Nos últimos anos acompanhamos a tramitação de diversas propostas visando “reformar” o Poder do Judiciário e, lamentavelmente, não assistimos até aqui o desfecho de nenhuma delas. As entidades de classe da magistratura sempre defenderam uma reforma verdadeira, que de fato mudasse a cara do Judiciário, que o tornasse mais transparente e desse significado concreto ao conceito de “efetividade”.
Adquirimos neste tempo a consciência de que a reforma verdadeira não veio porque, de fato, nunca interessou ao governo, ao grande capital e aos seus representantes. Em momentos agudos, onde se colocou em risco o Poder Judiciário e o valor supremo da magistratura – a sua independência – posicionamo-nos defensivamente. Quem não se lembra da célebre proposta de incorporação da Justiça do Trabalho à Justiça Federal?
Muitas vezes fomos acusados, ora por segmentos da mídia, ora por vozes de dentro dos demais Poderes e ora por entidades da sociedade civil, de sermos sectários, de defendermos interesses corporativos, enfim, de nunca assumirmos postura propositiva. Mas, como cantarolava a inesquecível Elis Regina, as nossas entidades foram “vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”.
Há muito a Anamatra vem se organizando e enfrentando batalhas na defesa da democracia, do Estado de Direito e da dignidade do trabalhador. Sua postura propositiva se mostra cristalina, por exemplo, no trabalho árduo de sua comissão legislativa, que inúmeros projetos apresentou ao Parlamento e em tantos outros palpitou. O mesmo se diga em relação a diversas outras iniciativas.
Assumindo de vez este papel irradiador dos valores axiológicos da magistratura trabalhista brasileira, a Anamatra começa 2004 com a ousada posição de defender a criação de um instrumento capaz de representar um primeiro e largo passo em direção à verdadeira reforma do Judiciário. Por força de encaminhamento da diretoria e deliberação do seu Conselho de Representantes, a Anamatra adotou posicionamento favorável à criação de um Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de governo do Judiciário brasileiro, composto majoritariamente por magistrados de todos os graus de jurisdição e representantes da sociedade civil.
A discussão foi aberta a partir das premissas de que todas as propostas de reforma do Judiciário até aqui ventiladas trouxeram ínsita alguma forma de controle do Poder. É possível identificar um anseio da sociedade na criação de algum mecanismo desta natureza, ainda que como reflexo da propagação de falsas e deturpadas idéias a respeito da Justiça e dos juízes. É preciso reconhecer que a estrutura atual do Judiciário é desprovida de instrumentos eficazes de autogoverno, sobretudo no que toca às áreas de planejamento estratégico, políticas de aperfeiçoamento da função jurisdicional, gestão e orçamento. Os juízes do trabalho constataram que um organismo composto democraticamente, que resguarde a independência do juiz no exercício da função jurisdicional e seja gerido de forma transparente, pode significar gigantesco avanço para que, enfim, se democratizem os Tribunais, bem assim para a melhor qualificação dos magistrados e para a melhoria da prestação jurisdicional em todos os níveis.
Em síntese, o reconhecimento de que um CNJ constitui moderno e eficiente instrumento de aperfeiçoamento e transparência da instituição como um todo. Não se trata, por certo, de simples submissão à idéia de instituição de um “controle externo”, mas sim da construção de um novo modelo de administração da Justiça, calcado na independência da magistratura, na gestão transparente dos recursos públicos e na eficiência dos serviços. Ficamos, pois, os juízes do trabalho, na expectativa de que esta iniciativa possa ser difundida no ano de 2004 e, mediante debate aprofundado com a sociedade, representar o embrião da construção de um novo Judiciário.