A doutrina aponta um tipo de
classificação dos direitos fundamentais em três ou mais
gerações (MANCUSO, 1998, p.70).
Aliás, o termo gerações revela uma idéia um tanto
quanto equivocada a respeito do surgimento dos
direitos. Isso porque passa uma idéia de substituição
de um direito em relação a outro, numa verdadeira troca
cronológica de direitos, o que não corresponde à
verdade.
O termo dimensão capta, com muito mais propriedade,
o sentido de evolução e aparecimento dos novos
direitos, na medida em que não se descarta um direito
anterior com o advento de um direito posterior,
pregando a convivência harmônica e concomitante de
ambos.
Fazendo-se uma analogia aos três ideais declarados
na Revolução Francesa, de 1789, os direitos de
primeira dimensão seriam os direitos de liberdade; os
de segunda, de igualdade; e os terceiros, de
fraternidade.
Feita essa breve observação, passemos à classificação
dos direitos fundamentais.
Os direitos de primeira dimensão são os
identificados pela doutrina como os direitos de
liberdade, civis e políticos. Foram os primeiros a
surgir, num progressivo movimento de
constitucionalização dos direitos, insertos nas Cartas
Constitucionais de diversos Estados, iniciado nos fins
do século XVIII e difundido por todo o século seguinte.
Esta dimensão guarda obrigações de natureza negativa e
positiva. Negativa porque enseja para o Estado uma
obrigação de não fazer nada que impeça o exercício
livre dos direitos civis e políticos, abstendo-se,
portanto, de legislar e praticar atos contrariamente a
este direito. Positiva porque exige uma ação do Estado
no sentido de viabilizar e proporcionar a todos o
exercício deste mesmo direito mediante políticas
públicas.
Nota-se, à primeira vista, o foco eminentemente
individual da proteção do sujeito. É o indivíduo
exercendo o seu "direito de resistência ou de oposição
perante o Estado" (Expressão utilizada por Paulo
Bonavides), ao mesmo tempo em que a via estatal
estrutura-se para viabilizar o exercício pelo indivíduo
de seus direitos civis e políticos.
À medida que o cenário histórico muda,
transformam-se também as manifestações sociais ao seu
redor e o pensamento de toda uma época. É nesse
contexto que o liberalismo cede espaço a um movimento
de desconstrução do individualismo exacerbado,
presente em uma sociedade acostumada ao poder de
comando do contrato entre as partes, da autonomia
plena do cidadão e do olhar distante do Estado, mero
espectador das relações jurídicas pactuadas, para dar
lugar ao chamado welfare state, ou Estado de bem-estar
social.
A passividade do Estado passa a ser intolerável, ao
mesmo tempo em que lhe são exigidas prestações
positivas que melhorem as condições de vida das
pessoas. Entra em cena o chamado "dirigismo
contratual", que demanda a interferência do Estado nas
relações jurídicas firmadas para assegurar uma certa
igualdade de condições na pactuação, de modo a
amenizar a desproporcionalidade de forças dos
indivíduos quando da aplicação da autonomia da
vontade.
Nesse contexto, nascem os direitos de segunda
dimensão, que são os direitos sociais, culturais e
econômicos, assim como os pertencentes à coletividade.
Nessa linha, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, enuncia direitos econômicos e
sociais, nos artigos XXII a XXVI. Direitos como a
seguridade social, o direito ao trabalho e à proteção
contra o desemprego, direito à remuneração igual por
trabalho igual, direito ao salário mínimo, ao repouso
e ao lazer, à limitação da jornada de trabalho, à
livre sindicalização dos trabalhadores e à educação,
foram alguns dos direitos sociais incorporados na
Declaração.
Destaca-se ainda na Declaração Universal de 1948 a
afirmação da democracia como o único regime político
compatível com o pleno respeito aos direitos humanos.
O regime democrático deixa de ser uma opção política
entre tantas outras, sendo a única legítima escolha
para a organização do Estado. (COMPARATO, 2001,
p.231)
A Constituição mexicana de 1917 conserva uma forte
carga de direitos sociais, inovando no cenário
mundial, principalmente no tocante à regulamentação de
direitos trabalhistas e a sua elevação ao status de
direito fundamental. Direitos como a limitação da
jornada diária de trabalho em oito horas, redução da
jornada noturna, proibição de trabalhos insalubres ou
perigosos para as mulheres e para os menores de
dezesseis anos, previsão de um dia de descanso para
cada seis dias trabalhados, salário-mínimo e pagamento
de horas extras, dentre inúmeros outros, foram pela
primeira vez na história positivados como direitos
supremos, expressos na Carta Fundamental do país.
Também a Constituição de Weimar, de 1919,
representou bem esse momento de assimilação no
ordenamento jurídico dos direitos de segunda dimensão,
principalmente porque veio em resposta às atrocidades
cometidas na primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918.
Acrescendo direitos sociais aos direitos individuais
já preexistentes, a Constituição alemã ainda delineou
uma importante distinção entre diferenças e
desigualdades. Como ressalta Fábio Konder Comparato,
as diferenças, que podem ser biológicas ou
culturais:
[...] não implicam a superioridade de alguns em relação a outros. As desigualdades, ao contrário, são criações arbitrárias, que estabelecem uma relação de inferioridade de pessoas ou grupos em relação a outros. Assim, enquanto as desigualdades devem ser rigorosamente proscritas, em razão do princípio da isonomia, as diferenças devem ser respeitadas ou protegidas, conforme signifiquem uma deficiência natural ou uma riqueza cultural. (COMPARATO, 2001, p.190)
Encontram-se no rol dos direitos
sociais, econômicos e culturais, dentre outros, os
direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia,
ao lazer, à segurança, à previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, insculpidos no art. 6º da
Constituição da República do Brasil de 1988.
Já os direitos de terceira dimensão surgem num
contexto diverso, e são, em grande parte, conseqüência
da globalização econômica e cultural.
São muitos os aspectos positivos da globalização.
Com ela, diminui-se a distância entre os povos,
mediante o uso das invenções tecnológicas da
comunicação, internet e satélites, dentre outros,
levando à homogeneização de valores e costumes, bem
como à implantação da idéia de consumo em massa.
Rompem-se com as barreiras do tempo e do espaço.
As informações chegam de um país a outro em tempo
real, e, em menos de um minuto, a valorização do dólar
americano pode influenciar o mercado econômico de
inúmeros outros países. O indivíduo que mora no Japão
compra pela internet produtos vendidos na Europa. E o
que é moda nos desfiles de Milão torna-se referência
no mundo inteiro. A comida francesa experimenta novos
sabores e, na música, a bossa-nova se mistura ao rap
norte-americano, criando ritmos surpreendentes. A
globalização proporciona uma integração entre culturas
inimaginável e abre o horizonte das pessoas,
convidando-as a conhecer novos lugares e a experimentar
as novidades.
Por outro lado, a globalização também trouxe
conseqüências negativas, principalmente para o meio
ambiente e para as relações de trabalho. Catástrofes
naturais vêm em resposta à falta de cuidado do homem
com a natureza, fazendo nascer uma preocupação mundial
com a preservação do meio ambiente para as futuras
gerações, de forma sustentável. As relações de
trabalho precarizam-se e a informalidade aumenta. As
empresas seguem a tendência mundial de redução dos
custos da mão-de-obra e as leis trabalhistas passam a
ser cada vez mais flexibilizadas em nome da
sobrevivência da empresa no mercado mundial. O consumo
torna-se cada vez mais exagerado. Os produtos duram
menos e já não tem a mesma qualidade de antigamente.
Criam-se necessidades desnecessárias. O celular que
toca música está ultrapassado com o lançamento daquele
que filma e dá acesso à internet.
Todos esses acontecimentos mudam a mentalidade da
época. A integração entre os povos faz ressurgir o
forte ideal de fraternidade, como um tipo de elo
unificador das nações mais e menos desenvolvidas, na
luta pela conservação e recuperação dos bens jurídicos
de titularidade universal, mediante a atuação conjunta
dos países.
Nesse contexto, surgem os direitos de terceira
dimensão, de natureza mais abrangente que os demais
direitos até então reconhecidos, pois não se restringem
a um grupo ou a uma coletividade específica, sendo
chamados por alguns como o "direito de todos e ao
mesmo tempo de ninguém". Direito de todos porque de
titularidade universal, pertencendo a todos e a cada um
a prerrogativa de reivindicar a proteção e a
conservação desses bens jurídicos indivisíveis, tal
como o direito ao meio ambiente, ao desenvolvimento, à
paz, à propriedade sobre o patrimônio comum da
humanidade e à comunicação. Direito de ninguém porque a
ninguém cabe reivindicá-lo para si, já que de
titularidade universal.
Os direitos metaindividuais inserem-se na terceira
dimensão. São suas espécies os direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos, expressamente
previstos no parágrafo único do art. 81 do Código de
Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
Alguns autores já prelecionam a existência de uma
quarta dimensão. Compreenderia o direito à democracia,
à informação e ao pluralismo. (BONAVIDES, 2000,
p.571)
Norberto Bobbio (In PADILHA GERA, 2004, p.58) entende
que a quarta dimensão tem como elemento principal o
direito à propriedade genética, advinda da conjugação
dos avanços tecnológico e científico. Para este autor,
a pesquisa biológica permitirá a manipulação crescente
do patrimônio genético de cada indivíduo. Resta saber
se tal descoberta será usada com discernimento e bom
senso ou se, ao contrário, haverá uso indiscriminado e
arbitrário da genética humana.
Se seguíssemos a ordem lógica de um silogismo,
poderíamos partir da seguinte premissa: se não pairam
dúvidas sobre a existência dos direitos de primeira,
segunda e terceira geração e se todos eles foram
formalmente declarados em Cartas Constitucionais,
tratados ou declarações de direitos, então todas as
sociedades são democráticas e respeitam os direitos
sociais e as liberdades públicas, bem como a paz e a
ordem permanecem em todas as nações.
Infelizmente, a notoriedade e a inquestionabilidade
da importância dos direitos, principalmente os tidos
como fundamentais, não conduzem ao seu cumprimento
espontâneo e sincero. E isso em todas as nações do
mundo.
Não obstante, os movimentos jurídicos, políticos e
sociais caminham para que as declarações de direito
não se percam no vazio ou apenas sejam o pano de fundo
de um discurso retórico vazio e utópico, especialmente
porque a sobrevivência da sociedade depende do respeito
à dignidade humana e da crescente efetivação das
garantias e direitos fundamentais individuais,
coletivos e difusos, na plenitude da aplicação do
princípio do acesso à justiça.
Como observa Márcio Túlio Viana (2000, p.189), numa
análise sobre a proteção social do trabalhador no
mundo globalizado, mas que pode abranger todos os
direitos, em especial os fundamentais:
Não se trata apenas de saber que futuro nos espera, mas o que o futuro espera de nós. E não há neutralidade possível. Ou ajudamos a demolir o direito, ou lutamos para reconstruí-lo; ou nos curvamos à nova ordem, ou semeamos alguma desordem no caos...
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(*) Mestre em Direito do Trabalho pela
Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais - PUC/MG e analista
judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª
região (MG).