A eleição do professor Antônio Augusto Cançado Trindade pela Assembléia Geral das Nações Unidas para integrar a Corte Internacional de Justiça a partir de 2009 representa uma esperança concreta de maior protagonismo do Tribunal de Haia em defesa dos Direitos Humanos da imensa maioria da população mundial.
E essa expectativa não é criada pelo fato de Cançado Trindade ser um destacado intelectual brasileiro, mas pelo conjunto de sua obra acadêmica e de sua atuação recente na condição de juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Cançado Trindade, professor da UnB, moderado do ponto de vista político, sem vínculo profundo com organizações partidárias, é um acadêmico que notabilizou-se também pela firme posição centrada na teoria da indivisibilidade dos Direitos Humanos.
Crítico da divisão dos Direitos Humanos a partir de gerações ou de dimensões distintas, o futuro juiz da Corte de Haia não só rechaça a concepção de que os direitos civis e políticos surgiram antes dos direitos sociais, como também questiona a preponderância dos direitos de defesa ou de abstenção estatal sobre os direitos a prestações por parte do Estado.
Nesse sentido, a escolha de Cançado Trindade pode, de uma vez por todas, dar efetividade a um conjunto de normas internacionais marcadas pela indivisibilidade e integralidade dos Direitos Humanos.
Em voto memorável proferido na Corte Interamericana de Direitos Humanos, Cançado Trindade registrou que o direito à vida importa em viver com dignidade, tendo sido ele o responsável pela inclusão do debate acerca dos direitos econômicos, sociais e culturais como Direitos Humanos, no âmbito daquele tribunal.
Ao mesmo tempo em que tem revelado preocupação com a constante deterioração dos direitos econômicos, sociais e culturais no atual mundo globalizado, Cançado Trindade aponta a ineficácia dos instrumentos disponíveis para coibir ofensas a esses Direitos Humanos , defendendo, dentre outras medidas, uma jurisdição internacional efetiva.
Não é possível vislumbrar a efetividade dos Direitos Humanos quando há absoluto descaso, por parte dos Estado, com a privação social e econômica imposta aos povos pobres do mundo inteiro, violando-se, assim, os direitos ligados ao trabalho digno, à educação, à saúde e à habitação.
Os Direitos Humanos são violados quando o aparato policial pratica violência física contra as pessoas, quanto tortura cidadãos ou quando busca o Estado, numa construção jurídica valorizadora da repressão institucionalizada, eximir de responsabilidade os agentes políticos causadores de tantas mazelas durante regime de exceção.
Não é de menor intensidade, porém, a violência presente na omissão do Estado com os milhões de excluídos. As vítimas são os miseráveis sem quaisquer direitos, os desempregados e os empregados com direitos trabalhistas sistematicamente descumpridos ou desregulamentados pelo Estado, tudo a resultar numa sociedade na qual os Direitos Humanos capazes de dar dignidade aos cidadãos constituem-se em privilégios de poucos.
Além do repúdio à violência física do Estado, as pessoas precisam ter os seus direitos econômicos, sociais e culturais respeitados, em nome da plenitude da vida digna que somente pode ser alcançada, no âmbito da sociedade capitalista,a partir da melhor distribuição de renda combinada com a existência de direitos trabalhistas ampliados e cumpridos, assim como no oferecimento gratuito de serviços de saúde, de habitação , de previdência e assistência social e de educação com qualidade.
A presença de Cançado Trindade na Corte de Haia, a partir do início de 2009, num momento de predominância da globalização econômica responsável pela violência social contra milhões de pessoas, é passo importante para coibir invasões e atrocidades contra indefesas populações, assim como para inserir na agenda do tribunal temas ligados aos Direitos Humanos violados de modo silencioso, cuja jurisdição internacional plena é imprescindível para coibir tais abusos.
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(*) Grijalbo Fernandes Coutinho, juiz do trabalho em Brasília-DF, foi presidente da Anamatra e da ALJT-Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho