Por Alfredo Rego Barros Neto (*)
Tenho acompanhado as matérias veiculadas na imprensa e as manifestações de magistrados nas listas internas das respectivas associações e não retiro de qualquer uma delas sequer um item de razão ao manifestarem sua insurgência quanto aos ataques que a regulamentação de férias da magistratura vem sofrendo, exceto de que até agora tive uma visão mais parcimoniosa da atuação das entidades de classe, igualmente crivada de criticas por seus associados.
Isto porque não são novos os ataques ao direito de 60 dias de férias anuais. Também não se é necessário grande esforço para entender o impacto e a antipatia que esse direito causa à opinião pública, acostumada ao "quanto pior, melhor", onde se visa equiparar “por baixo” as mais diversas e dispares categorias profissionais . Justamente por esse motivo é que afirmo que se tal prerrogativa ainda existe, devemos à atuação política das instituições representativas, que já apaziguaram várias iniciativas de Suplicys, Simons e outros mais que há no mínimo 8 anos debatem-se exatamente sobre o tema férias dos magistrados.
O assunto tornou à tona por uma infeliz declaração do presidente eleito do STF, paradoxalmente um dos poucos, senão o único magistrado de carreira daquela Corte, que mostrou, a meu ver, não uma traição, mas um sentimento pessoal lamentavelmente derrotista, que acabou por escancarar uma fragilidade do Poder como um todo, ou seja, abriu as portas para os ataques que estamos sofrendo porque nossa liderança demonstrou-se fraca.
Não devemos concordar com o Ministro Peluso, somente podendo interpretar o derrotismo de um magistrado com tão brilhante trajetória como um cansaço decorrente de anos de aviltamento das prerrogativas dos magistrados, inclusive na própria Corte que compõe, com Ministros indicados por critérios muitas vezes políticos, mas que nunca sentiram na pele as desventuras do primeiro grau, a necessidade de constituir domicílio em cidades sem condições de conferir à família a estrutura necessária para pleno desenvolvimento, ou impondo ao magistrado a desventura de residir longe dos familiares até como forma de cumprir com a responsabilidade de chefe de família, de modo a sacrificar o convívio em prol de satisfatórias condições de conforto e progresso dos seus, fazendo da magistratura um sacerdócio digno de impingir tais abnegações; enfim, sem conhecer as agruras que justificam tal prerrogativa.
Também no aspecto técnico a posição do Ministro Peluso, com a devida venia, não se justifica. É preceito constitucional que todo e qualquer regramento sobre a carreira da magistratura deverá ser inserido em projeto de lei de iniciativa do Poder Judiciário. Logo, se o projeto de lei de dito Estatuto não for encaminhado ou for encaminhado mantendo a prerrogativa, restará bastante dificultado o trabalho daqueles que, equivocadamente e muitas vezes de forma mesquinha, querem comparar de igual modo aos desiguais. Tal iniciativa é exclusiva do STF, que por suas atribuições não pode e nem deve dar ouvidos à opinião pública, sob pena de ver-se, amanhã ou depois, admitindo o vício também em entendimentos jurídicos por clamores populares, estranhos aos processos, tornando-se um instrumento de manipulação e manobra e não de justiça, razão pela qual não haverá o desgaste temido pelo nobre novo presidente do STF.
Neste sentido, lembro que todas as iniciativas anteriores sobre o mesmo tema foram rechaçadas justamente sob a tese de que continham vício de origem e que se encontra em tramitação proposta de emenda constitucional acerca do tema, na qual já se manifestaram favoravelmente à manutenção da prerrogativa de férias a Ordem dos Advogados do Brasil, assim como todas as entidades representativas dos magistrados e do ministério público, além do Senador relator da PEC, Demóstenes Torres, nada justificando o que o r. Ministro Peluso apontou como “causa perdida”.
Deste modo, certo é que, apesar dos constantes ataques da mídia, não se pode abrir mão da política de bastidores, como vem sendo realizado até o presente momento.
Todavia, "as pauladas" dirigidas desrespeitosamente à magistratura têm se tornado cada vez mais fortes e injustas, de modo a tornar-nos uma mazela social, causando forte indignação ao colegas. O quadro que se desenha pelos articulistas é de que todos os outros segmentos são compostos de trabalhadores e nós, supostamente vagabundos, como se a lentidão do sistema judiciário estivesse na capacidade produtiva do juiz, e não no sistema processual que impõe a desvalorização das decisões de primeiro grau e até mesmo de segunda instância, em alguns casos. As pessoas leem que muitos tiram férias para fazer sentenças, mas raciocinam como massa de manobra, como se ao tirarmos um período a menos de férias julgaríamos mais. Ora, mas não é justamente o julgar de feitos represados que estamos argumentando realizar nesse período. Não o usufruindo, não poderemos proferir mais sentenças, apenas teremos mais sentenças para proferir, aumentando o represamento de processos.
Assim, tenho que é chegada a hora do Judiciário, além do trabalho de articulação política, "sair da toca". Se a imprensa é a arena que nos impuseram devemos encará-la. As associações precisam redigir matérias e publicá-las nos mesmos veículos utilizados para agredir-nos, restabelecendo a verdade dos fatos e o princípio consagrado de que igualdade é tratar desigualmente aos desiguais.
Para isso dispomos de fortes elementos comparativos, como as jornada reduzidas de determinadas carreiras, dentre elas os próprios jornalistas, além de bancários, professores, parlamentares e etc. O que justifica atualmente um bancário ter jornada de 30 horas semanais se o trabalho outrora penoso hoje é todo informatizado; o que justifica um professor ter aposentadoria especial se não a penosidade de sua função; o que justifica os parlamentares terem quase 90 dias de recessos anuais, incluindo recessos brancos a cada dois anos, por conta de eleições, verbas indenizatórias sem justificativa de gasto e sessões em três dias da semana, se não as especificidades de suas funções; o que justifica um jornalista ter jornada de cinco horas diárias, se atualmente podem passar seus textos ou fazer filmagens com celulares de qualquer lugar do mundo, inclusive de suas residências.
O que devemos mostrar é que ou se constata que temos uma prerrogativa pelas especificidades de nossas funções, como penosidade, responsabilidade, necessidade de deixar seu domicílio, muitas vezes tornando os familiares "ciganos", labor sem limitação de jornada, não remuneração de horas extras e de sobreaviso, sofrer restrições funcionais pelo impedimento de exercer outras atividades, exceto uma de magistério, cumprir "quarentena" de três anos como reserva de mercado dos advogados, impedindo-nos de advogar caso deixemos a carreira e assim sucessivamente. Se ainda assim nosso direito for tratado por privilégio e não prerrogativa, então que a moralização valha para todos. Vamos sugerir uma revisão geral de prerrogativas, ou privilégios como sugerem os que nos atacam, advindas de mais de 40 ou 50 anos, onde a realidade tecnológica era outra.
Comparemo-nos, porque não, aos parlamentares, que com os ataques da imprensa mantêm-se em silêncio, sem desgastes, para retirar-nos na surdina um direito e enfraquecer nossa representação, sob o frágil argumento de que se trata de um clamor popular, afinal estamos em ano eleitoral. Vejamos se instigados continuam com esta postura comodista ou partirão para a defesa de suas prerrogativas, de modo a justificarem o motivo dos ataques apenas às nossas. Mudemos o foco da opinião pública. Da mesma forma, o que explica o silêncio das carreiras do Ministério Público, poupadas das críticas que nos são dirigidas, mas que são resguardados por um Estatuto que confere muitas mais e maiores prerrogativas que as gozadas pelos magistrados, inclusive com idêntico regramento de férias, ou será que possuem a certeza que tal restrição atingirá apenas o "fraco e combalido" Poder Judiciário.
Diante de todos este comparativos, certamente nos responderão com a moderna doutrina do "não retrocesso dos direitos sociais", como forma de defender inclusive a inconstitucionalidade de alterações de tais direitos. Ora, mas então os magistrados não são uma categoria profissional? Não integramos a sociedade? Não fomos selecionados e contratados pelo Estado para prestar-lhe serviços como integrante de um poder, como qualquer trabalhador é selecionado e contratado para um emprego? Ou será que como magistrados nos tornamos filhos de chocadeiras e abstraídos do contexto de uma categoria de trabalhadores? Sob este enfoque contratual, ao sermos contratados não integrava as condições contratuais que nos ofereceram o gozo de 60 dias de férias anuais? Seria absurdo um magistrado ter optado pela carreira em detrimento de outra função jurídica também por conta deste benefício direto, tão relevante no aspecto familiar e também remuneratório? A resposta parece-me obviamente negativa.
A revolta sentida pelos ataques que temos sofrido na imprensa, de forma que reputamos injusta, encontra-se instalada no seio da magistratura, porém demanda exteriorização, “contra-ataque”, mesmo que no campo árido que nos impuseram, mesmo que isto custe investimentos pelas instituições de classe. Não podemos calar sobre mais um ataque aos nossos direitos, como tantos outros já ocorreram, tais como desrespeitos à regra constitucional quanto a política remuneratória da magistratura e minoração de aposentadorias, estas sim, infelizmente, “batalhas perdidas”, para nossa própria inércia, incapacidade de coalizão e de articulação. Precisamos, de alguma forma, falar diretamente à sociedade.
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(*) Juiz do Trabalho da 12ª Região