Afirmação e resistência dos direitos sociais. É exatamente esse o desafio que se coloca à reflexão dos juízes do trabalho, nesse Conamat: a superação das contradições que envolvem a temática dos direitos sociais nos dias correntes. É justamente enfrentando esse dilema que pretendemos desvelar, na linha de Boaventura dos Santos, não só opressões insuspeitas, mas também energias emancipatórias. Enfim, cuidaremos da necessidade de resgatar a centralidade do labor humano no contexto de uma economia que a cada dia mais se entrega ao capital.
As crises geradas pelo capitalismo lançam para a classe trabalhadora a tarefa impossível de se buscar solução de resgate da cidadania sem frear o modo perverso de acumulação de riquezas. É dentro de tal cenário que se incluem as alternativas de reformas do Estado na sua perspectiva minimalista, com a privatização de funções essenciais e redução de direitos sociais dos detentores da força-de-trabalho.
As transformações empreendidas nos modos de produção a partir da revolução tecnológica dos últimos 30 anos, ao invés de legitimar condutas segregacionistas, deveriam significar compartilhamento dos avanços com os milhões de excluídos, tornando mais justa a relação entre o capital e o trabalho.
Se não fosse suficiente a ousadia neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, que pretendeu, numa medida isolada, solapar conquistas históricas com o projeto de lei que dava prevalência ao negociado sobre o legislado, o Governo Lula emite sinais que também não enfrentará a causa dramática do desemprego e da exclusão social, em face do evidente receio de contrariar as elites nacionais e estrangeiras.
As declarações do Presidente da República no sentido de que tudo pode ser negociado na reforma trabalhista, aliadas à heterogeneidade pragmática da larga base política construída para garantir a governabilidade, cujo perfil é claramente avesso à mudança de rota, confirmam a continuidade do modelo imposto às economias periféricas. Desmorona-se o discurso da herança maldita quando a maldição é o bem maior a ser preservado de maneira involucral pelo Palácio do Planalto.
É impossível distribuir renda sem reduzir as margens de lucro do sistema financeiro e das grandes empresas, sem discutir o pagamento, pelo Brasil, de mais de doze bilhões de reais por mês a título de serviços da dívida, sem conter a fúria pela geração de superávit primário, sem reduzir drasticamente a taxa de juros, sem a criação de política básica de desenvolvimento focada na geração de empregos e sem o fomento de políticas de crédito e fiscais para as pequenas empresas.
Logo, somente a superação da lógica do conteúdo ortodoxo monetarista “pallociano” é capaz de inverter o resultado da operação que deixa para os trabalhadores a fatura dessa conta.
A reforma trabalhista terá importância no contexto atual, portanto, se souber preservar e alcançar novos patamares no campo dos direitos humanos. Nem mesmo outros contornos no movimento sindical, a partir da reforma em curso, justificam a omissão do Estado na regulamentação de garantias que a negociação coletiva será incapaz de assegurar. A experiência internacional, e porque não dizer a brasileira, está a demonstrar o fracasso das políticas de precarização dos direitos trabalhistas.
A Anamatra lança um outro olhar sobre o tema.
Está convencida da necessidade de enfrentamento das barreiras discriminadas anteriormente, bem como da regulamentação do dispositivo constitucional que proíbe a dispensa arbitrária. Também da necessidade da redução da jornada de trabalho e da instituição de meios que inibam o trabalho extraordinário, em face da realidade do crescente processo de automação. Não abre mão da luta pela ampla liberdade sindical e pelo direito de greve. Também por uma maior democracia entre os atores sociais e pela concretização do Princípio Fundamental inscrito na Carta Política de 1988, que confere ao trabalho a qualidade de valor social da República.
Tratando de Direitos Humanos e de reforma trabalhista, como explicar a existência de trabalho escravo e de trabalho infantil em pleno século XXI, na era da microeletrônica, em que, cada vez mais, se reduzem tarefas e se eliminam postos de trabalho? Somente a ganância e a omissão no implemento de todas as medidas necessárias para varrer o trabalho degradante.
É verdade que o governo, através do Ministro da Secretaria dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, adotou algumas medidas para combater a audácia dos escravocratas, sobressaindo-se o apoio à PEC que permite a expropriação das terras onde for encontrado trabalho forçado. Mas isso é muito pouco. Sem que se rompa com a ideologia apregoada pelos arautos do neoliberalismo mundial “de que qualquer trabalho é melhor do que nada ou de que nenhum”, valorizando o trabalho, todas as outras ações serão insuficientes num país de miseráveis à procura de sustento a qualquer custo, até mesmo o da humilhação imposta pelo comprometimento do sagrado direito de ir e vir.
Não será fácil atravessar tais fronteiras diante da secularização e do aprofundamento das injustiças sociais produzidas pelo novo capitalismo, quando as entidades da classe trabalhadora já não revelam o mesmo vigor de antes. Algumas, há muito tempo, avalizam o modelo neoliberal com bastante ênfase. Outras, no entanto, estão em pleno processo de capitulação, com a chegada ao poder de um governo oriundo dos movimentos sociais.
Assim como o fim do socialismo no Leste Europeu, pela ação das burocracias stalinistas, não implica no fim da História, tampouco a organização coletiva dos trabalhadores pode dar-se por satisfeita com tantas e árduas lutas a serem travadas.
Mas as injustiças estão presentes no mundo inteiro, nas suas mais diversas matizes. Como calar-se diante do terrorismo de Estado promovido pelo Senhor Bush e seus seguidores contra nações e povos oprimidos?
É preciso estabelecer uma nova ordem mundial fundada na solidariedade, no respeito aos Direitos Humanos, na justiça social, na liberdade de crença, na distribuição de riquezas entre os mais pobres, na construção de bases sólidas para a verdadeira paz mundial. Não tenho dúvida de que - como sempre tem sido evocado no Fórum Social Mundial, anualmente realizado - “um outro mundo é possível”. Ele será procurado a qualquer momento pelos segmentos que, não obstante o quantitativo numérico amplamente majoritário, integram, contraditoriamente, as minorias participantes do processo político-econômico.
Depois de doze anos de tramitação no Congresso Nacional, a PEC que trata da reforma do Poder Judiciário pode ser votada e promulgada ainda no primeiro semestre de 2004, pelo menos no que se refere ao conjunto do texto da Câmara ratificado pelo Senado Federal. A razoável demora guarda estreita relação com a prioridade real dada pelos poderes Legislativo e Executivo ao tema.
A proposta foi lançada e retirada da pauta segundo a intensidade das denúncias lançadas contra membros do Judiciário e do Ministério Público, perdendo o seu alegado efeito transformador com a saída de cena dos escândalos isolados produzidos por referidos personagens.
Abstraindo a nobreza ou não dos verdadeiros propósitos perseguidos, o fato é que a máquina judiciária não consegue realizar a contento a tarefa para a qual foi primordialmente concebida, qual seja, a de distribuir justiça com celeridade. Mesmo sendo a mais notória mazela, a morosidade se faz acompanhar de outras marcas, internas e externas, que comprometem de modo inarredável o desempenho do Poder Judiciário.
Paira reduzida controvérsia entre os operadores do direito sobre a imprescindibilidade de uma reforma processual capaz de diminuir o número de recursos e de atos meramente protelatórios, propiciadora de maior efetividade das decisões primárias, seguida de rigorosa alteração de todo o sistema, para lhe dar harmonia e consistência.
Várias são as sugestões apresentadas pela Anamatra, destacando-se a criação da certidão negativa de débitos trabalhistas na Justiça do Trabalho, o fim do agravo de petição, a extinção do efeito suspensivo no recurso ordinário, a elevação da taxa de juros, a substituição processual ampla e irrestrita, como, de resto, o apoio ao incremento da coletivização das demandas.
O direito processual adquiriu importância ao longo dos anos, em face do reconhecimento de sua autonomia científica como ramo do ordenamento jurídico. Entretanto, a supervalorização da forma, indiscutivelmente, compromete o que se busca conferir a alguém. Não se trata de se lhe atribuir papel secundário e de mera regra adjetiva, conotações tão repugnadas pelos estudiosos da matéria. O equilíbrio deve ser buscado na interpretação das normas, competindo ao legislador fixar balizamentos que levem em consideração outras premissas.
Nessa perspectiva, impõe-se a tarefa urgente de mudança, mediante a simplificação dos códigos processuais e da legislação processual trabalhista, sem nenhuma violação aos princípios e garantias constitucionais.
A deficiência estrutural do Poder Judiciário também colabora com o caótico quadro de espera na entrega da prestação jurisdicional. O problema aqui, mais uma vez, está fora do alcance dos juízes, cabendo aos outros poderes dotar a justiça de instrumentos materiais hábeis ao seu funcionamento de maneira mais eficaz. O Brasil possui um quadro reduzido de juízes e servidores, quando comparado com a proporcionalidade em relação aos habitantes observada em outros paises. Investimentos nas áreas de informática e capacitação são necessários.
Enfim, é preciso fornecer elementos até hoje não disponíveis ao judiciário, ausentes em razão da própria crise do Estado brasileiro e do poder público, cada vez mais preocupado com os afazeres impostos pelo "deus mercado" e pelos insaciáveis credores internacionais.
Até agora a proposta não difere de modo substancial do discurso verbalizado pelos setores hegemônicos do Poder Judiciário, bem posicionados no topo piramidal da estrutura hoje vigente. Mas as nossas convergências limitam-se ao objeto antes anunciado. A subsunção de todos os males ao mundo exterior é por demais simplista, prestando-se essa tática como esquiva ao implemento da revolução indispensável para o sistema, encampada pelo judiciário-conservador, na precisa definição do professor Andrei Koerner.
É evidente que na reforma constitucional se faz necessário repensar elementos que isolam os juízes, concentram poderes nas cúpulas, não permitem a transparência dos seus atos, autorizam a interferência do poder político nas indicações dos cargos das instâncias superiores e inviabilizam o acesso à justiça.
A longa trajetória da reforma em curso não conseguiu romper com os falsos paradigmas eleitos para melhorar o desempenho da justiça brasileira. E assim o é porque o núcleo do texto, por um lado, consagra símbolos arraigados pelas elites nacionais, como a malsinada súmula vinculante, a extensão do foro privilegiado para ações de natureza cível e o período posterior à ocupação da função pública, a escolha do Procurador Geral da República pelo Chefe do Executivo sem a participação dos procuradores, e o arremedo míope de conselho nacional de justiça. Por outro, deixa de enfrentar temas como o verdadeiro acesso à justiça, a democratização interna do Poder Judiciário, a acessibilidade democrática aos cargos da magistratura nos tribunais, a extinção da reserva de mercado representada pelo quinto constitucional.
Mesmo que restrita ao âmbito do Supremo Tribunal Federal, a adoção da súmula vinculante importará em grave ofensa ao princípio do juiz natural da causa, com evidente cerceio da atividade jurisdicional, concentrando poderes nas mãos de poucos magistrados. As conseqüências serão extremamente negativas para os setores dominados da sociedade brasileira.
O quadro se agrava com a subtração do debate em torno da escolha bonapartista dos ministros do STF pelo Presidente da República, nuance que, em menor extensão, também se faz presente na nomeação dos magistrados da segunda instância da justiça da União e dos ministros dos tribunais superiores, forma de interferência direta do Poder Executivo federal, competência que deveria estar ser reservada aos próprios tribunais, como já ocorre na justiça dos estados.
Os juízes do trabalho, abolindo dogmas e preconceitos reverberados durante anos, aprovaram a proposta de criação de um órgão capaz de garantir maior racionalidade às ações políticas e estratégicas do Poder Judiciário, composto por magistrados eleitos e representantes da sociedade civil organizada, com atribuições administrativas, orçamentárias, de formulação de políticas estratégicas e disciplinares em grau recursal. Zelar pela independência jurisdicional é a principal função do autogoverno do judiciário, como ocorre em vários países da Europa.
O modelo inserido na PEC 29/2000 e acolhido pelo atual Governo Federal foi pensado, no entanto, como mecanismo centralizador e autoritário, o que se depreende de suas próprias características: competências voltadas primordialmente para o campo disciplinar, composição baseada nas cúpulas e seus indicados, vagas reservadas para entidades que possuem interesses corporativos nos destinos do judiciário e falta de previsão das necessárias cláusulas de barreiras quanto aos representantes da sociedade civil nomeados pelo Congresso Nacional. Sob o fundamento da urgência, o Executivo não mede esforços para aprovar um arremedo de conselho nacional de justiça, antidemocrático e distante do modelo que permitiria real interação com a sociedade.
Os três poderes da República são impermeáveis, não obstante o sufrágio universal a que estão submetidos os integrantes do Executivo e do Legislativo a cada 4 ou 8 anos. Entretanto, nenhum deles deveria estar imune ao controle permanente da sociedade sobre os atos que não são próprios de cada atividade. Despindo-se de interesses corporativos ou de retaliação contra os possíveis incômodos, somente a defesa da instituição de conselhos diversos em cada esfera de poder revelaria a grandeza dos agentes políticos.
Episódios lamentáveis e isolados, como o da emenda da reeleição em 1997 e o recente caso que envolveu funcionário da Casa Civil da Presidência da República, seriam resolvidos e superados de modo mais transparente se houvesse órgão de controle social do Executivo, com a participação democrática da sociedade civil.
Em que pese a autonomia orçamentária dada aos órgãos da Defensoria Pública, o acesso à justiça somente pode se materializar de maneira mais efetiva com o fim do pagamento de taxas e serviços pelos cidadãos que não podem prover as despesas judiciárias. A concessão dos benefícios da justiça gratuita, prevista em lei, deveria eliminar a dificuldade, mas não é o que sucede na prática. A existência de cartórios explorados pela iniciativa privada, absorvendo atividade essencialmente pública, será sempre propiciadora de obstáculos ao desenvolvimento célere dos processos daqueles que mais têm sede de justiça.
A falta de democracia interna nos tribunais, do mesmo modo, passou ao largo das discussões parlamentares. Eleições diretas para os cargos de dirigentes dos tribunais e a definição de outros contornos nos processos de promoção, remoção e disciplinares, são medidas que poderiam minimizar o grau de dependência hierárquica funcional entre os juízes das diversas instâncias.
Se o eixo da reforma é conservador, até mesmo com alguns retrocessos em relação ao regime vigente, considero que, pontualmente, existem alguns aspectos merecedores de apoio, destacando-se a criação obrigatória de ouvidorias, a proibição de nepotismo e, ainda, o estabelecimento da quarentena para o exercício da advocacia e a autonomia das defensorias públicas.
No que se refere à Justiça do Trabalho, é louvável a ampliação de sua competência, para abranger todas as demandas oriundas do trabalho humano, apenas excetuadas as dos servidores públicos estatutários, incluindo-se, ademais, os litígios intra e intersindicais, o habeas corpus e a execução das multas administrativas. Também é relevante o restabelecimento do número de 27 ministros no TST. Os juízes do trabalho terão a importante missão de não abdicar das novas competências, construindo jurisprudência favorável ao fortalecimento deste ramo especializado do judiciário brasileiro.
Fecha-se um ciclo no processo de reforma constitucional do Poder Judiciário, mas não se encerrará a luta pelas transformações que realmente são imprescindíveis para torná-lo acessível, democrático, transparente, ético e vocacionado para o mister de dizimar injustiças sociais perpetradas pelos detentores dos meios materiais para tanto. Individualmente, o juiz continuará velando pelo respeito aos princípios constitucionais que dão ao Estado brasileiro a qualidade de nação soberana e democrática, fundada no respeito à dignidade da pessoa humana. De modo coletivo, a tarefa será das associações de magistrados, pautando qualquer conduta na atenção, em primeiro plano, aos interesses da sociedade.
Dando prosseguimento a uma política de várias gestões, a Diretoria da Anamatra aposta na relação democrática com as direções dos tribunais, centrada na intransigente defesa de princípios da ética e da transparência dos atos administrativos. Mas, como lhe é muito caro outro princípio, qual seja, o da independência associativa, tem enfrentado alguns embates com dirigentes seduzidos pelo absolutismo, pela prática de nepotismo e pelo cometimento de outras irregularidades. É fruto de alegria incontida de muitos magistrados a progressão na carreira para alcançar posições nos regionais e no TST, mas o fato jamais pode autorizar conduta tendente à verticalização do judiciário, motivadora de autoritarismo contra quem não é subordinado, pelo menos segundo modelo teórico ora vigente.
Como não entender que a distinção entre juízes reside tão somente nas atribuições e competências reservadas para as diversas instâncias? Nem mesmo a matéria disciplinar afeta aos regionais assegura alguma superioridade. Aliás, em qualquer circunstância, o referido comportamento é inadequado para o judiciário que pretende se aproximar da sociedade e da cidadania. A Anamatra continuará solidária e atuante contra todos os excessos e arbitrariedades praticados. Curvar-se-á aos desmandos quem optar pelo silêncio ou pela complacência oportunista. Registro aqui o brilhante trabalho do advogado Alberto Pavie Ribeiro, que tantas vitórias conseguiu nos últimos tempos nos tribunais superiores e no Supremo.
Lançando-se ao trabalho ao lado das gloriosas Amatras e de seus obstinados dirigentes, a Diretoria da Anamatra tem participado ativamente das atividades legislativas, elaborando sugestões e dialogando com parlamentares sobre a reforma do Poder Judiciário, a reforma da Previdência, a nova lei de falências, o projeto de terceirização, a criação de varas do trabalho e de cargos nos tribunais, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, a certidão negativa de débitos trabalhistas, o fundo das execuções trabalhistas, a reforma trabalhista/sindical, o projeto de aumento da taxa de juros na execução, a PEC que expropria terras onde for encontrado trabalho forçado, o projeto de biosegurança, além de tantas outras matérias.
Ao TST, encaminhou sugestões de cancelamento de enunciados, de criação do funtrabalho e de convênio com a Receita Federal. Ao Supremo enviou proposta de Loman. Mas também integra fóruns diversos de combate ao trabalho escravo e infantil e opina sobre as questões de interesse da sociedade brasileira, desde a política econômica ao panorama internacional, como é o caso da ALCA que se avizinha.
Não tem sido diferente nas inúmeras outras frentes de luta que se apresentam diariamente: na defesa das reais prerrogativas dos associados, no fomento à criação de ouvidorias, na agilização dos processos de nomeação de juízes da segunda instância e na implementação de política remuneratória adequada para magistrados e servidores. Freqüentes são os contatos com os representantes dos outros poderes e do próprio Judiciário.
O eixo de qualquer movimento coletivo deve primar pela busca da unidade no interior da respectiva categoria ou do segmento representativo da sociedade. A unidade real, todavia, não é mera reunião de pessoas numa mesma sigla orgânica, sem o cumprimento do conteúdo finalístico para o qual estão entrelaçados.
Ela pode materializar-se de forma mais legítima quando são reconhecidas as diferenças e construídas as alianças em torno de princípios comuns, dando sentido ao conceito de união. O receio de enfrentar a realidade, no mais das vezes, coloca-se como obstáculo ao desenvolvimento mais harmônico das entidades de classe da magistratura brasileira.
É dentro desse panorama que se inseriu o recente debate sobre a desvinculação institucional das Amatras da AMB, abrigando alguns ferrenhos opositores, movidos por legítimo romantismo da unidade em torno da Associação de todos os segmentos da magistratura. E assim os considero, pela notória boa-fé presente na avaliação, insuficiente, no entanto, para fazê-los perceber os caminhos tão opostos e independentes percorridos pela Anamatra e pela AMB nos últimos anos. Essa adversidade gerava problema incontornável para os presidentes das Amatras, qual seja, o da sobreposição. Vinculados que se encontravam a dois Conselhos de nível nacional (Anamatra e AMB), os dirigentes trabalhistas, e apenas eles, quando havia conflito nas decisões tomadas por ambas entidades, deviam optar pelo descumprimento de uma delas.
A linha adotada pela Anamatra nos últimos anos, inegavelmente, deu-lhe identidade própria como organização de âmbito nacional, notadamente nos espaços conquistados no Poder Legislativo, na imprensa e nos demais meios, daí decorrendo que tais atores não identificam sequer ligação dos juízes do trabalho com a AMB. A desvinculação das Amatras, estou certo, não provocará nenhum prejuízo à causa da magistratura, que, cada dia mais, para a Anamatra, tem que ser, antes, a do conjunto da sociedade brasileira.
Por essa razão, o foco na defesa do Estado Democrático de Direito pelos juízes tem que estar guardado de uma transversalidade além do perfil corporativo. Ao invés de retrocesso para o movimento, entendo que, com a desvinculação, novo patamar positivo de legitimidade será estabelecido, buscando cada entidade solidificar as suas ações a partir de posturas propositivas que a qualifiquem para o debate dos grandes temas. Nesse cenário, haverá sempre a perspectiva do avanço, sob pena da perda de espaço político.
Sei que havia argumentos sobre a impropriedade do momento da discussão, como se pudesse haver calmaria num Estado com enormes deficiências, cujo Poder Judiciário é chamado constantemente e não consegue corresponder às expectativas da população. Pelo menos no campo da reforma constitucional em andamento nada será alterado, eis que a Anamatra e a AMB continuarão trabalhando do mesmo modo, encaminhando os seus pontos de vista de maneira absolutamente independentes.
A saída formal das Amatras da AMB significa reconhecer o óbvio: já estamos desvinculados na prática e não precisamos de duas entidades de âmbito nacional para cuidar dos mesmos assuntos.
Ao tomar posição pela desfiliação, a Diretoria da Anamatra suscitou o debate com os associados, gerando-se o resultado de 17 Amatras favoráveis à desvinculação e 7 contrárias. Diante disso, a Anamatra, que jamais foi filiada à AMB, deixará de exercer a coordenação política das Amatras junto à referida entidade, estando cada dia mais livre para defender as suas idéias sem o receio de criar qualquer constrangimento em relação aos colegas da justiça estadual, como ocorreu na discussão sobre o teto, na reforma do Judiciário, na reforma da Previdência, na reforma do estatuto e no modo de enfrentamento das mazelas do judiciário. Recuso-me a emitir juízo de valoração sobre tais pontos e sobre a própria postura das duas associações, seja pela suspeição, seja porque o debate é mais profundo.
A capacidade de articulação, o perfil progressista, a liderança nata forjada na luta e a seriedade de propósitos, são atributos do combativo Presidente da AMB, Desembargador Cláudio Baldino Maciel. Talvez seja o único aspecto doloroso de todo o processo, deixar a AMB exatamente na sua gestão. Não foram os dirigentes da AMB que provocaram a saída dos juízes do trabalho, mas o esgotamento de um modelo que, colocado à prova diante de tantos embates, exauriu-se, por conflitar com a noção de Anamatra independente e de caráter nacional, representativa de todos os magistrados trabalhistas.
Mas seria limitar o sentido de entidade nacional se a pretensão da Anamatra tivesse como foco representar os interesses corporativos dos juízes do trabalho. É evidente que a denominação pouco importa na aferição de legitimidade social, adquirida pelo envolvimento com os grandes temas sem o viés estritamente interno, como tem procedido a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho nos últimos anos.
A Anamatra quer ser cada vez mais uma entidade dos juízes brasileiros comprometida com a defesa do Estado Democrático de Direito, com a justiça social, com a reforma das leis processuais trabalhistas, civis e penais e com os segmentos hoje afastados do processo decisório. Não estamos deixando a AMB para nos olharmos internamente, mas para alcançarmos horizontes que já nos cabem na saudável pluralidade associativa.
Ao finalizar, registro, em nome da Anamatra e de todos os congressistas, os mais sinceros agradecimentos ao líder Renato Santana, Presidente da Amatra XV, ao incansável colega de Diretoria Marcos da Silva Pôrto, Coordenador Geral do evento, e ao valoroso Diretor de Ensino e Cultura da Anamatra, Marcos Fava, dirigentes que não mediram esforços e sacrifícios para realizar o Conamat Campos do Jordão. Eles e os membros das comissões, além dos colegas da 15ª Região, são merecedores de todos os elogios e da nossa eterna gratidão. Mais uma vez, parabéns, Marcos e Renato, em nome de quem agradeço a todos.
E para ser fiel ao tom da festa do Grupo Titãs que encerrará o Conamat Campos do Jordão, é preciso lembrar “que a gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte. A gente quer inteiro, e não pela metade”. A gente tem compromisso de luta por um mundo melhor.
Muito obrigado