Por João Humberto Cesário
Muitas pessoas perguntam, aqui em São Félix do Araguaia, o que é a Justiça do Trabalho. Seria o Ministério do Trabalho? Seria o Ministério Público do Trabalho? Seria um ramo do Poder Judiciário? Tal dúvida é absolutamente compreensível. Justifica-se no fato de que o Poder Público - de um modo geral - e a Justiça do Trabalho - em específico - estiveram muitos anos ausentes da região, a ponto dela ser conhecida pelo pejorativo codinome de “vale dos esquecidos”.
A resposta comporta duas vertentes. A primeira no sentido do que formalmente é a Justiça do Trabalho. A segunda na acepção do que ela concretamente pode ser.
Respondendo-a pelo primeiro ângulo, posso dizer que a Justiça do Trabalho é um dos ramos do Poder Judiciário. Sua incumbência é a de processar e julgar todas as causas que nascem no âmago das relações de trabalho.
É de se dizer, assim, que ela não se confunde nem com o Ministério do Trabalho (que é um órgão do Poder Executivo) e nem com o Ministério Público do Trabalho (ao qual incumbe, no âmbito trabalhista, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais indisponíveis). Mas há de se destacar, todavia, que esses três organismos (Justiça do Trabalho, Ministério do Trabalho e Ministério Público do Trabalho), podem e devem atuar como parceiros, de modo sinérgico, pela afirmação dos direitos sociais de índole laboral.
A resposta que mais me empolga, entretanto, é a segunda. Vou aproveitar esse espaço, com efeito, para falar sobre aquilo que concretamente deve ser o Judiciário Trabalhista.
Já de plano devo afirmar que a Justiça do Trabalho possui infinitas possibilidades. Se por um lado a sua destinação formal é o processamento e o julgamento das ações judiciais de natureza trabalhista, por outro a sua vocação histórica é a de ser um centro irradiador de políticas públicas. Cabe-lhe, sobretudo, por ser o mais social de todos os ramos do Poder Judiciário, a missão de ser um agente fomentador da cidadania plena.
Foi nessa perspectiva que procurei orientar nosso trabalho ao longo dos quase dois anos que estou em São Félix. Não que a atividade propriamente jurisdicional não tenha me preocupado. Basta dizer, por exemplo, que nesse período condenamos os que se valem de mão-de-obra escrava, interditamos um frigorífico que não oferecia condições ambientais de trabalho equilibradas aos seus empregados e obrigamos o Município à realização de um concurso para o preenchimento de cargos públicos. Mas não posso negar, contudo, que o que me fascinou, de verdade, foi o legado de políticas sociais que aqui deixaremos.
A primeira delas foi a implementação do programa “Trabalho, Justiça e Cidadania” da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA). Contando com o decisivo apoio da Prelazia de São Félix (agradeço à Maria José e ao Padre Paulo!) e do Ministério Público do Trabalho (agradecimentos à Guiomar e ao Gustavo!), formamos aproximadamente trinta monitores, que estão agora multiplicando, dentro de suas possibilidades, nos sindicatos, associações e escolas onde atuam, os conhecimentos sobre direitos trabalhistas que apreenderam.
A segunda foi a mescla que fizemos entre trabalho jurisdicional e geração de políticas pelas quais conseguimos, no âmbito dos processos de trabalho escravo que estão sob nossa responsabilidade, a homologação de acordos garantidores da criação de escolas, postos médicos, postos odontológicos, creches e áreas de lazer em prol dos trabalhadores da região, além de imprimirmos sensível melhoria no transporte escolar municipal de crianças.
Deixo para falar, por último, daquilo que, ao meu sentir, traduz de modo mais eloqüente o que pode concretamente ser a Justiça do Trabalho. Falo da criação da Vara da Cidadania (agradeço a Desembargadora Maria Berenice!) e da Escola Permanente de Formação para os Valores da Cidadania.
A Vara da Cidadania, que doravante desenvolverá suas atividades no espaço físico da nova sede da Vara do Trabalho de São Félix, trata-se de uma escola de inclusão digital por via da qual os alunos carentes da rede pública de ensino serão iniciados no mundo da informática e receberão noções de democracia, repassadas a partir do cultivo dos valores culturais próprios da região.
Já na escola (agradecimentos ao Paulo Henrique, ao Raulino, ao Ulisses, à Maria José e à Ana Cristina!), que funcionará no auditório da Vara de São Felix, ofereceremos, permanentemente, o “Curso de Formação de Promotores Populares de Cidadania”. Nele, as lideranças comunitárias mais destacadas terão aulas básicas sobre direito (direitos fundamentais, direitos sociais, defesa da mulher, defesa dos portadores de necessidades especiais, etc...), para ao depois interagirem de forma mais qualificada com a sociedade em que vivem, sempre na perspectiva da solução extrajudicial dos conflitos de interesse.
É assim que deve ser a Justiça do Trabalho: informal, despida de dogmas, próxima da sociedade e empenhada na promoção do progresso social. Vida longa para nós. Se muito vale o que já foi feito, ainda mais vale aquilo que virá!