"O Juiz, no seu juízo, não tem amigos. Nem inimigos. Nem superiores, nem subordinados. Tem, isso sim, de buscar o justo, aplicando a norma." (declaração do deputado Michel Temer (PMDB-SP) no livro Constituição e Política)
O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo vê-se, (Folha de São Paulo,16/10/05) às voltas com grave denúncia de distribuição dirigida dos processos no decênio 1994-2004. Se confirmadas as denúncias, este escândalo guardará proporções mais contundentes do que o desvio de verbas para a construção do Fórum Ruy Barbosa, que envolveu o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto.
Ao invés do livre sorteio dos processos em grau de recurso ou de competência originária do Tribunal (mandados de segurança, ações rescisórias, dissídios coletivos), seriam os processos designados para juiz específico, adrede escolhido pelo presidente do Tribunal - autoridade a quem incumbe a lisura da distribuição dos feitos.
A gravidade do fato potencializa-se por violar princípio muito caro à jurisdição, que é o do Juiz Natural, que, como ordem constitucional, sustenta a independência do Judiciário, requisito imprescindível para a autoridade das decisões deste Poder da República.
Como ensina Nélson Nery Júnior, a figura tem três dimensões: "significa: a) não haverá juízo ou tribunal ad hoc, isto é, tribunal de exceção; b) todos têm direito de submeter-se a julgamento por juiz competente, pré-constituído na forma da lei; e c) o juiz competente tem que ser imparcial".
Essa pré-constituição, prossegue o processualista, "não empece a administração da justiça, como adverte setor da doutrina, sendo absolutamente necessária para a garantia da imparcialidade do juiz no julgamento da causa que lhe é afeta".
Ninguém pode escolher o juiz que apreciará sua causa.
Nas cidades com mais de uma Vara, sempre deverá haver sorteio dos processos entre as unidades de jurisdição daquele local. Nos tribunais, sempre por sorteio, o processo será aleatoriamente designado para um Juiz, pertencente a qualquer das turmas ou seções da Corte.
Apenas o sorteio garante que nenhum magistrado será eleito pelas partes, ou por uma delas, assim como nenhum poderá ser eliminado da possibilidade de decidir o feito, o que também poderia significar privilégio para qualquer dos litigantes.
Dispensável, para a gravidade do fato, que haja comprovação cabal de que juízes ou servidores tenham recebido contrapartida para os atos de direcionamento dos processos. Confirmada a escolha prévia de determinado juiz, desacreditada estará a lisura dos atos do Tribunal, enfraquecendo-se o Judiciário e aprofundando a descrença na democracia.
Ao lado deste, outro tema há, com prática usual, que está por exigir correção, porque também viola o princípio do Juiz Natural.
Trata-se da livre escolha de magistrados para integrarem, na condição de convocados, o Tribunal Superior do Trabalho ou, como substitutos e auxiliares, os Tribunais Regionais do Trabalho. Estes juízes, sem qualquer ofensa aos que já foram ou estão convocados, são içados a grau superior sem a observância de um único requisito objetivo sequer. Basta que figurem como titulares de cargo nos Tribunais Regionais do Trabalho, para que sejam elegíveis pelo Pleno da mais Alta Corte Trabalhista, para ali militarem como ministros, ou que e sejam titulares de Varas, para substituírem e auxiliarem nos TRTs.
Sem critérios para a escolha dos nomes, viola-se o princípio constitucional da impessoalidade, que deve reger todos os atos da Administração, inclusive do Judiciário.
No caso do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, até a atual gestão, que deu trato diferente às convocações, não se enxergava a aplicação de qualquer critério objetivo. Tanto assim, que havia Juízes antigos na carreira, alguns já bem próximos de galgarem promoção para o Regional, que nunca, ou pouco, haviam substituído no Segundo Grau. Ao lado destes, muitos jovens magistrados, ainda no começo de suas carreiras na titularidade de Vara, foram convocados e atuaram nas Turmas e Seções do Tribunal de São Paulo.
Por meio de Resolução Administrativa - nº 757 de 2000 - o Tribunal Superior do Trabalho regulou as convocações dos Juízes de Primeiro Grau para substituições nos Tribunais, mas fez isto ignorando o princípio da impessoalidade e, ainda, desprezando a proibição legal - LOMAN, artigo 118, `PAR`4º - de redistribuição dos processos. Diz o artigo 3º da referida RA, que os processos de um juiz desconvocado devem ser entregues ao que vier em seu lugar. Ora, apenas por hipótese, se não há critérios objetivos para a convocação, fácil é ver que seria possível a convocação de determinado juiz para julgar determinado processo. Perfeita negação de Justiça.
De novo, a mera possibilidade de manejo aleatório das convocações destrói a credibilidade dos julgamentos, pondo abaixo a estrutura em que se funda o Judiciário. Como a mulher de César, o Judiciário não pode apenas andar na linha, mas deve sempre parecer que não consegue dela desviar-se.
Apuração e punição dos envolvidos nos denunciados fatos de manipulação da distribuição de processos é o mínimo exigível, para manutenção da higidez do sistema e da probidade intrínseca aos órgãos do Poder Judiciário. Que não se estacione aí, no entanto. Regular as convocações para substituição nos Regionais e cessar as convocações para o Tribunal Superior do Trabalho são providências urgentes, para que se evite a imposição de sombras por sobre a estrutura judiciária.
Transparente, apegado ao princípio da eficiência administrativa e atento à impessoalidade, é assim que se espera atue o Judiciário.