Concordo com aqueles que defendem não ser possível tratar a mundialização (ou globalização) das relações sócio-econômicas como um fenômeno essencialmente novo. De fato, desde a antigüidade povos e nações se aproximaram com intuitos comerciais e econômicos.
O que é preciso sublinhar, porém, é que os tradicionais paradigmas contemporâneos relacionados com a produção de bens e serviços, bem assim ao próprio trabalho humano inserido nesse processo de reprodução do capital, vem sofrendo profundas alterações nas últimas décadas.
É missão das mais complexas contextualizar, em poucas linhas e de forma satisfatória, o grau e extensão dessas transformações.
Gostaria aqui de privilegiar alguns enfoques que me parecem fundamentais ou pelo menos importantes para tentar compreender qual a razão da velocidade com que sentimos essas mudanças, em especial no que sucede com o trabalho humano.
Durante boa parte do século XX, principalmente após 1945, o mundo estava dividido entre dois modelos de produção, atrelados a estruturas políticas e ideológicas que lhes davam sustentação. De um lado, o capitalismo como modelo ocidental de organização das relações econômicas. De outro, o socialismo real, cuja expressão soviética atraía boa parte do leste europeu e Ásia.
Nesse contexto, os movimentos de troca de mercadorias, embora muito intensos, sofriam as limitações da divisão geopolítica imposta pela coexistência dessas duas forças globais que pareciam dividir entre si os territórios e as oportunidades de riqueza e desenvolvimento.
A competição capitalista estava, assim, comprimida entre os terrenos possíveis e assim se desenvolveu, experimentando apogeus e crises, em clara obediência a sua natureza cíclica. Os direitos humanos e sociais ali cresceram, como fruto das lutas sociais claramente delimitadas nesses espaços.
O trabalho, como mercadoria que é, foi ao seu tempo atraindo maior valor, chegando, em alguns países, a ostentar um excelente grau de retorno social ao seu proprietário (o trabalhador).
A expansão capitalista tinha, até então, encontrado seus limites e estabelecido o pacto social com os atores envolvidos no processo. Esse quadro é muito claro nas nações capitalistas ditas por desenvolvidas.
Até mesmo em países em estágio intermediário de desenvolvimento, como o Brasil, a expansão capitalista chegou na forma de políticas de substituição de importações, momento em que começaram a se instalar no país indústrias e fábricas estrangeiras, incluindo nossa nação no circuito da mundialização industrial e comercial.
O tempo passou, a guerra fria acabou e com ela desabou muito mais que apenas um muro (em especial o que dividia Berlim Ocidental de sua parte Oriental). A contar de 1989, data simbólica da derrocada do socialismo soviético, o mundo passou a não impor mais fronteiras ao sistema capitalista.
Num espaço incrivelmente curto, as forças produtivas viram descortinar-se diante de si uma parte do globo até então distante da esfera de influência de seus valores. Mais do que isso, sem um paradigma que lhe fizesse oposição, o capitalismo passou a ser a esperança de desenvolvimento de nações que, de forma repentina, saíram do estado de obnubilação em que se encontravam.
A partir daí, a mundialização passa a fazer parte dos noticiários e da agenda de todos os governos. Estes, ansiosos pelos investimentos internos e estrangeiros de modo a permitir a integração de seus países na `aldeia global`, onde o potencial econômico é o grande elemento diferenciador.
O capital, por seu turno, passa a dispor de uma quantidade muito maior de pessoas aptas a serem incorporadas ao seu sistema de produção, isso numa realidade tecnologia e de transportes já inteiramente revolucionada, permitindo comunicações a longas distâncias e a produção de bens e serviços dos mais longínquos países.
Não podemos esquecer, claro, que as tecnologias da informação hoje disponíveis são as mesmas que permitem a movimentação dos capitais financeiros a velocidades impressionantes.
As grandes corporações passam a representar bem a tendência de deslocalização produtiva, transferindo suas fábricas para locais onde há menor tradição sindical e salários mais baixos, além de baixa proteção social. Isso quando não terceirizam simplesmente sua produção através de uma rede de pequenas empresas, muitas vezes espalhadas por vários países, como Laos, Vietnã, Bangladesh, Tailândia, Filipinas, Malásia, etc.
A própria China, considerada como a próxima potência mundial, com mais de 1 bilhão de habitantes, ostenta uma fraca proteção social e níveis médios de salário que impressionam. Segundo levantamento do Jornal The New York Times, observa-se, em algumas regiões da China, o pagamento de salários mensais médios entre US$ 24 e US$ 36, para uma jornada de 12 horas por dia, bem inferior, por exemplo, ao salário mínimo pago no Brasil.
Essa mundialização do trabalho, portanto, representa, em linhas gerais, uma das causas do enfraquecimento da regulação trabalhista e da própria atuação sindical, premida entre o seu passado de enfrentamento e o seu presente desafiador, equilibrando-se entre a necessidade de manutenção de níveis mínimos de proteção e a constante possibilidade de transferência de uma fábrica para um outro lugar do Estado, do país ou do planeta.