Este texto foi elaborado com base nas brilhantes análises e conclusões feitas em sala de aula pelo doutor e professor do mestrado em Direito do Trabalho da PUC - Minas. Márcio Túlio Viana (Juiz do Trabalho aposentado) e no estudo realizado por CARDOSO, 2003, p.917-929.
Desde que a globalização se
disseminou por todo o planeta de forma irrefreável, as
empresas multinacionais e transnacionais têm adquirido
poderes que escapam à sua esfera exclusivamente
econômica.
Com a promessa de progresso social líquido e certo,
as transnacionais se fixam no território nacional,
abalando a soberania dos países, principalmente os
menos desenvolvidos, e ditando as novas políticas
públicas econômicas, não raramente implementadas com o
capital por ela própria injetado.
O Estado, por sua vez, pouco pode fazer além de
aceitar a proposta, quase sempre irrecusável, de
instalação de uma transnacional numa certa região do
país, que garantirá emprego a boa parte da população
local, além de ser uma mola propulsora do crescimento
da economia local.
Todavia, a chegada das transnacionais importa num
problema de dimensão gravíssima: a crescente redução
dos custos da mão-de-obra. À procura de trabalho
desqualificado - logo, barato - as multinacionais
percorrem, num movimento itinerante, os países mais
economicamente atrativos, diga-se, os mais
economicamente enfraquecidos, para se instalar.
Os fatos acima relatados há muito
não causam espanto, mesmo porque não são nenhuma
novidade diante da onda neoliberalista que assola o
planeta. Entretanto, um movimento empresarial
crescente, iniciado em meados da década de 1990, chama
a atenção: a responsabilidade social da empresa.
Nessa modalidade de gestão socialmente responsável, a
empresa não vende só o produto, mas, acima de tudo,
uma imagem politicamente correta. Em contrapartida, o
consumidor não compra apenas a mercadoria, mas,
igualmente, paga por sua tranqüilidade de não
contribuir para o lucro de uma empresa que descumpre as
regras mínimas de proteção ao trabalhador.
Está certo que há muito os grandes empreendedores
descobriram que a imagem ética da empresa faz parte de
uma estratégia empresarial que chega a duplicar ou
triplicar a venda de seus produtos e a levar a números
astronômicos o faturamento da empresa.
Não obstante, independentemente do lucro obtido com
essa nova política empresarial, o fato é que a
população sai beneficiada de uma forma ou de outra,
seja porque as empresas passam a produzir de maneira
sustentável, minimizando os impactos na natureza; seja
porque os produtos passam a ter uma carga "mais ética",
na medida em que não são mais feitos com o trabalho
infantil utilizado na China; seja porque seus
empregados passam a ter planos de incentivo ao estudo,
ao lazer, a cursos de aperfeiçoamento profissional,
além de investimentos na saúde e educação de seus
filhos.
Numa dimensão mais ampla, a postura de preocupação
social adotada pela empresa faz com que as outras
sejam adeptas do mesmo comportamento, eis que a imagem
da empresa no momento da compra do produto é decisiva:
entre duas mercadorias de igual qualidade, o consumidor
consciente opta por aquela produzida pela empresa que
lhe causa melhor impressão - além de levar um produto
de boa qualidade, ainda estará dando o seu valioso
dinheiro a uma "boa causa", o que lhe conforta e às
vezes, até compensa o preço mais caro do produto.
O efeito cadenciado dessa estratégia agrega
benefícios às pessoas e, ao final, promove a
comunidade na qual a empresa está inserida. A
satisfação do consumidor se reverte na compra de novos
produtos, seguindo um círculo virtuoso.
A boa imagem passa a ser um elemento valioso e
imprescindível à saúde financeira das grandes empresas
e das multinacionais na acirrada concorrência do
mercado.
Observando por outro prisma, constata-se ainda outro
fenômeno no âmbito empresarial: o aparecimento dos
códigos de conduta. (CARDOSO, 2003, p.917-929)
Os códigos de conduta privados são documentos de
formalização do compromisso público assumido pelas
empresas de funcionar em observância às diretrizes de
responsabilidade social e ética. (CARDOSO, 2003,
p.917-929) Isso significa que a empresa se obriga a
respeitar as recomendações em matéria trabalhista,
emanadas, em regra, pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e a não destruir, pelo menos tão
irresponsavelmente, o meio ambiente do modo como antes
o fazia, além de outros compromissos de notória carga
social.
Essas declarações refletem, em
parte, a conscientização das empresas de que o Estado
sozinho está sendo incapaz de proporcionar à população
os benefícios sociais oriundos das políticas públicas.
Visto por um prisma mais amplo, é o resultado de uma
transferência da responsabilidade social do Estado
para a iniciativa privada. (CARDOSO, 2003,
p.917-929)
Dois fatores foram preponderantes, se não decisivos,
para justificar essa nova postura social adotada pelas
grandes empresas: o enfraquecimento da influência das
organizações de trabalhadores e dos governos diante do
mercado globalizado; e a pressão pública sobre as
atividades produtivas empresariais e os vários
impactos no meio ambiente e as condições de trabalho
por elas causados. (CARDOSO, 2003, p.917-929)
No âmbito empresarial, a assunção de obrigações
típicas estatais pelas empresas sinaliza uma época de
valorização dos direitos fundamentais do trabalhador e
de ampliação dos sujeitos responsáveis perante o
direito internacional. (CARDOSO, 2003, p.917-929) Como
agente transformador dos modos de produção, a empresa
exerce papel social decisivo na condição de vida de
milhares de trabalhadores.
Como assevera Luciane Cardoso (2003, p.918):
O reconhecimento universal de que as garantias dos empregados são deveres das empresas se manifesta em políticas gerais para as empresas, fixadas, por exemplo, pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) quando afirma que estas devem "respeitar os direitos humanos daqueles afetados pelas suas atividades".
O respeito aos direitos fundamentais
dos empregados representa um ganho social enorme para
a sociedade. O inverso, igualmente, repercute de forma
avassaladora. Nesse sentido, se a empresa se obriga
internacionalmente mediante códigos de conduta à
efetivação dos direitos do trabalhador, e os
descumpre, surge para a comunidade internacional a
legitimidade para exigir o adimplemento da obrigação
assumida em nível empresarial. Além disso, sendo os
códigos de conduta internacionais, seus efeitos se
operam no limite dos Estados nacionais. (CARDOSO,
2003, p.918)
Outra iniciativa louvável por parte das
transnacionais é a adoção dos chamados "selos sociais",
ou "selos de conduta". Estes selos, ou etiquetas, de
qualidade se revelam uma espécie de distintivo de
"boas práticas", todavia de forma mais eficaz. Isso
porque as empresas sujeitam todas as etapas de seu
processo produtivo a constante fiscalização que
garanta a qualidade de seu produto aos olhos do
consumidor. Os selos são, portanto, uma espécie de
"standards mínimos de respeito às condições de trabalho
dos trabalhadores envolvidos na produção". (CARDOSO,
2003, p.918)
Isso faz também com que a empresa chame a atenção de investidores, importadores, produtores e outros que queiram investir seu capital em ações relacionadas a uma certa causa social, o que, comprovadamente, já influencia o aumento da cotação do título em relação ao mercado especulativo.
Exemplo desses selos é a
certificação ISO (Internacional Standards
Organization), que seria uma espécie de padronização de
condutas mínimas de respeito às condições de trabalho
e todas as demais ecologicamente e politicamente
corretas.
Não fosse uma espécie de burla da própria norma
autônoma firmada, as iniciativas seriam mais eficazes
e honestas. É que a maior crítica que se faz às grandes
empresas e demais transnacionais adeptas de tais
condutas é que estas não chegam a mudar em nada suas
regras originais, sendo que os códigos de conduta
raramente vão além do empenho em não usar o trabalho
infantil e respeitar a lei nacional. (CARDOSO, 2003,
p.918)
Dessa forma, o que se supunha uma melhoria
implementada pela empresa não passa, muitas vezes, de
puro marketing, pois a empresa não chega a mudar em
nada suas disposições internas de política empresarial,
o que é uma vergonha, para não dizer propaganda
enganosa.
Apesar da triste constatação de que grande parte das
empresas é adepta dos pseudocódigos de conduta, ainda
permanece válida a idéia original de real implantação
de políticas de crescimento social e da promoção da
comunidade e dos trabalhadores, efetivadas por algumas
empresas.
Não é um ponto ótimo, mas é um passo para a mudança
em meio ao fosso que separa as realidades de vida das
grandes multinacionais e dos pequenos trabalhadores. É
o início de um caminho que pode ser bom para todo
mundo.
Esta é uma evolução do pensamento exclusivamente
capitalista, que agora passa a ganhar contornos de
responsabilidade social. É bom para a empresa, é bom
para a sociedade, é bom para o trabalhador.
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(*) Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade
Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais - PUC/MG e analista judiciária do
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região
(MG).