1. Valores protegidos
No início, os direitos fundamentais protegiam apenas a liberdade do cidadão em face do Estado. Depois passaram a perseguir também os ideais de igualdade e fraternidade. Hoje, incluem direitos à informação, ao pluralismo e à democracia direta (Bonavides). Os direitos do trabalho se incluem dentre os que buscam a igualdade possível num sistema capitalista. Mas também atravessam aquelas outras dimensões, mesmo porque não há direito fundamental isolado de outro. Todos se misturam e se interagem.
2. Campo
Os direitos fundamentais podem ser vistos sob dois aspectos - formal e material. No sentido formal, fundamentais seriam os direitos assim nomeados pela Constituição. No campo do trabalho em geral, estão previstos especialmente em alguns incisos dos artigos 1°, 3°, 4°, 5° e no artigo 6°. Na esfera do trabalho subordinado, estão inseridos, especialmente, nos artigos 7° a 11 da Constituição.
No sentido material, fundamentais seriam os direitos que contêm dentro de si valores básicos, elementares, ou - numa palavra - fundamentais. Como nem sempre o formal contém o material, é o material que deve prevalecer. Assim, fundamentais serão também os direitos que - embora não contidos no rol - estejam vagando sob a forma de princípios ou mesmo inseridos em alguma norma infraconstitucional. O inverso não acontece em termos absolutos. O simples fato de um direito ter sido arrolado como fundamental já revela o propósito da Constituição em lhe dar essa natureza.
Mas, em termos relativos, pode acontecer – como veremos adiante – que um direito, mesmo arrolado, tenha um traço não fundamental. Uma das normas fundamentais mais importantes, e nem por isso arrolada como tal, é a que confere ao Direito do Trabalho um caráter progressista, sempre no sentido de reduzir as desigualdades sociais.
3. Força normativa e emendas
Normas que contêm direitos fundamentais informam o legislador, traçam o caminho para o intérprete, suprem eventuais lacunas e têm força normativa própria e direta. Por isso, não podem ser objeto de emenda constitucional. A propósito, é preciso notar que a Constituição da República refere-se a "direitos e garantias individuais" (art. 60, `PAR`4°). Mas também as outras categorias de direitos fundamentais estão ali incluídas. Embora a matéria não seja pacífica, é a solução que nos parece mais lógica, pois não deve haver hierarquia entre as várias gerações de direitos fundamentais - umas mais fundamentais do que as outras.
Em suma: todos os direitos arrolados nos art. 7° e 8° são cláusulas pétreas. Mas não no sentido de que sejam sempre rígidos: podem ser alterados em sentido favorável ao trabalhador. Não tanto por aplicação do conhecido princípio do direito do trabalho. Mas porque é exatamente esse sentido protetivo que os transforma em direitos fundamentais. Um exemplo são as normas que regulam a organização sindical. São pétreas no sentido de que não podem ser substituídas por outras que restrinjam a liberdade dos atores sociais. Mas não são pétreas no sentido de que podem ser superadas por outras que ampliem essa mesma liberdade. Outro exemplo são os adicionais de insalubridade e periculosidade: são pétreos no sentido de que não podem ser simplesmente suprimidos; mas não no sentido de que podem ser superados por outra forma mais eficaz de proteção ao trabalhador.
Além disso, há normas que mesclam preceitos protetivos e restritivos. É o que acontece, por exemplo, com a regra que proíbe a redução de salários, salvo convenção ou acordo coletivo. Nesse caso, pétreos serão apenas os preceitos protetivos. Assim, seria possível uma emenda que proibisse em qualquer hipótese a redução salarial, mas não uma que a permitisse em nível individual. Assim, mesmo em tema de direitos fundamentais, é preciso ver o que há de pétreo em
cada norma. E se às vezes a norma é menos pétrea do que parece, outras vezes acontece o contrário. É o que se dá, por exemplo, quanto à sua carga de imperatividade. Assim, seria inviável uma emenda que transformasse todos os direitos do art. 7° em disponíveis, a menos que o contexto social e econômico equilibrasse a relação de forças em nível coletivo.
4. Mutações informais
Se, em teoria, não podem ser objeto de emendas, na prática os direitos fundamentais do trabalho vêm sofrendo mutações, não só em termos de interpretação, como de efetividade. Exemplo do primeiro caso é o princípio da proteção ao trabalhador. Hoje, é usual dizer-se que direitos em excesso significam escassez de empregos. Assim, inverte-se a equação. Para proteger o empregado, é preciso proteger a empresa, o que significa desproteger o empregado. Opõe-se o direito do trabalho ao direito ao trabalho. Essa releitura do princípio culpa o empregado pelo desemprego e responsabiliza o direito pelos excluídos, dentre os quais ele próprio vai se inserindo.
Exemplos do segundo caso são as repetidas violações de direitos. É que as garantias constitucionais, como a do acesso à Justiça, só funcionam bem, no mundo do trabalho, se articuladas com um sistema de proteção ao emprego. Sem ela, o empregado só pode demandar quando já perdeu a fonte de trabalho, ou seja, quando se encontra em estado de vulnerabilidade. Ainda a propósito da proteção ao emprego, é bom lembrar que a norma que a prevê não foi ainda regulamentada - a não ser transitoriamente. E esse é outro exemplo de alteração inconstitucional. O que era transitório vai-se tornando definitivo. Por tudo isso, a igualdade material, que o direito do trabalho persegue, volta a ter muito de formal.
5. Direitos fundamentais e direitos "mínimos"
O simples enunciado do tema "direitos fundamentais do trabalho" parece sinalizar no sentido de um eventual enxugamento da legislação. Fala-se abertamente em "direitos mínimos". Nessa hipótese, haveria uma transformação maciça de normas de ordem pública em normas dispositivas, ainda que em nível coletivo. Em favor desse possível enxugamento, costuma-se argumentar que a nova economia exige flexibilidade em todos os níveis. Além disso, uma lei mais enxuta abriria espaço para a negociação coletiva. Acontece que a regulação minuciosa da relação de emprego, entre nós, não tem impedido uma alta flexibilidade na gestão da mão de obra.
Acresce que a transformação de normas de ordem pública em normas disponíveis, num contexto de fragilidade sindical, pode acentuar o desequilíbrio de forças em nível coletivo. Além do mais, a experiência internacional tem demonstrado que a precarização de direitos não gera novos postos de trabalho, na medida em que - generalizando-se -apenas pressiona para baixo os níveis da concorrência. Por fim, um processo amplo de enxugamento, mesmo respeitando os direitos expressamente previstos na Constituição, feriria aquele princípio fundamental implícito, e já referido, que impõe um caráter progressista ao Direito do Trabalho.
6. Uma proposta ao contrário
O direito do trabalho sofre as conseqüências de uma transformação aguda no processo produtivo. Depois de ter transformado quase todos os trabalhadores em empregados, o sistema hoje inverte a equação, transformando empregados em não-empregados, ou em empregados pela metade. Para enfrentar essa nova tendência, o que se espera não é um enxugamento, mas uma ampliação do campo protetivo. Desse modo, o direito do trabalho reencontraria o direito ao trabalho não como uma espécie de opositor, mas de complemento. E - perseguindo a empresa em sua rota de fuga - abarcaria em seu campo aqueles ex-empregados, hoje desempregados, subempregados ou autônomos (paradoxalmente) dependentes. O tema será retomado mais adiante.