1.Introdução.
Desde nosso primeiro contato com o texto da
Emenda Constitucional n.45, percebemos que a expressão
relação de trabalho tinha o mesmo significado de
relação de emprego. E até hoje essa percepção se
mantém, e até se reforça, mesmo após ter lido inúmeros
artigos de juristas de renome defendendo que na
verdade a expressão relação de trabalho utilizada pelo
lesgislador constituinte na EC-45 ampliou a competência
da Justiça do Trabalho, passando a branger todas as
formas de relação de trabalho, e não apenas aquelas em
que existe trabalho subordinado.
Não é fácil escrever sobre tema que tem aparência de
pacificado, mas que em verdade ainda não está. Não há
ainda decisões reiteradas dos tribunais superiores
sobre a matéria, definindo o alcance e a abrangência da
expressão relação de trabalho para efeitos de
delimitação da competência da Justiça do Trabalho. O
STF ainda está longe de dar a palavra final sobre essa
controvérsia.
A discussão acerca dessa matéria há que ser isenta
de paixões, de vaidades, de pretensões de poder,
importância e prestígio com o aumento de competência, e
ninguém deve se sentir intimidado ou inibido com as
manifestações divergentes por parte de juristas de
peso. Enfim, é preciso ter coragem para discordar e
publicar nossas opiniões pessoais, que é o que todos
fazem, no fim das contas. Ninguém é dono da
verdade.
Não tenho grandes pretensões doutrinárias, pois
reconheço minhas limitações. Busco tão-somente expor
uma opinião discordante para acalorar ainda mais o
debate que ainda se trava em torno da questão.
2.Relação de Trabalho.
Definição.
Pelo que tenho lido em inúmeros artigos
publicados acerca da ampliação de competência da
Justiça do Trabalho, os juristas vários têm se apegado
muito, e principalmente, à distinção entre o que seja
relação de trabalho e relação de emprego, como se isse
fosse o cerne da questão. Data vênia isso é um
equívoco. É preciso levar em conta também que o
legislador tem utilizado historicamente a expressão
relação de trabalho com o mesmo sentido de relação de
emprego, como veremos adiante em outro tópico.
Os juristas trabalhistas discutem há muitas décadas
acerca da melhor denominação para o contrato de
trabalho, bem como discordam sobre a utilização melhor
da expressão relação de trabalho e relação de emprego.
Délio Maranhão, por exemplo, em sua obra Direito do
Trabalho (9a edição), nas páginas 42 e 43 deixa claro
que o Direito do Trabalho regula a prestação de
trabalho subordinado, ou seja, a relação de emprego. E
o autor identifica nitidamente a prestação de serviço
subordinado à relação de trabalho. E trata-se de autor
de peso no meio trabalhista, e antigo. Mas é claro que
inúmeros outros doutrinadores fazem distinção
conceitual entre relação de trabalho e relação de
emprego.
Sem pretender doutrinar a respeito, pensamos que a
melhor denominação para a relação em que haja trabalho
subordinado seja mesmo relação de emprego, que nasce
do contrato de emprego, para que se evitem confusões.
Mas isso não é observado em nossa legislação
trabalhista.
A relação de emprego é espécie do gênero relação de
trabalho, que além das relações de emprego abrangem
também os autônomos, avulsos, etc. A maioria dos
doutrinadores pensa assim.
Infelizmente, como o legislativo brasileiro tem
parlamentares de diversas áreas do saber, incluindo do
Direito, e entre eles de diversas correntes
doutrinárias, não é de todo incompreensível que nossas
leis contenham textos utilizando expressões e
denominações diversas para a mesma coisa, como
acontece com relação de trabalho e relação de emprego
na CLT e na Carta Magna, o que gera tanta celeuma.
2.1.Utilização da expressão Relação de
Trabalho pelo lesgislador como sinônimo de
Relação de Emprego.
A Carta Magna de 05.10.88, no seu art.7o,
estabeleceu alguns dos direitos dos trabalhadores, não
afirmando se empregados ou não. Todavia, em que pese
alguns apressados inicialmente tivessem se levantado na
defesa da generalização desses direitos a todos os
trabalhadores, e não só aos empregados, essa opinião
logo se viu isolada e descartada. Em pouco tempo
nenhum jurista sustentava mais que os dereitos
elencados no art.7o da CF eram direitos de qualquer
trabalhador sem vínculo de emprego, mas exclusivamente
destes. Hoje isso é pacífico.
Igualmente, quanto à competência, o art.114 da CF de
1988, em sua redação original, causou polêmicas,
levando muitos juristas a sustentarem apressadamente
que a Justiça do Trabalho deixara de ser a justiça
apenas dos empregados e desempregados, passando a ser
a justiça de todos os trabalhadores, visto que o
dispositivo (art.114) não empregava a palavra
empregados, mas trabalhadores. E essa posição também
logo se dissipou, por perceberem os juristas que em
verdade o artigo ligava os trabalhadores aos seus
empregadores, o que os tornava empregados, e o que
afastava os trabalhadores autônomos da esfera de
competência da Justiça do Trabalho.
Não se pode pretender de forma absoluta que o
lesgislador, seja o constituinte ou o derivado, usem
sempre expressões corretas, utilizem a melhor técnica
jurídica. Isso porque não há obrigatoriedade de que os
parlamentares sejam juristas. É certo que há entre
eles alguns juristas, mas isso não impede por completo
a utilização de expressões incorretas, ambíguas,
nebulosas, de forma a dificultar o trabalho dos
intérpretes da lei, notadamente dos juizes.
O inciso XXIX do art.7o da CF coloca entre os
direitos dos empregados o direito de ação quanto a
créditos resultantes das relações de trabalho,
estabelecendo os prazos de prescrição.
Observa-se claramente nesse dispositivo que não foi
utilizada a expressão relação de emprego, mas relação
de trabalho. Assim, se os direitos elencados no art.7o
só se aplicam aos empregados, o que hoje nehuma voz de
peso sustenta o contrário, não há como afastar, data
vênia, a idéia primeira de que a relação de trabalho
da qual resultam os créditos que podem ser buscados
via Justiça do Trabalho é a relação de emprego. Essa
conclusão é lógica.
O legislador constituinte se valeu da expressão
relação de trabalho como análoga a relação de emprego,
não como qualquer pactuação entre um trabalhador
autônomo e uma pessoa física ou jurídica. Mas o que se
percebe no inciso XXIX do art.7o da CF não é fato
isolado. Também a CLT, em seu art.11, com a nova
redação que lhe conferiu a Lei n.9.658/98, ajustando o
dispositivo celetista à Carta Magna (inciso XXIX do
art.7o), estabelece o direito de ação quanto a
créditos resultantes das relações de trabalho, da mesma
forma que a redação do inciso XXIX do art.7o da
CF.
Caso o legislador derivado tivesse percebido
equívoco na redação do inciso XXIX do art.7o da CF,
poderia ter corrigido com a melhor técnica ao dar nova
redação ao art.11 da CLT. Isso não foi feito, o que
demonstra, ao nosso sentir, que em verdade o
legislador usa há muito tempo a expressão relação de
trabalho realmente como similar e análoga a relação de
emprego, tendo a mesma significação, e não outra mais
abrante, como agora se pretende dar.
A CLT continua sendo aplicada apenas aos empregados,
com as exceções contidas no seu art.7o.
Nenhuma voz se levantou em 1998, quando da
promulgação da Lei n.9.658/98, para sustentar que a
CLT se aplicava a todos os trabalhadores,
indistintamente, independentemente de serem empregados,
mesmo tendo a nova redação do art.11 utilizado a
expressão relação de trabalho.
Há, ainda, outros exemplos na própria CLT
demonstrando que o lesgislador considera relação de
trabalho como sendo relação de emprego, sem fazer
qualquer distinção. Veja-se o caput do art.477 da CLT:
"É assegurado a todo empregado, não existindo prazo
estipulado para a terminação do respectivo contrato, e
quando não haja ele dado motivo para cessação das
relações de trabalho, o direito de haver do empregador
uma indenização, paga na base da maior remuneração que
tenha percebido na mesma empresa" (grifo nosso).
O art.477, caput da CLT não separa o contrato de
trabalho de relação de emprego. Pelo contrário, vincula
claramentre as duas expressões.
O art.1o da CLT dispõe que: "Esta Consolidação
estatui as normas que regulam as relações individuais
e coletivas de trabalho, nela previstas". Trata, pois,
de relação de trabalho. Já o parágrafo 2o do art.2o da
CLT utiliza, diferentemente, a expressão relação de
emprego.
Ao tratar o art.442 da CLT do contrato individual de
trabalho, é claro, sem sombra de dúvidas, que trata do
contrato de emprego, ou seja, trabalho subordinado,
regido pela CLT, em que pese parte da doutrina fazer
distinção entre contrato de trabalho (gênero) e
contrato de emprego (espécie). Nota-se a falta de
preocupação doutrinária e técnica dos legisladores que
elaboraram o projeto da CLT. Aliás, sempre que na CLT
há referência ao contrato individual de trabalho, ele
deve ser entendido como contrato de emprego, que gera
uma relação de emprego, muitas vezes chamado também na
própria CLT de relação de trabalho.
A Emenda Constitucional n.45 utilizou também a mesma
expressão relação de trabalho, seguindo a mesma
tradição legislativa utilizada na redação do inciso
XXIX do art.7o da CF de 1988 e também da nova redação
do art.11 da CLT, dada em 1998, dez anos após a
entrada em vigor da Carta Magna, e sem que ninguém
nesses dez anos tivesse tentado alterar o texto desses
dois dispositivos para colocar em lugar de relação de
trabalho a expressão relação de emprego.
Durante os dez anos foi tranqüilamente aceita a
expressão relação de trabalho como sendo relação de
emprego. Não posso entender que agora, com o advento da
EC-45, utilizando a antiga e consagrada expressão
relação de trabalho se pretenda dar nova
interpretação, e muito mais ampliativa à expressão,
sem antes sequer ouvir o legislativo sobre o que
realmente os parlamentares federais entendiam por
relação de trabalho ao usarem essa expressão no inciso
XXIX do art.7o da CF, na Lei n.9658/98 e na EC-45.
É preciso ter em mente, ainda, que toda a matéria
nova transferida para a Justiça do Trabalho com os
diversos incisos do art.114 da CF, com a redação que
lhe deu a EC-45, está intrinsecamente ligada ao
emprego. Ações envolvendo multas aplicadas pelo
Ministério do Trabalho às empresas em função de
descumprimento de normas ligadas ao emprego, ações
seobre representação sindical, direito de greve, danos
morais, mandado de segurança, habeas corpus, etc, estão
todas ligas à relação de emprego. Isso é inegável. Ou
seja, no artigo que trata da competência da Justiça do
Trabalho, ampliando-a, a EC-45 somente incluiu na
esfera de competência da justiça especializada matérias
novas relacionadas com o emprego. Nada na nova redação
do art.114 da CF indica ampliação demasiada da
competência que não guarde relação direta com o
trabalho subordinado, ou seja, com o emprego. Por isso
entendemos que a relação de trabalho citada no
dispositivo é a relação de trabalho subordinado, o que
é o mesmo que relação de emprego.
É preciso analisar esses fatos e os textos legais
aqui indicados sem paixão, com isenção ideológica, e
com a imparcialidade de um juiz. Julgar a letra da
lei, a gramática, e analisar de forma sistemática o
arcabouço jurídico pátrio para ver o histórico da
utilização da expressão relação de trabalho como
similar à expressão relação de emprego. É preciso
perquirir o que o legislador efetivamente pretendeu ao
usar a expressão relação de trabalho.
Não se pode deixar de lado, também, que o próprio
Direito do Trabalho nasceu para proteger os
empregados, não todos os trabalhadores. Ele regula
basicamente as relações de trabalho subordinado, ou
seja, as relações de emprego. As demais pactuações de
prestadores de serviços autônomos são reguladas pelo
Código Civil, Código Comercial e outros, sendo tratados
por outros ramos do Direito.
3. A era da
especialização.
Com a evolução das ciências e o avanço
tecnológico, com grande aumento do conhecimento
humano, o século XX viveu uma era de grande
especialização, e em praticamente todas as áreas.
No Direito, hoje vemos, só na justiça comum
estadual, varas cíveis e comerciais, juizados de
pequenas causas, juizados de defesa do consumidor,
juizados de acidente de trânsito, varas de família,
varas da fazenda pública, varas criminais, tribunais
do juri, varas de execução penal, varas de assistência
judiciária, dentre outras, o que demonstra uma
especialização constante e permanente. Cada área do
direito está ganhando, dia a dia, varas cada vez mais
especializadas.
A Justiça do Trabalho é uma justiça extremamente
especializada, e muito experiente, em relações de
emprego, o mesmo que relação de trabalho para o
legislador federal. Torna-se cada vez mais célere na
prestação jurisdicional, protegendo o empregado e
garantindo seus direitos. Pretender desnaturar a face
da Justiça do Trabalho dando interpretação diversa do
que desejou o legislador vai inclusive de encontro ao
movimento permanente de especialização.
Se forem transferidas para a Justiça do Trabalho
todas as causas envolvendo todo e qualquer tipo de
prestador de serviços autônomos, a justiça se tornará
em breve uma justiça genérica, sem rosto definido, sem
especialização, lenta, com grande e grave prejuízo para
os empregados, que voltarão a ficar desprotegidos.
Não nos esqueçamos de que os trabalhadores autônomos
têm também uma justiça ao seu dispor. Aliás, todos os
tipos de causa estão sujeitos a uma justiça, de acordo
com a organização de competência de nosso ordenamento
jurídico.
Não vejo razão para seguir na contramão histórica da
especialização.
4.Conclusão.
Concluímos essas breves palavras sem
pretensão de convercer, se isso é possível, mas
tão-somente visando enriquecer os debates e as
reflexões acerca do tema, estando aberto também ao
convencimento, tendo buscado apenas mostrar, na nossa
modesta visão, que o lesgislador constituinte e também
o derivado há muito usam a expressão relação de
trabalho como sinônimo de relação de emprego, sem
fazer qualquer distinção doutrinária entre elas, mesmo
porque isso não cabe à lei ou aos legisladores, mas
aos juristas. E, em razão disso, a competência da
Justiça do Trabalho continua sendo delimitada
basicamente pelo contrato de trabalho subordinado,
pela relação de emprego, ou vínculo de emprego. Os
prestadores de serviços autônomos continuam fora da
esfera de competência da justiça especializada,
devendo continuar a buscar as diversas varas
especializadas da justiça comum estadual para ver
julgados seus litígios.
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(*) Juiz titular da 37ª Vara do Trabalho de
Salvador