1. Considerações iniciais
A Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004 (EC 45/2004), publicada em 31.12.2004, com vigência imediata, segundo dispõe seu art. 10, determinou profundas mudanças no Poder Judiciário, com destaque especial para a competência da Justiça do Trabalho, significativamente ampliada, atendendo assim os justos reclamos da comunidade jurídica nacional.
Todavia, nos primeiros artigos publicados sobre a matéria observou-se, de parte de segmento da doutrina, curiosa resistência ao manifesto alargamento do espectro de ações doravante a cargo da Justiça trabalhista.
Causa espécie tal postura, pois que durante os longos anos de tramitação da chamada reforma do Judiciário grande foi o empenho em defesa da ampliação do escopo de atuação da Justiça do Trabalho, para que esta, dada a familiaridade com o trato da matéria, justamente por se tratar de ramo especializado do Judiciário, viesse a dirimir todos os conflitos derivados das relações de trabalho e não apenas, como tradicionalmente acontecia, as controvérsias decorrentes da relação de emprego.
Todavia, a pretendida interpretação restritiva do novo texto constitucional não deve resistir à análise percuciente da matéria, estabelecendo-se, dessa forma, a correta exegese a ser extraída das inovações introduzidas pela EC 45/2004.
A visão reducionista, embora cômoda, pois que dispensa o desafio de enfrentar o novo, deve ser evitada a qualquer custo, sob pena de subversão completa dos objetivos da própria reforma. Quisesse o legislador determinar a competência da Justiça do Trabalho apenas para as relações de emprego, poderia simplesmente ter preservado a redação original do artigo da Constituição Federal (CF) que trata do tema (art. 114), acrescentando tão-somente os incisos contemplados na redação ora em vigor. Não se pode conceber que o Poder Legislativo, após mais de década de exames e discussões, tenha se limitado a reproduzir, apenas com outras palavras, o comando vigorante desde a promulgação da CF em 05.10.88.
Sempre houve ácidas críticas às restrições impostas pelo texto constitucional à competência da Justiça do Trabalho. Amiúde, colegas magistrados, em especial da Justiça Estadual, mencionam sua natural dificuldade para instruir e julgar, v.g., demandas de servidores estatutários ou ações de indenização decorrentes de acidente de trabalho ajuizadas contra empregadores, sob a alegação de que lhes falta familiaridade com as questões trabalhistas. Não se diga que o argumento é equivocado, pois que o servidor público jungido ao estatuto é, sem dúvida, um trabalhador, embora não possa ser considerado empregado. Por outro lado, ações indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho, propostas contra o empregador, são inquestionavelmente da competência da Justiça do Trabalho, na medida em que se trata de controvérsia decorrente da relação de emprego.Por isso, as associações de magistrados do trabalho, sob a coordenação da associação nacional (ANAMATRA) empreenderam renhida batalha junto ao Congresso Nacional para que todas as questões envolvendo trabalhadores – e não apenas empregados – passassem a ser julgadas pela Justiça do Trabalho, logrando êxito, segundo se observa da análise do texto promulgado.
A alegação de que este ramo do Judiciário não irá suportar a demanda é falaciosa e esgrimida por aqueles que não apreciam a efetividade já demonstrada pela Justiça do Trabalho. Sequer a anunciada morosidade que se seguiria à recepção, pela Justiça obreira, de processos decorrentes da nova competência pode servir de pretexto para que se confira ao texto constitucional interpretação diversa daquele que dele emerge manifesta, qual seja, de que a justiça do trabalho deverá julgar todas as demandas que decorram das relações de trabalho. Nas palavras do eminente magistrado Júlio Bernardo do Carmo, “A Justiça do Trabalho, além dos conflitos intersubjetivos de interesses que têm origem na relação de emprego, passa agora a ter competência igualmente para dirimir toda e qualquer ação oriunda da relação de trabalho, independentemente de existir na relação jurídica o chamado tônus subordinativo, bastando que uma pessoa física preste para outra pessoa, seja física, jurídica ou de direito público externo ou interno, determinados serviços típicos de um contrato de atividade.”
Tenha-se também presente que a Lei 10.770, de 21 de novembro de 2003, autorizou a criação de mais de 250 novas Varas do Trabalho, suficientes, portanto, para receber, instruir e julgar, com a celeridade necessária, as novas demandas.
Não se diga que a norma inserta no art. 114, I, da Constituição Federal se trata de disposição de eficácia limitada (dependente de regulamentação), pois que nada no texto constitucional autoriza tal interpretação.
Todos os membros da comunidade jurídica, em especial os magistrados trabalhistas, devem resistir bravamente ao instintivo sentimento de pusilanimidade que em geral se segue ao novo, em especial quando este anuncia trabalho árduo. Resista-se aos arautos do conservadorismo empedernido. Aceite-se o desafio que, bem administrado, conferirá à Justiça do Trabalho o papel que sempre deveria ter desempenhado no cenário jurídico nacional, qual seja, de pacificar os conflitos conseqüentes do trabalho humano, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre o trabalhador e tomador do serviço.
Há razões jurídicas que autorizam a interpretação ora preconizada, conforme se verá ao longo do presente estudo, cujo objetivo é contribuir para fomentar o debate sobre a importante questão.
2. A competência da Justiça do Trabalho no texto das Constituições brasileiras
A Justiça do Trabalho surgiu com a Constituição de 1934, mas com natureza administrativa. A Constituição Federal de 1946 é que expressamente estabeleceu o caráter jurisdicional da instituição.
Exame do texto relativo à competência da Justiça do Trabalho, nas várias Constituições que se sucederam desde a instituição desta justiça especializada, permite aferir que a EC 45/2004 rompeu o paradigma que ditava os limites da atuação da Justiça obreira, circunscrita aos litígios derivados da relação de trabalho subordinado e, apenas excepcionalmente, alcançando controvérsias decorrentes da relação de trabalho, para o que era exigida lei específica, a exemplo do que acontecia com a pequena empreitada e com os trabalhadores avulsos.
Analise-se a redação, com especial atenção para os trechos em destaque:
Constituição de 1934:
Art. 122 – Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I.
Constituição de 1937:
Art. 139 – Para dirimir conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça Comum.
Constituição de 1946:
Art. 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial.
`PAR` 1º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária.
`PAR` 2º - A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.
Constituição de 1967 e EC 01/69:
Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho.
`PAR` 1º A lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.
`PAR` 2º Os litígios relativos a acidentes do trabalho são da competência da justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
Constituição de 1988:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
`PAR` 1º. Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
`PAR` 2º. Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.
`PAR` 3º. Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no artigo 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. (Parágrafo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 20/98, DOU 16.12.1998)
Como se pode observar, todos os textos faziam alusão expressa a controvérsias entre empregados e empregadores. Embora a CF/88 tenha utilizado o termo trabalhadores, o que suscitou dúvidas sobre seu efetivo alcance, sedimentou-se o entendimento de que se tratava de trabalhador subordinado, pois que é este quem presta serviço a “empregador”, consoante a terminologia empregada pelo legislador constituinte. Atendeu-se, assim, ao chamado espírito ou vontade da lei.
Situação completamente diversa, contudo, é verificada no novo texto em vigor desde 31.12.2004.
Com efeito, o texto promulgado e publicado no final de 2004 tem a seguinte redaçã
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;(sublinhou-se)
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
`PAR` 1º ........................................
`PAR` 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
`PAR` 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.
Convém assinalar que a proposta apresentada não foi aprovada integralmente. Parte dela retornou à Câmara dos Deputados, para apreciação.
Portanto, a EC 45/2004 não manteve as expressões empregado e empregador, reiteradamente utilizadas nos textos anteriores, e sim afirmou que à Justiça do Trabalho compete processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, gênero de que é espécie a relação de emprego. A relevância do tema exige que seja tratado em item próprio.
3. Relação de trabalho e relação de emprego
As expressões relação de trabalho e relação de emprego não são sinônimas. A primeira compreende os chamados contratos de atividade, que são todos aqueles que apresentam um ponto em comum, ou seja, o objeto de todos eles consiste na utilização da energia humana e pessoal de um dos contratantes em proveito do outro. A segunda significa modalidade que se distingue pela existência de subordinação jurídica do prestador do serviço ao tomador.
Diz, a respeito,Gaglian
A expressão ‘relações de trabalho’ tem, muitas vezes, uma acepção plurissignificativa.
De fato, a expressão ‘trabalho’, se utilizada de forma genérica como objeto de uma relação contratual, pode levar à confusão terminológica com o que se convencionou chamar de contratos de atividade, que são aqueles caracterizados pelo fato de um dos contratantes aplicar sua atividade pessoal na consecução de um fim desejado pelo outro.
São consideradas relações de trabalho, dentre outras, a empreitada, a locação de serviços, o trabalho prestado porprofissional liberal, o trabalho avulso, a parceria rural, o trabalho eventual e o autônomo, o temporário, a representação comercial autônoma, o trabalho do servidor público e o trabalho do empregado.
Sobre a distinção entre relação de trabalho e relação de emprego, ensina RODRIGUES:
A distinção operada, de valor aparentemente acidental, dá margem a que o Prof. Paulo Emílio R. de Vilhena teça considerações das mais proveitosas a propósito da distinção entre trabalhador e empregado, justificando sua preocupação em fazê-lo nos seguintes termos: ‘Em parte explica-se o fato porque não há figuras contrapostas ou correlatas a empregador, mas as encontramos com relação ao empregado. Assim, temos os autônomos, os avulsos, os eventuais, os sócios (não se deve esquecer que o sócio de indústria é um trabalhador). No trabalhador é que se procura a autonomia ou a subordinação.’
Usa, o autor acima apontado, de expressão muito feliz, quando afirma que ‘juridicamente, todo o empregado é trabalhador, mas nem todo o trabalhador é empregado. Há pontos em que se identificam e em que se distinguem’.
Russomano, na mesma linha de considerações de Martins Catharino e Ribeiro de Vilhena, afirma que, quer a relação de trabalho, quer a de emprego, são relações jurídicas. A de emprego, porém, constitui modalidade especial da relação de trabalho e foi, em sua origem, uma relação de direito real, sendo hoje uma relação de direito pessoal.
Pelo que é de se concluir que toda relação de emprego é de trabalho, mas nem sempre esta se constitui naquela (como ocorre, por exemplo, com os trabalhadores autônomos – profissionais liberais, empreitadas, locações de serviços, etc.).
O trabalho por conta alheia é sempre o objeto constitutivo da relação jurídica entre os contratantes. Simplesmente quando é prestado em caráter autônomo fica-se na pura relação de trabalho; quando, porém, é prestado subordinadamente, atinge a própria relação de emprego.
DELGADO explica:
A Ciência do Direito enxerga clara distinção entre relação de trabalho e relação de emprego.
A primeira expressão tem caráter genéric refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.
A relação de emprego, entretanto, é, do ponto de vista técnico-jurídico, apenas uma das modalidades específicas de relação de trabalho juridicamente configuradas. Correspondente a um tipo legal, próprio e específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes.
Portanto, quando a EC 45/2004 atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para apreciar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, ampliou consideravelmente a sua atuação, atribuindo-lhe a prerrogativa de julgar os conflitos que emergem não apenas da relação de trabalho subordinado (empregado x empregador) mas também todos aqueles derivados de relação jurídica que tenha por objeto a prestação de serviço de uma determinada pessoa a um determinado destinatário. Havendo o chamado contrato de atividade, ou seja, a prestação de serviços feita por uma pessoa física para outra pessoa física ou pessoa jurídica de direito privado ou público, as eventuais controvérsias, suscitadas tanto pelo prestador de serviço como pelo tomador, deverão ser dirimidas pela Justiça do Trabalho. A competência da Justiça Trabalhista alcança inclusive os chamados trabalhadores parassubordinados e os conflitos derivados de relação de consumo, desde que exista, repita-se, contrato de atividade.
4. As relações de consumo
As relações de consumo, na lição de José Geraldo Brito Filomeno, nada mais são do que relações jurídicas por excelência, e que pressupõem dois pólos de interesse, quais sejam, o consumidor-fornecedor e a coisa, objeto desses interesses, que tanto pode consistir em produtos como em serviços.
A Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), afirma que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” (art. 2º), enquanto fornecedor, segundo a mesma lei, “é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (art. 3º).
Consumidor, portanto, é a pessoa que, inserida no mercado de consumo, efetua aquisição de bens ou contrata a prestação de serviços, na condição de destinatário final, para atender necessidade própria. Na lição de Filomeno, “Abstraídas todas as conotações de ordem filosófica, psicológica e outras, entendemos por ‘consumidor’ qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de serviço.” (sublinhou-se).
Fornecedor, por sua vez, é qualquer pessoa física ou jurídica que oferta aos consumidores produtos e serviços.
Vê-se que, além do produto, também os serviços podem se objeto das relações de consumo. Segundo o CDC, “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (art. 3º, `PAR` 2º).
Sempre que o fornecedor do serviço for pessoa física, que prestar atividade laboral a outra pessoa física ou a pessoa jurídica (de direito privado ou público), estar-se-á diante de um contrato de atividade. A prestação de serviços pode se dar a título subordinado (o prestador será, então, empregado e, como tal, ao abrigo da legislação trabalhista), de forma autônoma (como, por exemplo, o profissional liberal que oferta seu trabalho na condição de prestador de serviços, sujeito à disciplina do Código Civil, mais especificamente aos artigos 593 a 609, sem prejuízo das normas previstas no CDC), ou ainda pode se tratar de trabalhador parassubordinado (que executa trabalho de natureza contínua, coordenada e pessoal, mas sem a subordinação rígida típica da relação de emprego). Qualquer que seja a modalidade da relação de trabalho (entendida a expressão em seu sentido amplo), havendo litígio e sendo necessária a invocação da prestação jurisdicional, o juízo competente será o trabalhista, independentemente de quem seja o titular da pretensão resistida, pois que a tutela estatal pode ser provocada tanto pelo trabalhador como pelo beneficiário do serviço.
Exemplifica-se: determinado cliente necessita de intervenção cirúrgica e firma o respectivo contrato de prestação do serviço com clínica especializada. Havendo litígio, decorrente de eventual defeito na execução do trabalho ou por qualquer outra razão ligada ao ajuste entabulado, a competência para dirimi-lo será da Justiça Estadual, pois que não se trata de contrato de atividade, na medida em que o fornecedor é pessoa jurídica e não pessoa física, condição essencial para que se reconheça a relação de trabalho. Todavia, se o mesmo contrato for ajustado com profissional médico, na condição de pessoa física, revestida a prestação de caráter de infungibilidade (com pessoalidade, portanto), eventual ação de cobrança dos honorários contratados não satisfeitos pelo consumidor (beneficiário do serviço) ou possível pedido de ressarcimento de dano de que se entenda credor o tomador do serviço deverão ser objeto de análise e julgamento pela Justiça do Trabalho.
5. Os servidores públicos
A Administração Pública, para exercer suas funções estatais, lança mão de agentes públicos, gênero de que são espécie os agentes administrativos.
Os agentes administrativos, por sua vez, segundo a lição de Hely Lopes Meirelles, podem ser:
servidores públicos concursados;
servidores públicos exercentes de cargosem comissão (CF, art. 37, V);
servidores temporários (CF, art. 37, IX).
Os servidores públicos concursados classificam-se em duas espécies: os funcionários públicos, titulares de cargo público efetivo, regidos por normas do Direito Administrativo e os empregados públicos, titulares de emprego público, jungidos ao regime da CLT.
O concurso é exigência para arregimentação tanto de funcionários públicos como de empregados públicos (CF, art. 37, II, da Constituição Federal).
O cargo em comissão só admite provimento em caráter provisório. A nomeação prescinde de concurso, devendo, contudo, ser observada a ressalva prevista no art. 37, V, da CF, com a redação que lhe deu a EC 19/98.
Servidores temporários são aqueles contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos previstos no art. 37, IX, da Constituição Federal. Exercem função e não cargo público, não lhes sendo exigido concurso público para ingresso.
No âmbito federal, a contratação temporária a que faz menção o art. 37, IX, da CF está regulamentada pela Lei 8.745/93, com as alterações determinadas pela Lei 9.849/99. Cabe aos Estados e Municípios disciplinar, por lei própria, este tipo de contratação.
Na vigência do art. 114, da CF, com a redação anterior à EC 45/2004, pacificou-se o entendimento de que a Justiça do Trabalho era competente para apreciar litígios decorrentes da relação entre empregado público (sujeito ao regime da CLT) e a respectiva entidade administrativa contratante, cabendo a Justiça comum instruir e julgar demandas de servidores estatutários. Havia controvérsias sobre a competência para as ações de servidores temporários, prevalecendo, junto ao Tribunal Superior do Trabalho, o entendimento de que cabia à Justiça Estadual julgar ações de servidores municipais e estaduais. Tanto se achava estampado na OJ 263 da SDI-I, que foi, todavia, cancelada em 14.09.2004.
Dissentia-se da orientação preconizada pelo E. TST, pois que somente se justificava na vigência da redação originária do art. 39, caput, da CF, que determinava regime jurídico único aos servidores, in casu, o estatutário. A possibilidade de estabelecer-se regime celetista para os servidores, em todas as esferas administrativas (EC 19/98), viabiliza, portanto, a adoção de idêntico regramento para os temporários. Veja-se que a Lei 8.745, de 09.12.93, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos órgãos da Administração Federal direta, autarquias e fundações públicas nada mencionada acerca do regime a que estão afetos tais trabalhadores. Todavia, o fato de a EC 19 determinar a estes servidores o regime geral da previdência constitui elemento suficiente para que se afirme que é a legislação trabalhista que deve ser aplicada em tais hipóteses.
A EC 45/2004 determinou expressamente a competência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar as “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;” (inciso I – grifou-se). A exclusão dos servidores estatutários e titulares de cargo em comissão, prevista na redação aprovada pelo Senado Federal, retornou à apreciação pela Câmara Federal, conforme se destacoualhures (item 2). Não havendo modificação do texto em vigor, inarredável a conclusão de que a Justiça do Trabalho também deverá apreciar demandas relativas aos servidores estatutários ou titulares de cargo em comissão, tanto da União, como dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, pois que a relação que os une ao tomador do serviço é inequivocamente de trabalho (em sentido amplo). Trata-se de serviço prestado por pessoa física, com o atributo da pessoalidade, a uma pessoa jurídica.
6. Os acidentes de trabalho
A EC 45/2004 não dispôs expressamente sobre a competência para ações indenizatórias dirigidas contra o empregador, relativas ao acidente de trabalho.
Reitera-se o entendimento esposado em matéria anterior acerca da competência da Justiça do Trabalho para tais questões.
Doacidente de trabalho decorrem duas possibilidades: a ação proposta em face do órgão previdenciário, objetivando indenização previdenciária e a ação em face do empregador, objetivando reparação civil pelo danos sofridos.
Em vista da distinção entre a natureza das indenizações, cada uma delas tem sua competência diferentemente fixada. A competência para apreciação e julgamento das ações em face do órgão previdenciário é da Justiça Comum Estadual e está determinada pela exceção expressa no artigo 109, I da Constituição Federal e pelo artigo 129, II,da Lei nº 8.213/91. Assim dispõem os artigos de lei mencionados:
Art. 109 da Constituição Federal:
Aos Juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; [grifou-se]
Art. 129 da Lei 8.213/91:
Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:
I – na esfera administrativa, pelos órgãos da Previdência Social, segundo as regras e prazos aplicáveis às demais prestações, com prioridade para conclusão;
II – na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumaríssimo, inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do evento à Previdência Social, através de Comunicação de Acidente do Trabalho-CAT.
A análise do dispositivo constitucional acima transcrito autoriza concluir que a exceção lá prevista, no que concerne aos acidentes de trabalho, diz respeito apenas às ações decorrentes de infortúnio laboral dirigidas contra o órgão previdenciário. Não há possibilidade de a ressalva alcançar as ações decorrentes de acidente ajuizadas em face do empregador, para compeli-lo a satisfazer indenização decorrente de culpa ou dolo (responsabilidade subjetiva). Veja-se que o legislador constituinte, ao prosseguir na redação do dispositivo em análise, excluiu também da competência da Justiça Federal as ações sujeitas à Justiça do Trabalho. É remansoso o entendimento de que à Justiça do Trabalho compete julgar todos os dissídios entre trabalhadores e empregadores, sendo imperativa a conclusão de que a pretensão de reparação civil, por culpa ou dolo do empregador, na hipótese de infortúnio laboral, é inescondivelmente um litígio que decorre da relação de emprego. Por isso, competente a Justiça do Trabalho para apreciá-lo.
Sobre o tema, convém rememorar que a Constituição Federal de 1967, em seu artigo 142, `PAR`2º, ao determinar a competência da Justiça do Trabalho, excepcionava expressamente os litígios relativos a acidentes de trabalho. Da mesma forma, o artigo 643, `PAR`2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), previa a exclusão das questões de acidente de trabalho da competência da Justiça do Trabalho. Esta ressalva não existe no art. 114 da Constituição Federal em vigor.
7. O jus postulandi, os honorários advocatícios e as custas processuais
No processo do trabalho, o direito de estar em Juízo e praticar pessoalmente os atos autorizados para o exercício do direito de ação, sem o patrocínio de advogado, é restrito ao empregado e o empregador.Tanto se acha expresso nos artigos 791 e 839, da CLT. Atendida esta particularidade, firmou-se o entendimento doutrinário (e também jurisprudencial) de que “no Dissídio Individual os honorários, de ambas as partes, tratando-se de empregado e empregador, situam-se na classe das despesas voluntárias, não repercutindo no seu processo, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita sindical ao empregado.”
Todavia, tratando-se de ação movida por trabalhador não empregado ou pelo seu tomador do serviço, não se poderá falar em jus postulandi, sendo imperativo o acompanhamento de advogado, donde decorre a aplicabilidade, a tais processos, do disposto nos artigos 20 e seguintes do CPC, ressalvando-se, contudo, que as custas, em face da imperativa dicção do art. 789, `PAR`1º, da CLT, somente serão devidas pelo vencido.
8. Conclusões
A Emenda Constitucional nº 45/2004, publicada em 31.12.2004, determinou profundas mudanças no arcabouço do Poder Judiciário, com destaque para a competência da Justiça do Trabalho, significativamente ampliada.
Doravante, caberá à Justiça do Trabalho dirimir litígios oriundos das relações de trabalho em sentido amplo, nos termos previstos no inciso I do art. 114 da Carta Magna.