Instigado a refletir sobre o Direito do Trabalho do Século XXI, a primeira frase que vem à mente não é de nenhum jurista consagrado ou doutrinador de escol, mas sim do poeta da nova geração, Lulu Santos, ao cantar que "Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia..."
De fato, a nova face que se vislumbra do Direito do Trabalho no Século XXI é bem diferente daquela originalmente desenhada, ainda no alvorecer da Revolução Industrial, bem como completamente oposta do perfil que lhe tentaram impor na segunda metade do século XX.
E essa nova visão passa, necessariamente, pela concepção do Direito Material do Trabalho, mas também pelos novos desafios outorgados à nossa Justiça do Trabalho, notadamente com a Emenda Constitucional nº 45.
Senão, vejamos!
O Direito do Trabalho surgiu como uma resposta especializada da necessidade da quebra do paradigma de igualdade do Direito Civil clássico, pela peculiaridade de uma forma contratual derivada da antiga locação de servicos romana: o contrato de emprego (ou trabalho subordinado).
Na constatação da super-exploração da mão-de-obra, visivelmente inferiorizada diante dos titulares do capital, foi construído todo um sistema jurídico de proteção ao trabalhador, no que diz respeito às suas condições mínimas de trabalho, em especial na busca por uma limitação da jornada e da fixação de uma retribuição mínima pelo labor.
Nesse momento histórico, que se interpenetra ainda com a realidade presente, constata-se uma tendência de maior intervenção estatal nas relações trabalhistas, idéia que influencia, ainda hoje, a imagem do Direito do Trabalho na doutrina jurídica, a ponto de respeitados autores, como o civilista Álvaro Villaça de Azevedo, o classificarem como parte do Direito Público.
Esse sistema ganhou ainda mais força no século XIX e meados do século XX, na contraposição do sistema capitalista com o comunismo histórico da URSS e aliadas, em que o medo do "perigo vermelho" fazia com que os grandes grupos econômicos admitissem ceder uma parcela de seus ganhos, ainda que fosse para o sistema continuar da mesma forma.
Com a derrocada do regime socialista na maioria dos países que o adotaram, chegamos àquilo que Francis Fujuyama denominou exageradamente de "fim da história", com a prevalecência do livre mercado, terreno fértil para o desenvolvimento do fenômeno da globalização da economia.
Nessa linha, encontra-se um segundo perfil do Direito do Trabalho, que ganhou espaço na mencionada segunda metade do século XX.
Trata-se da concepção reducionista do Juslaboralismo, em que a expressão "flexibilização" ganhou imensa força, com o estímulo a contratos precários, jornadas flexíveis, remunerações por produção, entre outros institutos tão caros aos teóricos da "excelência empresarial".
Esqueceram-se, porém, que o Direito do Trabalho somente faz sentido no próprio regime capitalista, como num sistema de freios e contrapesos, a permitr a retroalimentação da sociedade, como uma visão autopoiética das organizações.
Com efeito, trabalhadores com contratos de duração determinada não obtêm crédito tão facilmente quanto aqueles portadores de algum tipo de estabilidade econômica (não necessariamente jurídica). Sem crédito, não há dinheiro na praça a alimentar o comércio. Sem comércio, não há produção de riquezas, nem arrecadação de impostos, o que faz com que toda a organização social se enfraqueça, em um círculo vicioso que a corrói como um tumor incontrolável...
Nessa constatação, vê-se claramente uma nova face do Direito do Trabalho a surgir.
Na Europa, notadamente na Espanha e Itália, onde se flexibilizou a não mais poder, fala-se em um recrusdecimento da proteção.
No Brasil, o órgão maior de proteção das relações trabalhistas, a Justiça do Trabalho, passa de candidata a extinção para o ramo mais prestigiado pela Reforma do Judiciário.
Isso tudo não pode ser considerado uma mera coincidência.
Não, definitivamente, não!
O Direito do Trabalho do Século XXI é, novamente, protetivo, sem ter receio de admitir isso.
Essa proteção, porém, não se limita mais à velha concepção do contrato individual de trabalho, mas, sim, muito mais do que isso, abrangendo a luta pela preservação da saúde, física e mental, nas relações laborais.
Nesse campo, não se discute somente o descumprimento do conteúdo pecuniário do contrato, mas também a tutela dos direitos da personalidade do trabalhador e do empregador, combatendo males antigos que tomam novos nomes, como o assédio sexual, assédio moral, doenças ocupacionais etc.
Esse novel perfil do direito material influencia o órgão jurisdicional, agora com competência renovada para lides trabalhistas como um todo, e não somente do trabalho subordinado. Afinal, trabalho digno é direito de todos e o ramo do Judiciário que se propõe a ser uma "Justiça do Trabalho" não pode ser reduzida a uma "Justiça do Contrato de Emprego".
O novo Direito do Trabalho é, sem incoerências, tradicional e inovador, na medida em que preserva as garantias básicas, mas se preocupa com outros pontos que merecem proteção nas relações trabalhistas.
Cabe a todos aqueles, vocacionados para enfrentar toda esta seara de inesgotáveis problemas, a missão de efetivar esta nova face.
E não tenho dúvida que, se vocacionados são, preparados estão para esta missão...