Cuido, neste texto, de perscrutar se haveria a
obrigatoriedade de aplicação de intervalo intrajornada
nas jornadas em que, mediante ajuste coletivo, ocorre
a prática do regime 12 x 36.
Nesse desiderato, tenho a considerar, ab initio, que
o regime de labor consubstanciado em 12 (doze) horas
de trabalho por 36 (trinta e seis) de descanso
constitui prática um tanto quanto antiga nos
estabelecimentos hospitalares e na área de
vigilância.
Essa nuance, todavia, a meu ver, não lhe retira o
seu manifesto cunho excepcional, na medida em que faz
ultrapassar o limite diário de trabalho previsto em
nosso ordenamento jurídico, razão pela qual
necessariamente deve ser viabilizado por meio de
negociação coletiva, a teor do artigo 7º, incisos XIII
e XXVI, da Constituição da República.
Trata-se do fenômeno denominado de flexibilização do
Direito do Trabalho, realizado no Brasil por meio de
necessária tutela coletiva, como preceitua a Lex
Legum.
A negociação coletiva, de fato, constitui o melhor
caminho para a prevenção e solução de conflitos
trabalhistas, individuais e coletivos, para fins de
convivência harmônica entre o capital e o trabalho,
supressão de deficiências do contrato individual de
labor, fixação de condições específicas e regulamento
das relações entre empregados e empregadores,
permitindo atender às peculiaridades de cada setor
econômico e profissional.
Já tive oportunidade de elaborar artigo doutrinário
discorrendo sobre o tema da flexibilização das
condições de trabalho, pelo que reputo oportuno
transcrever os seguintes trechos:
"... O verbo flexibilizar significa dar
elasticidade, flexão, maleabilidade a algo. Nesse
sentido, flexibilizar as normas trabalhistas significa
dar mais elasticidade às regras que tratam do nexo
existente entre patrão e empregado, como uma forma de
enfrentar as crises econômicas que vêm assolando o
mundo. Basicamente, é isso.
... Vale frisar que, na verdade, a flexibilização do
Direito do Trabalho, em nosso ordenamento jurídico,
teve início já com a Constituição Federal de 1988, vez
que seu eixo, no tocante aos direitos sociais,
firmou-se no sentido da valorização da autonomia
privada coletiva (atividade sindical), como forma de
amenizar a rigidez das normas trabalhistas.
... Como se depreende, a grande questão é conciliar
o capital e o trabalho ? o que se objetiva há tempos,
preservando o respeito à dignidade da pessoa e aos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF,
art. 1º, III e IV), como forma de se alcançar o
desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e
das desigualdades sociais, a fim de que se concretize
a tão sonhada sociedade livre, justa e solidária (CF,
art. 3º, I, II e III). Esse é o principal objetivo. Só
o tempo, com seu frio julgamento, dirá sobre o nosso
êxito." (Flexibilização das Normas Trabalhistas, Ney
Stany Morais Maranhão, Jornal Trabalhista ? Consulex,
Ano XVIII ? nº 859, Brasília/DF, 16 de abril de
2001).
Nessa toada, existindo norma coletiva contemplando a
compensação de jornada, o empregado que trabalha em
escala de 12 horas de serviço por 36 de descanso não
faz jus às horas extraordinárias excedentes da oitava
nos dias de efetivo trabalho, porquanto não se
vislumbra ultrapassada a jornada máxima instituída em
sede constitucional, pelo menos quanto ao módulo
mensal.
Penso, também, que essa modalidade de jornada,
devidamente autorizada pela via sindical, também não
comporta a aplicação do intervalo intrajornada
estampado no artigo 71 celetista.
É que essa chancela sindical na formulação de norma
coletiva pressupõe a negociação de condições em troca
de outros benefícios, criando situação global favorável
a ambas as partes, sendo essa a tônica inerente aos
pactos coletivos de trabalho (conglobalização dos
pactos coletivos).
Eis o porquê da importante consideração de que,
havendo desprezo de qualquer das cláusulas do ajuste
coletivo, pequena que seja, suscita-se natural
desequilíbrio no próprio acerto, tout court,
considerado como um todo.
Decerto, o sindicato, no uso da prerrogativa
constitucional inscrita no art. 8º, inciso III, da
Carta Política, atuando como legítimo representante da
categoria, na defesa de seus direitos e interesses,
detém plena liberdade para celebrar negociações,
dentro de um contexto de concessões mútuas e no pleno
exercício da autonomia negocial coletiva, na forma do
artigo 611 celetista.
Desconsiderar essa dinâmica implicaria frustração da
honrosa atuação sindical com vistas à autocomposição
dos interesses coletivos de trabalho e anulação do
iniludível estímulo constitucional conferido ao tema
(CF, artigo 7º, inciso XXVI)
Frise-se, ainda, que o regime 12 x 36, se de um lado
acarreta sobrecarga maior de trabalho, por outro viés
também possibilita que o empregado dispense maior
tempo dedicado à sua família e a seus afazeres
sociais, na medida em que dispõe de várias horas
consecutivas para desfrute como melhor entender,
compensando-se, inclusive, nesse bojo, o próprio
intervalo para descanso e alimentação que não lhe seja
concedido.
Percebo, nesse contexto, que o comando
constitucional sobredito em verdade trouxe nova
roupagem à matéria, prestigiando a autonomia privada
coletiva, mormente quando a pactuação observa as
peculiaridades dos setores envolvidos, concretizando o
que GODINHO DELGADO chama de princípio da adequação
setorial negociada (Curso de Direito do Trabalho, São
Paulo, LTr, 2002, p. 1.296).
Tal prática se sobressai, ainda, como uma medida que,
analisada em seu plano macro, afigura-se benéfica ao
obreiro, no que faz com que a negociação coletiva em
destaque observe os princípios protetivos básicos do
Direito do Trabalho e o patamar civilizatório
minimamente necessário para o bom convívio em
sociedade.
Ademais, sabe-se que determinadas atividades, como
as de vigilância, exigem atenção constante, valendo
considerar, também, que, em casos como tais, mostra-se
inviável à empresa deslocar diversos empregados a
inúmeros postos, inclusive pela madrugada, com vistas
a cobrir apenas curto lapso temporal em que
determinado empregado desfruta do possível intervalo
intrajornada concedido.
Trata-se de medida que, como facilmente se infere,
revela-se, além de incompatível, também impraticável,
motivo pelo qual a negociação coletiva fixa, à vista
desse contexto, precisamente, a jornada em 12 x 36, já
abarcando, mesmo que implicitamente, essa concepção
lógica de patente incompatibilidade/impraticabilidade
entre a dinâmica laborativa, a jornada prevista e o
intervalo em referência.
Nem se diga, também, acerca do comando
constitucional que almeja reduzir os riscos inerentes
ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança (artigo 7º, inciso XXII), pois o labor no
regime 12 x 36, chancelado em sede coletiva, não tem o
condão, por si só, de produzir o nível de risco que se
almeja combater, mormente quando o instituto jornada de
trabalho sofreu flexibilização por força de norma de
mesmo patamar jurídico (artigo 7º, inciso XIII), o que
atrai uma necessária hermenêutica sistemática no
tocante a ambas as normas constitucionais
envolvidas.
É de bom tom consignar que até a coeva data inexiste
qualquer demonstração científica no sentido de que,
verdadeiramente, dessa sistemática laboral em estudo
decorra qualquer espécie de prejuízo ao obreiro, seja
quanto à sua saúde, seja quanto à sua segurança e seja
quanto à sua dignidade, pelo que resta incólume, no
meu sentir, o comando previsto no artigo 71
consolidado, em todas as suas dimensões jurídicas.
Aliás, a afirmativa sobremodo genérica de que o
artigo 71 da CLT cuida de matéria de ordem pública e,
por tal razão, seria intocável, mesmo que por
negociação coletiva, constitui tese extremamente
relativa, cujos contornos estão bem retratados no teor
da OJ 342 da SBDI-1 do TST, assim vazada:
"É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva
de trabalho contemplando a supressão ou redução do
intervalo intrajornada porque este constitui medida de
higiene, saúde e segurança no trabalho, garantido por
norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º,
XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva" (DJ
22.06.04)
Não se pode olvidar, todavia, que a própria
legislação prevê, expressamente, a redução do
intervalo intrajornada, desde que observadas as
peculiaridades do caso concreto (CLT, artigo 71,
parágrafo 3º).
Aliás, no âmbito da jurisprudência, esse enfoque não
constitui novidade nem mesmo para o próprio TST, que,
por sinal, também flexibiliza norma de ordem pública,
à vista, sempre, das especificidades do caso concreto e
havendo chancela sindical a respeito, como se
constata, por exemplo, do conteúdo de sua Súmula 364,
em seu item II, in verbis:
"A fixação do adicional de periculosidade, em
percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo
de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que
pactuada em acordos ou convenções coletivos" (Ex-OJ 258
da SBDI-1 - Resolução 129/2005 ? DJ 20.04.05)
Note-se, a propósito, que a OJ 342 é portadora de
conteúdo demasiadamente amplo, firmado, vale frisar,
ainda no ano de 2004. Ao revés, a matéria cunhada no
item II da Súmula 364, acima transcrito, confere
relevo às contingências e especificidades de
determinados casos específicos e reconhece a riqueza
da realidade social em contraponto à generalidade da
previsão legal.
Essa reflexão durante longo tempo figurou no mundo
jurídico com status de simples orientação
jurisprudencial (Ex-OJ 258 da SBDI-1 do TST), todavia
em 2005 passou a integrar o corpo de verdadeira súmula,
como se viu, demonstrando, se não o acerto, naquele
caso específico, mas, pelo menos, o amadurecimento da
crença de que o operador do direito nunca deve
desprezar a realidade fática que pretende se debruçar.
Essa, a meu ver, é a grande contribuição dada pela
súmula sobredita..
Releva acentuar, por oportuno, que o adicional de
periculosidade lida diretamente com o valor vida, ao
passo que o intervalo intrajornada configura instituto
que, diretamente, sabe-se, cuida do valor saúde.
Nesse diapasão, um questionamento soa por mais que
pertinente: ora, se o TST convalida, de acordo com o
caso concreto, a flexibilização de norma que trata do
valor supremo ? a vida, por que veda tal aplicabilidade
quando a referência se destina a um bem que, em tese,
nesse cotejo, seria detentor de inferior envergadura
axiológica ? a saúde, quando as partes sociais, num
contexto de concessões recíprocas, coletivamente assim
o ajustam?
A "lógica" do TST atrai a afirmativa: quem pode o
mais, pode também o menos...
Como se vê, o conteúdo da OJ 342 da SBDI-1 do TST,
repito, é extremamente genérico, demonstrando que, em
verdade, apenas sinaliza para uma regra geral, nunca
uma regra absoluta.
Não estou aqui a trombetear a tese de que tal tema
não seja couraçado com matéria de ordem pública.
Também não pretendo, com isso, deixar consignada minha
concordância quanto àquela flexibilidade proferida
pelo TST, tangente ao valor vida ? pois, sinto, data
venia, que aquela honrada Corte Trabalhista, no
particular, foi longe demais...
O que almejo ressaltar, de fato, porém, é que, mesmo
imantado com esse caráter especial, o tema,
especificamente quanto ao intervalo intrajornada,
certamente não se reveste de feição absoluta,
inflexível, como alguns lhe pretendem imputar.
Pelo contrário, descortina-se, isto sim, para mim, um
genuíno e importante princípio geral: a imperatividade
dos dispositivos legais que regulam essa temática,
imunes, em tese, a qualquer forma de pactuação, seja
de ordem individual, seja de ordem coletiva.
Mas, logicamente, por razões de razoabilidade, há
espaço para exceções, à luz de cada caso concreto,
que, longe de anular a regra geral, em verdade
suscitam sua legitimação, exsurgindo como válidas
quando, consultando aos interesses das partes
coletivamente ajustadas, não resultam, ao cabo, em
qualquer ofensa à saúde obreira.
Bem ao revés, essas hipóteses, pontuais e excetivas,
possuem o honroso mérito de amenizar a
impessoalidade/generalidade da lei, por conferir
tratamento diferenciado a situações que, por razões
plausíveis, de fato demandam foco um tanto quanto
especial
Essas exceções, por certo, advirão através da
prudente análise caso a caso, como se deu, v.g., no
seguinte julgad
"Quando a norma coletiva estabelece condições que
não implicam, necessária e objetivamente, ofensa à
saúde, à segurança e à dignidade do trabalhador, não
se pode concluir que ela ? a norma ? ofende o
parágrafo 3º do art. 71 consolidado. É o que acontece
com a negociação que prevê o intervalo intrajornada
fracionado ? isto é, composto de vários intervalos
menores. É sob essa ótica que deve ser examinada a
teoria do conglobamento, que, como se sabe, não
autoriza a ampla e irrestrita negociação. Mas, no caso
concreto, o negociado deve ser preservado, pois ele
não colide com normas fundamentais e indisponíveis.
Neste caso, portanto, não se decide com ofensa à
Orientação Jurisprudencial n. 342/SBDI-1" (TST, ROAA
141515/2004-900-01-00.5, Ac. SDC, 09.03.06, Relator:
Ministro José Luciano de Castilho Pereira) (Revista
LTr, Ano 70, abril ? 2006, p. 486-490).
Destaco, ainda, diversas notícias, extraídas do site
do TST, que só corroboram a tese aqui esposada,
convalidando a negociação coletiva, homenageando a
teoria do conglobamento, ajustando a generalidade da
norma às especificidades de cada situação trazida ao
crivo judicial e, também, demonstrando a razoável
relatividade que permeia a conclusão estampada na OJ
342 da SBDI-1 do TST, como segue:
"TST reconhece validade de negociação sobre jornada
de trabalho - Em julgamento unânime, a Quarta Turma do
Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a
possibilidade de flexibilização da lei trabalhista em
relação à jornada de trabalho. A decisão foi tomada
durante o exame de recurso de revista, relatado pelo
ministro Milton de Moura França, em que foi confirmada
a validade de acordo coletivo, cuja negociação
resultou em aumento da jornada diária em troca da
concessão de vantagens aos trabalhadores. "A própria
Constituição da República autoriza, expressamente, em
seu art. 7º, inciso XIV, a flexibilização da jornada
de trabalho", afirmou o ministro Moura França, ao
fundamentar seu voto.
A decisão manteve o entendimento anterior firmado
pelo Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo
(TRT-ES) que afirmou a validade das cláusulas de
acordo coletivo de trabalho pactuado entre o Sindicato
dos Trabalhadores na Indústria de Produtos de Cacau de
Vila Velha (ES) e a empresa Chocolates Garoto S/A.
O acerto entre as partes elevou a jornada para oito
horas, em turnos ininterruptos de revezamento, sem que
as duas horas acrescidas fossem contadas como
extraordinárias e independentemente da concessão de
intervalo intrajornada inferior a uma hora. Em
contrapartida, os empregados da Garoto foram
beneficiados com a concessão de 18 vantagens
trabalhistas.
... (omissis)...
Após frisar a possibilidade expressa, na
Constituição, de flexibilização da jornada de
trabalho, o ministro Moura França ressaltou a validade
do acordo coletivo e afastou a argumentação da
empregada. "Essa forma de autocomposição se traduz
claramente no chamado princípio do conglobamento,
pois, para a classe trabalhadora obter algumas
vantagens, precisou negociar outras, razão pela qual
não se verifica o comprometimento do princípio da
norma mais favorável ao trabalhador"... (RR
714941/00)" (notícia do dia 18.03.03).
"TST reconhece acordo que reduziu intervalo para
descanso - A Subseção de Dissídios Individuais ? 1
(SDI ? 1) do Tribunal Superior do Trabalho poderá
decidir futuramente uma controvérsia interna no TST
sobre a possibilidade de flexibilização do intervalo
da jornada de trabalho, destinado ao descanso e à
refeição do empregado. Uma eventual apreciação da
questão pela SDI ? 1 serviria para estabelecer uma
orientação jurídica comum sobre o tema.
...(omissis)...
Já a Quarta Turma do Tribunal adotou posição
diferente sobre o tema. O órgão reconheceu, de forma
unânime, a validade de um acordo coletivo sobre
intervalo na jornada, independente da previsão de
autorização do Ministério do Trabalho. Para tanto,
afirmou que os instrumentos de negociação coletiva ?
acordos e convenções ? possuem eficácia direta,
garantida pela Constituição Federal e o acerto
estipulado deve ser respeitado, no âmbito dos
contratos individuais, sob pena de interferência na
liberdade de negociação entre as partes.
Relator do julgamento da Quarta Turma, o ministro
Milton de Moura França sustentou que "é preciso
prestigiar e valorizar a negociação coletiva assentada
na boa-fé como forma de incentivo às composição dos
conflitos trabalhistas pelos próprios interessados". O
processo questionava um acordo coletivo que reduziu de
uma hora para trinta minutos a duração do intervalo
para descanso e refeição de uma empresa sediada na
cidade de Pouso Alegre, Minas Gerais.
... (omissis)...
Segundo a alegação do recurso, o acordo coletivo
infringiu o dispositivo constitucional que assegura a
redução aos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII).
Também foi questionada a não submissão da regra
coletiva ao Ministério do Trabalho, prevista na
própria cláusula nº 4. Segundo o art. 71 `PAR` 3º da CLT,
citado nos autos, cabe ao Ministério do Trabalho
autorizar a redução do intervalo para descanso e
refeição, após consulta ao Departamento Nacional de
Higiene e Segurança do Trabalho.
"Não se extrai da referida cláusula que a validade
da redução do intervalo para refeição condiciona-se à
autorização do Ministério do Trabalho. Na verdade, o
que ficou claro é que houve acordo coletivo reduzindo o
intervalo em exame", observou o ministro Moura França.
"Registre-se, ademais, que o acordo coletivo decorre
de trato entre as partes, em que uma delas abre mão de
determinado direito em prol da outra. Assim, ignorar
cláusula coletiva implica desequilíbrio de todo o
pactuado", acrescentou.. (RR ? 739383/01)" (notícia do
dia 04.04.03).
"TST admite alterar intervalo intrajornada em
transporte do RJ - A Seção de Dissídios Coletivos
(SDC) do Tribunal Superior do Trabalho examinou
recurso ordinário em ação anulatória e admitiu hipótese
de flexibilização do intervalo intrajornada. A decisão
unânime, relatada pelo ministro Luciano de Castilho,
foi tomada de acordo com as peculiaridades do caso
concreto, envolvendo convenção coletiva firmada entre
empresas e empregados do transporte de passageiros da
cidade do Rio de Janeiro. Durante o julgamento, os
ministros confirmaram a validade da Orientação
Jurisprudencial nº 342 da Subseção de Dissídios
Individuais ? 1 (SDI-1) do TST.
... (omissis)...
A decisão da SDC, contudo, estabeleceu exceção à
regra ao levar em conta as peculiaridades do serviço
de transporte coletivo. Empregados e empresas tinham
acertado a supressão do intervalo intrajornada de uma
hora em troca de intervalos menores de cinco minutos,
ao final de cada viagem. A pausa foi condicionada às
possibilidades de cada linha e desde que não
contrariadas normas de trânsito ou da Secretaria
Municipal de Transportes Urbanos. Em troca, os
condutores teriam a redução da jornada semanal para 42
horas (sete horas diárias) e adicional de 5% sobre o
salário.
... (omissis)...
Em seu voto, Luciano de Castilho registrou a
impossibilidade de negociação de direitos que afetem a
segurança, saúde e dignidade do trabalhador. Esses
"limites intransponíveis", contudo, não foram
ultrapassados pela convenção coletiva carioca, que
regulou situação para a qual a previsão do art. 71 não
consegue um alcance pleno... (RR
141515/2004-900-01-00.5)" (notícia em 14.03.06).
"Relator esclarece decisão sobre intervalo
intrajornada - Recente decisão tomada pela Seção de
Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do
Trabalho tem provocado debates intensos nas primeira e
segunda instâncias da Justiça do Trabalho. A questão
ganhou repercussão por envolver a liberdade das partes
? empregadores e empregados ? em dispor dos direitos
trabalhistas nas negociações coletivas. A SDC admitiu,
numa situação específica, hipótese de flexibilização do
intervalo intrajornada, destinado ao descanso de quem
trabalha mais de seis horas por dia.
... (omissis)...
Luciano de Castilho lembra que o entendimento
consolidado do TST aponta para a impossibilidade de
negociação coletiva em torno do intervalo destinado a
repouso e alimentação dentro da jornada. "É inválida
cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho
contemplando a supressão ou redução do intervalo
intrajornada porque este constitui medida de higiene,
saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de
ordem pública (artigo 71 da CLT e art. 7º, XXII, da
CF/88), infenso à negociação coletiva", afirma a OJ nº
342.
A decisão da SDC foi unânime e tomada de acordo com
as peculiaridades do caso concreto, envolvendo
convenção coletiva firmada entre empresas e empregados
do transporte de passageiros da cidade do Rio de
Janeiro. As características desse tipo de prestação de
serviços justificaram a exceção aberta pelo TST em
relação ao intervalo intrajornada, pois não foram
afetados os chamados direitos inegociáveis... (ROAA
141515/2004-900-01-00.5)" (notícia do dia
05.05.06).
"Terceira Turma do TST admite exceção à OJ 342 em
transporte urbano - Decisão da Terceira Turma do
Tribunal Superior do Trabalho, relatada pela ministra
Maria Cristina Peduzzi, permitiu a substituição de
intervalo intrajornada de motoristas e cobradores da
Transporte Coletivo da Cidade de Divinópolis (TRANCID)
por descansos no final da linha. As características
diferenciadas da profissão permitiram a exceção à
jurisprudência do TST, segundo a ministra
relatora.
A OJ nº 342 da SDI-1 do TST estabelece que é inválida
cláusula de acordo coletivo que reduza intervalo
intrajornada, pois pode comprometer a saúde, segurança
e higiene do trabalhador. A ministra Maria Cristina
esclareceu que "não há elementos nos autos que
comprovem a existência de riscos à saúde ou segurança
do trabalhador".
... (omissis)...
A decisão da Terceira Turma ressaltou ainda que o
acordo coletivo resultou de livre manifestação da
vontade das partes, sendo norma autônoma de natureza
especial. Já a legislação ordinária, de caráter geral,
não se sobrepõe ao que for convencionado. "Os acordos e
convenções coletivas de trabalho têm previsão
constitucional, atribuindo o legislador importância
capital à negociação coletiva, como forma de
solucionar os conflitos entre empregados e
empregadores", concluiu a relatora (RR ? 229/2005 ?
057 ? 03 ? 00.1)" (notícia do dia 18.05.06).
Colho do ensejo, também, para trazer à baila outros
julgados, mais específicos, a respeito do tema em
debate:
"Diante do que dispõe o art. 7º, incisos XIII e XIV,
da Constituição Federal, conclui-se pela validade da
cláusula coletiva, no sentido de não conceder ao
reclamante o intervalo de uma hora para refeição e
repouso, ainda que sujeito à jornada de 12 x 36 horas"
(TST, RR 449.470/98, 2ª Turma, Relator: Juiz Convocado
Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 20.06.01).
"O sistema de jornada de trabalho 12 x 36 horas é
benéfico ao trabalhador e, consolidado em normas
coletivas, é largamente praticado por diversas
categorias. Justifica a implantação desse sistema o
trabalho contínuo, ininterrupto, para ser compensado
posteriormente com descanso prolongado, por isso seria
ilógico que a empresa designasse um outro empregado
para, no meio da noite, substituir o empregado em curto
período destinado a refeições, ou lhe permitisse
ausentar-se das horas do trabalho. Legitimidade da
ausência de concessão de intervalo intrajornada" (TRT
18ª, RO 596-2005-081-18-00-7, Pleno, Relatora: Juíza
Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque, julgado em
11.07.06).
Por essa mesma senda também trilhou a 2ª Turma do E.
TRT da 8ª Região (PA/AP), nos autos do processo
00818-2006-016-08-00-8, em julgado cuja relatoria
coube à ilustre Desembargadora Elizabeth Fátima Martins
Newman, oportunidade em que a culta magistrada faz
pertinentes colocações quanto ao modelo constitucional
pátrio, precisamente quanto ao saudável estímulo
conferido à negociação coletiva (decisão exarada em
27.09.06)
Consigno, em arremate, que pouco importa, na minha
ótica, a existência ou não de menção expressa, na norma
coletiva, acerca da não aplicação do intervalo
previsto no artigo 71 da CLT, nos casos de regime 12 x
36 praticado com a devida anuência sindical, eis que,
como já firmei, essa nuance está implícita mesmo no
seio do próprio ajuste coletivo, porquanto fica
firmado o labor contínuo de uma ponta a outra dessa
jornada especial (07:00h às 19:00h ou 19:00h às
07:00h)
Concluo, pois, por conferir plena validade à
pactuação coletiva que não prevê intervalo
intrajornada dentro do já conhecido formato 12 x 36 de
trabalho, haja vista que tal pausa de regra ressoa
incompatível/impraticável com as jornadas
costumeiramente disciplinadas por esse regime
De mais a mais, como articulado alhures, ajuste
dessa qualidade, alinhavado sem vícios, com tutela
sindical e inserido em um contexto de concessões
mútuas, encontra pleno respaldo jurídico na linha de
raciocínio que se pode extrair das searas
principiológica (teoria do conglobamento e princípio
da adequação setorial negociada), legal (CF, artigo
7º, inciso XXVI, c/c CLT, artigos 71, parágrafo 3º, e
611) e jurisprudencial (Súmula 364, item II, do TST),
abonando-se a tese, lógica até, de que as
especificidades de cada caso concreto podem servir,
sim, como legítimo fator de relativização da OJ 342 da
SBDI-1 do TST.
O tema, porém, à evidência, continua deveras
polêmico.
Afinal, vexata quaestio est!
__________________
(*) Ney Stany Morais Maranhão é juiz do TRT da
8ª Região (PA/AP)