A partir da alteração determinada pela Emenda Constitucional n. 45/04, a Justiça do Trabalho passou a ser o órgão do Poder Judiciário competente para julgar as ações de indenização por dano moral e material decorrentes de acidente do trabalho.
Difundiram-se, então, várias divergências em torno de qual seria a prescrição aplicável: a prevista na Constituição Federal, inciso XXIX, do art. 7o., para os créditos trabalhistas, ou a fixada no Código Civil? Além disso, entendendo-se que houvera alteração da prescrição, passando a valer a prescrição trabalhista, esta atingiria os processos em curso? E, sendo a prescrição aquela prevista no direito civil, se aplicaria a regra do inciso V, do `PAR` 3o., do art. 206, que prevê um prazo prescricional de 03 anos, ou seria a prescrição geral, estabelecida no "caput" do mesmo artigo, 10 (dez) anos, respeitando-se a regra de transição prevista no art. 2.028, para o fim de aplicar a prescrição vintenária, prevista no art. 177, do Código Civil anterior, para os acidentes ocorridos até 10/01/03.
Trata-se, portanto, de questão relevante, que apresenta uma complexidade jurídica razoável.
Enfrentando o desafio de buscar um posicionamento jurídico a respeito, parece importante, de plano, pôr em destaque que a alteração da competência é tema pertinente ao direito processual, ou, mais propriamente, à organização Judiciária, não alterando, substancialmente, as regras de direito material. O direito a ser aplicado é, substancial ou formalmente, o mesmo, só se modificando o órgão do Poder Judiciário que vai aplicá-lo. Diz-se, "substancialmente" ou "formalmente" porque, é óbvio, o modo de interpretar e aplicar o direito pode ser diferente de um para outro órgão do Judiciário. Aliás, este é um dos fundamentos mais atraentes da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, o de que ela, por ter uma visão social mais apurada poderá conferir maior proteção jurídica ao ser humano que, para sobreviver, vende sua força de trabalho no mercado produtivo.
A questão, portanto, não é saber qual a prescrição se aplica às ações de indenização por acidente do trabalho depois que se alterou a competência para a Justiça do Trabalho e sim qual é a prescrição pertinente a esta matéria.
Desse modo, é possível afastar o argumento mais singelo e formal de que, vindo para a competência da Justiça do Trabalho, a esta matéria deve-se aplicar a prescrição prevista para os demais créditos trabalhistas, conforme previsto na Constituição Federal.
A este respeito, ademais, vale acrescentar que a reparação pelo dano decorrente de acidente do trabalho pode ser tudo, menos um "crédito" trabalhista. Ao se vislumbrar a indenização como crédito, retoma-se, mesmo sem o propósito de fazê-lo, uma fase da história do ordenamento jurídico nacional em que o valor de benefício previdenciário pela ocorrência de acidente do trabalho era pré-fixad parte de um dedo, um valor; o dedo inteiro, um valor a mais e assim por diante.
A representação fática desta visão jurídica é grotesca, pois transforma o trabalhador em coisa, cujas partes, bem definidas, como aquelas pinturas de um boi, que normalmente estão expostas em açougues ou churrascarias, têm um valor pré-determinado, variando, aliás, em conformidade com sua condição econômica, no contexto de um contrato de trabalho. Para um trabalhador que ganha pouco o dedo tem um valor, para quem recebe salário maior, o dedo vale mais e por aí vai...
Vendem-se ou leiloam-se partes do corpo do trabalhador: quem dá mais? Vale quanto pesa?
Outro resultado tenebroso do entendimento de que se aplica a prescrição trabalhista para este tipo de ação foi o da sua imediata incidência em ações já em curso. Processos que estavam à longa data, tramitando na Justiça comum, aguardando apenas a sentença, ao serem remetidos para a Justiça do Trabalho tiveram, muitos deles, um triste fim: o pronunciamento da prescrição, seja qüinqüenal, seja bienal. Triste, para o trabalhador, melancólico, para a Justiça do Trabalho.
Ainda que tivesse havido, pois não houve, vale repisar, uma alteração legal e expressa do prazo prescricional, esta mudança não atingiria jamais situações jurídicas já consolidadas sob a égide da lei anterior. Uma pessoa que tinha o direito de mover uma ação em um determinado prazo e exerceu regularmente este direito, nunca e de modo algum, poderia ter negado este seu direito ao provimento jurisdicional quanto ao mérito de sua pretensão (procedente ou improcedente), sob alegação de que no meio do caminho o prazo prescricional foi alterado, ainda mais por decisão da Justiça para quem se direcionou este tipo de conflito, sob o argumento da ampliação da proteção jurídica do trabalhador.
Uma tal decisão, de uma só vez, nega vigência ao princípio constitucional do ato jurídico perfeito e à razão da existência da construção de uma Justiça social.
Argumento mais relevante em defesa da aplicação da prescrição trabalhista, que também não concorda com a idéia de sua aplicação imediata aos processos já em curso, é o de que ela seria mais benéfica que a prescrição civil, que, agora, com a alteração do Código Civil, teria passado para 03 (três) anos.
Em primeiro lugar, este argumento, embora vise ampliar a proteção não retira o aspecto de se vincular a proteção à integridade física a um "crédito" trabalhista e o caráter desumano que isto representa.
Segundo, é, pretensamente, mais protetivo, apenas no aspecto do prazo qüinqüenal, pois reduz a proteção pela limitação a dois anos do término do contrato de trabalho. Além disso, muitos dos acidentes, como nos casos de doenças do trabalho (asbestose, por exemplo), revelam-se somente depois de vários anos, muito depois, portanto, do limite bienal.
Pode-se dizer, e normalmente se diz, que o início da prescrição bienal nestes casos fica postergado para o momento da constatação da doença (nos termos da Súmula 278, do STJ ("O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral"), mas isto valeria apenas para os acidentes advindos de doença do trabalho ou doença profissional, não se aplicando, portanto, aos acidentes típicos (perda de um braço ou da vida) e, além disso, tanto em um caso como em outro, ou seja, tanto na prescrição qüinqüenal como na bienal, se teria como efeito a prescrição do fundo do direito, isto é, se eliminaria o direito de ação com relação a tal matéria, mas como a indenização pode ser fixada em prestações continuadas, a título de pensão, a prescrição, a exemplo do que firmou a jurisprudência da Justiça Federal, em matéria acidentária, atingiria apenas as prestações, nunca o fundo do direito.
Além disso, sob o aspecto jurídico-formal, seria sempre muito difícil afastar a prescrição bienal, pois esta tem como marco inicial o término do contrato de trabalho, sem fazer qualquer excepcionalidade. E mais, nestes casos de constatação da doença após o término do contrato de trabalho, aplica-se a prescrição bienal ou qüinqüenal?
No fundo, busca-se a aplicação da prescrição trabalhista para ampliar a proteção, mas, para conferir efetiva proteção, nega-se validade à própria norma no aspecto da prescrição bienal, o que por si só representaria uma grande insegurança jurídica para o acidentado.
O problema dos posicionamentos a favor da aplicação da prescrição trabalhista para as ações de indenização por acidente do trabalho, mesmo quando se pretenda a ampliação da proteção, baseado na falsa idéia de que a prescrição, por aplicação no novo Código Civil, teria sido reduzida para 03 (três) anos, é que eles se apegam ao aspecto formal da interpretação literal da norma, que, como se sabe, é a mais pobre das técnicas hermenêuticas, e estão demasiadamente influenciados pela idéia equívoca de que a alteração da competência modificou o direito material, no seu aspecto formal ou de que a Justiça do Trabalho aplica somente as regras trabalhistas "stricto sensu" o e ponto.
A questão fundamental, como dito inicialmente não é saber qual prescrição deve ser aplicada, tendo por pressuposto o fato de que agora quem julga a matéria é a Justiça do Trabalho. A investigação é, pura e simplesmente: qual a prescrição das ações indenizatórias decorrentes de acidentes do trabalho?
Para esta investigação vale reiterar que a norma da prescrição trabalhista não tem, naturalmente, nenhuma incidência no presente caso, pois como a modificação de natureza processual não altera o direito material, se a conclusão desta análise, nesta perspectiva, fosse a de que se aplica a prescrição trabalhista, seria o mesmo que dizer que nunca houve no ordenamento, até 31 de dezembro de 2004, quando entrou em vigência a EC 45, uma resposta no ordenamento para esta questão.
Pois bem, enfrentemos, então, de frente, o problema.
O primeiro passo, inegavelmente, é definir o objeto de direito material sobre o qual o problema da prescrição tem incidência, qual seja, o acidente do trabalho. Em outras palavras, o que é um acidente do trabalho? O acidente do trabalho é um acidente como outro qualquer, tendo como mera peculiaridade o fato de que ocorre no ambiente do trabalho, ou trata-se de um instituto jurídico específico?
Só de nos fazermos esta pergunta, já é possível perceber que o acidente do trabalho é um instituto específico do direito, do qual decorrem efeitos jurídicos determinados. Isto, aliás, pode ser verificado pela análise de diversas disposições de nosso ordenamento, nas quais o acidente do trabalho foi expressamente mencionado, inclusive com tratamento diferenciado, a saber:
Na Constituiçã
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(....)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
`PAR` 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.
2) No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituiçã
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato;