Na carta de intenções ao FMI, assinada por Antônio Palocci e Henrique Meirelles em 28 de fevereiro de 2003, consta o compromisso de aprovar uma nova Lei de Falências, que tem por objetivo a "garantia dos direitos dos credores", ou seja, o recebimento pelo setor financeiro, em condições privilegiadas, das dívidas acumuladas pelas empresas falidas. Este privilégio para o setor financeiro contraria a lógica atual que prioriza o pagamento das dívidas trabalhistas e tributárias. Pela nova lei, apenas terá prioridade o pagamento de dívidas trabalhistas no valor de 150 salários mínimos (e 75, no caso de pequenas empresas).
Na Carta de Intenções ao FMI assinada em 28 de maio, o governo analisa o cumprimento dos compromissos firmados em 28 de fevereiro e afirma: "Todos os critérios de desempenho desta revisão foram cumpridos e houve avanços nas discussões voltadas para a votação de uma nova Lei de Falências no Congresso ainda neste ano". O próprio governo admite esse favorecimento aos banqueiros, quando argumenta que essa nova lei é uma condição sine qua non para que se reduzam os juros cobrados pelos bancos pela concessão de empréstimos. Na visão do governo, os juros cobrados atualmente são altos porque há muita inadimplência, e os bancos têm muito prejuízo com a concessão de créditos não pagos por empresas falidas.
Essa lei é semelhante à imposta pelo
FMI à Argentina ano passado, que fez com que empresas
endividadas no exterior pudessem ser facilmente
adquiridas pelos credores estrangeiros. Ressalte-se que
na Argentina a tomada de empresas falidas pelos seus
próprios trabalhadores havia mostrado que "los
capitalistas son inecessários", na fala de Julio
Gambina, da ATTAC Argentina, no III Fórum Social
Mundial.
Com seu discurso, o governo se esquece de que os
bancos, nos últimos anos, foram os que mais se
beneficiaram com a política econômica baseada no
endividamento público e altas taxas de juros. Segundo
levantamento da empresa ABM Consulting, no período de
1994 a 2001, os 10 maiores bancos privados do país
tiveram um aumento real em seus lucros de 180%; em seu
patrimônio líquido de 70%; em sua rentabilidade de 64%
e uma redução nos impostos pagos de 50%. Como se isso
não bastasse, os bancos ainda duplicaram seus lucros em
2002 e aumentaram de novo seus ganhos em mais 34% no
primeiro trimestre de 2003, em relação ao mesmo
período do ano passado. Ou seja, não tem lógica
defender que mais concessões ainda seriam necessárias
para que os bancos possam reduzir os juros que cobram.
O governo se esquece também que todas as concessões
feitas aos bancos, no passado, sob a alegação de que
proporcionariam a redução das taxas de juros serviram
apenas para engordar ainda mais os lucros das
instituições financeiras. Um exemplo é a redução do
compulsório bancário (que é a parcela obrigatoriamente
retida no BC do dinheiro recebido pelos bancos),
sempre pleiteada pelas instituições financeiras para
que pudessem reduzir as taxas cobradas sobre os
empréstimos. Nos últimos dois anos, esse compulsório
caiu de 75% para 60%, e nem por isso os juros caíram.
Outro exemplo é a redução do IOF de 15% em 1999 para
apenas 1,5% atualmente. E nem assim os juros caíram.
A verdade é que os bancos no Brasil formam um
verdadeiro oligopólio (quatro bancos detêm mais da
metade do mercado) e usufruem dos juros mais altos do
mundo aplicando em títulos públicos, sem risco. Com os
lucros garantidos pela especulação estimulada pelo
governo altamente endividado, os bancos não se
interessam pela concessão de crédito à produção.
As incoerências são inúmeras: ao mesmo tempo em que tira direitos duramente conquistados pelos trabalhadores na reforma previdenciária, o governo segue privilegiando ainda mais o setor financeiro, que já engoliu R$ 51 bilhões de janeiro a abril em juros da dívida pública. Esse valor representa quase toda a economia que a reforma da Previdência irá gerar em 30 anos. Quais são os verdadeiros privilegiados desse país?