Novamente vem à pauta do Congresso Nacional, desta feita por meio da PEC nº 42/03, a discussão sobre o aumento da idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos, dos atuais 70 anos para 75. Embora essa alternativa tenha sido encaminhada diversas vezes ao Parlamento, inclusive no curso da tramitação da Reforma do Judiciário, em todas as oportunidades não encontrou eco no Congresso.
Do ponto de vista do progresso da ciência, é inequívoco que o homem, a partir da segunda metade do século XX, passou a gozar de expectativa de vida útil muito superior àquela registrada em tempos anteriores, muito embora a média nacional ainda não tenha atingido, ao menos no tocante à população masculina, o novo limite pretendido. Diversos são os setores da atividade humana em que os seniores ocupam importantes postos de decisão e influência, munidos da experiência valiosa que só o tempo atribui. Sob essa perspectiva, seria de se concluir que haverá proveito ao ordenamento desde que a idade seja alterada, aproveitando-se o inegável potencial de trabalho desses servidores.
Em primeiro lugar, a ampliação da idade de aposentadoria obrigatória dos magistrados fará resultar a permanência nos órgãos colegiados de revisão - tribunais de justiça, tribunais regionais e tribunais superiores - das mesmas pessoas por décadas a fio. De tal prática, decorrerá tendência de estagnação da jurisprudência, já que as mesmas pessoas permanecerão por período prolongado estabelecendo as decisões revisoras.
Além disso, enquanto perdurar na composição dos tribunais o instituto do "quinto constitucional", essa outra imperfeição de nosso sistema judicial agravar-se-á com o aumento da idade para o desligamento compulsório. Como os membros egressos do "quinto" não judicam na primeira instância, ingressam nos tribunais, em regra, em termos médios,com idade bastante inferior à daqueles que ali chegam por progresso na exigente e desgastante carreira da magistratura. Aumento da idade-limite implica em maior permanência, também, desses representantes das classes dos advogados e do Ministério Público.
De outro lado, o acréscimo na idade-limite para exercício da magistratura engessa a carreira, subtraindo a perspectiva dos magistrados mais novos, que atuam nas instâncias inferiores, de alcançar assento nos tribunais.
Em São Paulo - tomando-se o exemplo do que atualmente ocorre no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região -, o juiz substituto passa cerca de dez anos nesse cargo, antes de ser promovido a titular, função que exercerá por mais uma ou duas décadas antes de ascender ao Tribunal. Muitos dos magistrados aposentam-se antes de atingir o último degrau da carreira, a despeito de uma vivência muito mais rica que a de outros quadros estranhos à magistratura, que, por outros caminhos, logram o ingresso nos tribunais. Com o aumento da idade de aposentação compulsória esses já por demais extensos períodos de intercalação nos diversos graus da carreira serão ampliados, com duríssimo desestímulo aos magistrados. É difícil pensar em progresso numa carreira para a qual, desde a admissão, o candidato já sabe, de antemão, inviável a promoção até mesmo para o primeiro grau, que sucede a condição de juiz substituto, adquirida na primeira investidura, mediante aprovação através do democrático e rigorosíssimo instituto do concurso público.
No regime de regência da organização militar - Lei 6.880, de 1980 - há regramento específico para que não ocorra o mesmo problema. Nesse particular, ambas as carreiras são correlatas, já que excludentes de quaisquer outras atividades, senão das que lhes são próprias. Com efeito, o militar que atinja a patente de general, permanecerá na ativa por determinado número de anos, passando para a reserva, a fim de dar espaço aos colegas que almejam o mesmo posto, por meio de promoção. O número de anos será calculado em razão das vagas disponíveis para a região em que se baseia o militar.
Não há falar em existência de tais limites para os parlamentares e chefes do executivo, em todos os níveis. Todos esses agentes políticos submetem-se ao crivo da população, por ocasião de eleições periódicas, para o cumprimento de mandatos. Em relação aos servidores públicos e magistrados, o mesmo não ocorre.
É reduzido o número de magistrados que defende o aumento da idade para a aposentadoria compulsória, estando concentrado esse movimento conservador nos segmentos que não pretendem abrir mão da expressiva fatia de poder que lhes é conferida, valendo-se da idéia de que ainda podem prestar grandes contribuições, como se os mais novos também não pudessem desempenhar a tarefa com brilho.
Na verdade, a iniciativa atua em favor da cristalização dos feudos nos tribunais brasileiros. Como será ruim para a democracia manter desembargadores e ministros durante 30 ou 40 anos no mesmo cargo, sem nenhuma possibilidade de renovação, no mais das vezes estimulados apenas pela preservação dos quadros de servidores que dão suporte à sua atuação e que também poderiam ser substituídos pelo magistrado sucessor! Se ao invés de vitalícios, os ministros estivessem submetidos a mandato temporário, a idéia de prorrogação da compulsória praticamente não existiria. No Parlamento há razões distintas para não se impor o limite de idade, sobretudo a que trata da força do voto popular para alcançar mudanças nas casas legislativas a cada 4 ou 8 anos.
A permanência dos magistrados nos tribunais por número elevado de anos militará contra o avanço e a renovação da jurisprudência e contra a idéia de carreira, desestimulando os juízes das instâncias inferiores.
Os argumentos apontados não exaurem a questão. Há um outro aspecto fundamental a ser considerado. A norma prevista na redação original do art. 93, VI, da Constituição - que contempla, entre outros pontos, a idade de 70 anos para a aposentadoria compulsória -, por impor limites à garantia da vitaliciedade, fundamento do regime de separação dos poderes sob a ótica do Judiciário, é cláusula insuscetível de alteração pelo constituinte derivado. Não é por outra razão que o constituinte originário a alçou à condição de "princípio" no caput da mesma norma constitucional, impondo ao próprio Supremo Tribunal Federal a sua obrigatória previsão na lei complementar de sua iniciativa que haverá de tratar do Estatuto da Magistratura. Portanto, sob essa perspectiva, conquanto se possa cogitar de ampliação da compulsória para outros segmentos do serviço público, no tocante à magistratura ela fatalmente carregaria a eiva da inconstitucionalidade.
O verdadeiro espírito público pode ser revelado por meio do desprendimento e também no desejo da salutar mudança na ocupação de cargos que rendem aos seus detentores notório poder político. A outra atitude, responsável pelo apego pessoal ao cargo, é anti-republicana ou de republicana, então, tem apenas o desejo inconfessável do agente em agarrar-se para sempre com a Res Pública como se propriedade sua fosse pelo "brilhantismo" que julga possuir o monopólio. Chega de hipocrisia. Revelemos logo ao povo brasileiro as reais intenções de ministros e de desembargadores.