Não obstante o teor preconceituoso da matéria produzida pelo jornalista Larry Rohter, correspondente do The New York Times no Brasil, ao tratar o Presidente da República do Brasil, de origem operária, e exatamente por algo que deve ser enaltecido, como alguém vocacionado, hereditariamente, para o uso de bebida alcoólica, nenhuma insanidade de opinião é capaz de justificar a expulsão pura e simples do profissional que aqui exerce as suas atividades profissionais. Tenho certeza de que a pronta reação do governo junto ao próprio jornal e os mecanismos diplomáticos, aliados aos recursos judiciais adequados para a reparação da honra e da dignidade presidencial, serão suficientes para desacreditar o conteúdo da matéria jornalística.
É merecedor de enfático repúdio o meio escolhido pelo Ministério da Justiça, a pedido do Presidente da República, para retaliar o jornalista pessoalmente, cancelando o seu visto temporário de trabalho. Assim fazendo, o governo brasileiro envereda pelo caminho da censura, na sua forma mais cruel, impedindo não apenas a livre manifestação do pensamento, mas também o direito do referido jornalista ao trabalho. No afã de resguardar o governo e a pessoa do Presidente Lula, a sumária expulsão do jornalista consegue produzir obra ainda mais triste, qual seja, a de não sermos capazes, como Nação, de tolerar a liberdade de expressão, ainda mais quando as palavras inúteis por ele produzidas, ao contrário do que se apregoa no seio do Planalto, não comprometem a soberania e a segurança nacional.
Constrangedor ainda é perceber que o fundamento jurídico utilizado para tal fim é norma oriunda do regime militar, de triste memória, e que está em dissonância com a própria Constituição Federal, atentando contra as garantias fundamentais ali inscritas e que são asseguradas a brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. O artigo 5°, inciso 4, assegura a liberdade de manifestação de pensamento. O artigo 220 rechaça qualquer possibilidade de censura, seja qual for a razão. Além disso, é possível afirmar que a norma em que se fundamenta a expulsão não foi recepcionada pela Constituição, que a ela é posterior, já que o parágrafo 1o do mesmo artigo 220 é claro ao afirmar que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social.
O Executivo brasileiro, nesse momento, deve reconhecer que a liberdade de expressão é o bem maior a ser preservado no episódio, ainda mais quando do outro lado está uma reportagem que, por mais críticas que mereça, não oferece qualquer risco ao funcionamento das instituições brasileiras. É hora de revogar rapidamente a decisão que cancelou o visto de trabalho do jornalista, sob pena de a reação ser a grande e verdadeira vilã nesse embate.
A liberdade de imprensa não guarda fronteiras porque o pensar e as sua expressões jamais podem sofrer de contorcionismos geográficos, pelos menos nas nações que se pretendam democráticas.Prestigiar a manifestação livre de idéias implica no respeito às contrariedades, enfrentadas com mecanismos à disposição dos ofendidos no Estado Democrático de Direito, estando a censura no pólo adverso, ou mais precisamente no totalitarismo bem à feição de mandatários impostos ao povo, bem diferente do perfil do atual governo brasileiro, legitimamente alçado ao comando do país.