Antes de mais nada indispensável colocar as coisas em seus devidos lugares e convidar os atores do Fórum Nacional do Trabalho e a imprensa para que, quando tratarem da Reforma Sindical, informem corretamente o povo ansioso por conhecê-la. O que se tem ouvido das lideranças sindicais dos dois lados. trabalhadores e empregadores, do Ministro do Trabalho e do coordenador do Fórum e lido nos jornais nos leva a crer que unidos e consensuados, capital, trabalho e governo, redigiram um Projeto de Lei Sindical já encaminhado ao Congresso Nacional, para, rompendo com a Era Vargas, como prometera o ex presidente Fernando Henrique Cardoso, avançarmos na modernização das relações coletivas de trabalho, anacrônicas, segundo consenso de maior tamanho, obtido no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, acabando com a unicidade sindical, com a contribuição compulsória e com o poder normativo da Justiça do Trabalho.
Preciso dizer, no entanto, que por ora, o que o governo mandou para o Congresso foi apenas mais uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) destinada a alterar os artigos 8°, 11, 37 e 114 da Constituição antes Cidadã, já emendada quarenta e cinco vezes. O Projeto, naturalmente, só será apresentado após sua aprovação. Na Exposição de Motivos que o acompanha, adverte o Ministro do Trabalho "A reforma da legislação sindical dependerá, ainda, de mudanças na Carta de 1988. Com a revogação e alteração de alguns dispositivos constitucionais, conforme a Proposta de Emenda Constitucional, também sugerida por este Ministério à Vossa Excelência, estará aberto o caminho para que o Poder Legislativo dê prosseguimento ao debate e à avaliação das proposições aqui detalhadas".
Bem lido o Projeto, na sua sexta versão, , só agora divulgado, após dezesseis meses de discussões reservadas e exercícios de redação sigilosos, sabe-se que a unicidade será companheira da pluralidade com outro nome de batism exclusividade, que a contribuição sindical passa a ser contribuição de negociação coletiva, tão compulsória como sua antecessora, e que a Justiça do Trabalho, deslocando-se da função jurisdicional reclamada pelos puristas, continuará às voltas com os conflitos coletivos de trabalho, arbitrando sua solução.
Portanto, só depois de aprovada a PEC, será encaminhado ao Congresso o Projeto de Lei Sindical, que, por certo tramitará durante meses, se não tiver a mesma duração do que teve o que resultou na Lei de Falências: depois de dez anos.
Bem, aprovada a PEC, conforme previsto em seu art. 2°, fica revogado o inciso II do artigo 8°, que veda a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau. Logo, até que se aprove também o Projeto, a unicidade será substituída pela mais ampla pluralidade sindical, sendo admitida a multiplicidade de sindicatos concorrentes, inclusive, constituídos conforme a profissão. O texto do inciso II que determina a base territorial mínima do sindicato, nunca inferior à área de um Município, sendo revogado, permitirá a criação de sindicatos com representação restrita ao âmbito da empresa.
Cai o inciso II e fica o I, agora I-A, que consagra a autonomia, negando ao Estado "exigir autorização para a fundação de entidade sindical, a exceção do registro no órgão competente" e vedando "ao Poder Público a interferência e a intervenção nas entidades sindicais". O inciso I-B não terá aplicação imediata, pois a retomada da tutela ministerial com o credenciamento a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego para a aquisição de personalidade sindical, dependerá da aprovação do Projeto de Lei. Portanto, fica para depois o atendimento dos "requisitos de representatividade, de agregação, que assegurem a compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva e de participação democrática dos representados". Logo, tal como ocorre hoje, com o sistema qualificado pelos componentes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social como anacrônico, meia dúzia de oportunistas derrotados numa eleição, de carreiristas, empenhados em fazer do mandado emprego mais confortável, com possibilidade de perpetuação, poderão fundar um sindicato, mediante dissociação ou desmembramento de outro já constituído.
O inciso III deixa de referir-se à categoria, cabendo às entidades sindicais "a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais (...) em questões judiciais e administrativas", mas "do âmbito da representação". A redação atual do dispositivo é parecida: "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas". Apesar de amaldiçoada pelo ranço corporativista, o texto refere-se à categoria, que como vem definida no artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho, parágrafos 1°, 2° e 3°, para os empregadores é a unidade determinada pela "solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas", para os trabalhadores o conjunto que se forma pela "similitude de condições de vida oriunda da profissão ou do trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas"; excetuados os diferenciados, aqueles que "exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de trabalho singulares". Em outras palavras, grupo empresarial é aquele que for constituído por empresas que exercem atividade econômica idêntica ou assemelhada e profissional o conjunto dos que se ativam na mesma atividade ou em atividade econômica similar, enquanto diferenciado o que se organiza excepcionalmente conforme a profissão, diante de suas peculiaridades.
Substituindo categoria por âmbito de representação, num sistema de pluralidade sindical, apenas os filiados serão representados.
O dispositivo distingue direitos e interesses, individuais e coletivos, mencionando as esferas judicial e administrativa. A defesa de direitos individuais em questões judiciais só pode ser entendida como substituição processual. Através de ação antes tratada no parágrafo único do art. 872 da CLT, diante da ampliação dada pela Lei nº 8.984, de 1995, pode o sindicato pleitear o cumprimento de cláusula de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa; o art. 195, `PAR` 2° da CLT permite-lhe reclamar o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, e o art. 25 da Lei nº 8.036, de 1990, os depósitos do FGTS. O que ainda hoje se discute é o significado de categoria: o conjunto representado, independentemente de filiação sindical, ou apenas o quadro associativo. Aprovada a PEC, a resposta será a segunda hipótese.
Todavia, interesse não é direito, mas simplesmente aspiração, reivindicação. Direito é ter os depósitos do FGTS efetuados na conta vinculada, interesse, um plano de assistência médica custeado pelo empregador. O interesse coletivo, definido através da assembléia geral é defendido nas negociações coletivas e quando resistido configura o conflito, podendo armar até a greve. A solução do conflito dá-se autonomamente, através de composição que se instrumentaliza no acordo ou na convenção coletiva ou pela intervenção de terceiros, mediante arbitragem privada ou judicial, diante da alteração sofrida pelo artigo 114 da Constituição, com a Emenda n° 45, de 2004, podendo as partes, de comum acordo, ajuizar o dissídio coletivo, cumprindo à Justiça do Trabalho, no caso, "decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente".
Aprovada a PEC os acordos, convenções coletivas, laudos arbitrais e também as decisões da Justiça do Trabalho só beneficiarão os associados dos sindicatos. De empregados e de empregadores. Pois é, a pluralidade é mais perversa do que imaginam seus defensores. De modo que uma convenção coletiva assinada depois de longa negociação, já não operará efeitos erga omnes, como se diz, mas restritos ao "âmbito da representação", dos dois lados: profissional e patronal, pois o inciso III do artigo 8° da PEC menciona "entidades sindicais", logo de empregados e de empregadores.
E acabam as contribuições compulsórias, como querem os defensores da modernização e purificação das relações coletivas de trabalho, mas se mantém as do "Sistema S" que dão sustentação aos sindicatos patronais. Daqui por diante será uma mediação de forças ainda mais desigual: do capital poderoso e do trabalho sem nada.
Com efeito, o inciso IV trata da "contribuição em favor das entidades sindicais", de seu custeio "por todos os abrangidos pela negociação coletiva". Diante do já exposto, os abrangidos serão sempre os associados. Só que o texto não é impositivo como na penúltima versã "a contribuição de negociação coletiva fixada em assembléia geral e a mensalidade dos associados da entidade sindical serão descontadas em folha de pagamento", mas condicionado ao comando de lei futura, ou seja, do Projeto que ficará suspenso no vácuo legislativ "a lei poderá autorizar a assembléia geral a estabelecer contribuição em favor das entidades sindicais que será custeada por todos os abrangidos pela negociação coletiva".
Os consensos retratados no Relatório Final do Fórum Nacional do Trabalho, tinham como objetivo fortalecer a organização sindical em todos os seus níveis e âmbitos, principalmente as centrais sindicais e as confederações de empregadores, como entidades nacionais e órgãos de direção da estrutura sindical, inibir a proliferação e a pluralidade, sem ferir a liberdade sindical, com base em critérios de representatividade estabelecidos em lei. O capital negou o impossível consenso e afirmou na palavra de seus representantes mais qualificados, que "sem reforma trabalhista, a reforma sindical não sai". Nada de substituição processual, nada de organização nos locais de trabalho. Falta às centrais replicar, explicar aos sindicatos e federações filiadas, aos trabalhadores, o que entenderam como consenso e se o consenso foi o que está por vir, se vier.
São Paulo, 16 de março de 2005