciais ou equivalentes, que possibilitam a atuação direta entre empregado e empregador e permitem, inclusive,  a flexibilização de direitos trabalhistas.

“O caminho não é esse. É preciso que tenhamos instrumentos que possibilitem a solução dos conflitos trabalhistas com segurança, igualdade, celeridade, equidade”, afirmou, ao ressaltar que esse grande instrumento é a ação coletiva.  “A ação trabalhista coletiva permitira que as instâncias do Poder Judiciário, mediante o contraditório e dilação probatória completa, se pronunciassem sobre as grandes questões que têm sido objeto de debate em ações coletivas”, ressaltou, ao afirmar que isso faria com que as matérias fossem debatidas desde a primeira instância para que, se por ventura chegassem ao TST, recebessem o exame do tribunal.

O ministro alertou também para o projeto da transcendência, que, segundo ele, traria para o TST a solução de conflitos de massa sem que houvesse uma adequada e longa discussão nas instâncias ordinárias. Nesse ponto, conclamou os magistrados para o fortalecimento da instância ordinária, para deixar que o TST se debruce somente, extraordinariamente, ao exame da legalidade da lei federal trabalhista e à uniformização da jurisprudência.


“Hoje estamos uniformizando a jurisprudência dentro dos TRTs e não entre os TRTs”, alertou o magistrado. “Toda e qualquer decisão dos Tribunais Regionais do Trabalho chega ao TST. Com isso, não há segurança jurídica, não há aparelhamento que nós possamos examinar as questões com profundidade, porque depende da forma como os recursos são interpostos. “Dependemos no aparelhamento do recurso e da fundamentação do acórdão. Precisamos modificar esse sistema”, pediu o magistrado, ao ressaltar que “esse sistema é perverso”.

“Precisamos que se fortaleça, antes de se discutir os mecanismos, a atuação dos órgãos regionais e não através de decisões do TST que imponham decisões às instâncias ordinárias, apreciando um único ou outro caso de forma precoce e sem que se estabeleça um debate nacional”, ressaltou o ministro, aplaudido pelos congressistas. “É preciso que concebamos por um mecanismo processual que coloque as coisas em seus devidos lugares. Quem produz a sentença é quem constrói o Direito em primeira instância, partindo do nada”. Para o ministro, o TST já tem o prato feito e apenas adéqua à sentença. “Nós que éramos para ser uma instância ordinária estamos nos tornando a terceira instância, ingerindo em coisas que não deveríamos”.

O ministro Luiz Philippe afirmou que os magistrados não podem fazer uma interpretação retrospectiva das ações coletiva, já que ela representa um novo paradigma para fazer frente às demandas de massa. “Estamos atrasados e com problemas interpretativos, que não permitem a prestação da tutela coletiva de forma adequada, alertou. “Estamos mesmo andando atrás do carro”, refletiu, ao falar também da importância do PL nº 5139/2009, lembrado pela primeira painelista.

 “Nós não vivemos mais no início do século 20. Não podemos ter em vista um processo com a concepção individualista. Ele tem uma concepção social, é instrumento de defesa da sociedade, dos grupos e da classe”, disse, ao pedir que os magistrados tenham a cabeça no presente e no futuro e não no passado. “O exame dessas ações devem tramitar em regime de prioridade. É preciso que tenhamos consciência de nosso dever e de nosso papel em relação a esse grande instrumento”, disse. “Espero que nós possamos entregar à sociedade  a justiça que ela merece e que não sejamos enforcados pelo formalismo e pela irrealidade, porque outros irão fazer o que nós fazemos, com toda certeza”, finalizou o ministro Luiz Philippe.

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