A coletivização das demandas,
regulamentada nas Leis 7347/85 (Lei da Ação Civil
Publica) e 8079/90 (Código de Defesa do Consumidor),
teve como uma das suas fontes de inspiração a
experiência da Justiça do Trabalho no manejo da ação
de cumprimento prevista no art. 872 da CLT. O
pioneirismo do processo do trabalho paradoxalmente não
se refletiu na franca recepção pelo Poder Judiciário
Trabalhista das demandas propostas sob o manto das
normas processuais supraferidas. Em pesquisa realizada
pelo Centro de Estudos Direito e Sociedade - IUPERJ
juntamente com a Escola Superior do Ministério Público
do Trabalho e Centro Universitário de Brasília -
UNICEUB, que envolveu a análise de 238 acórdãos
emitidos pelas Turmas e Seção I Especializada em
Dissídios Individuais do Tribunal Superior do
Trabalho, no período de janeiro de 1994 a junho de
2006, observou-se forte resistência das cortes laborais
às ações civis públicas propostas por sindicatos e
Ministério Publico do Trabalho.
Os dados obtidos reforçam o papel protagonista do
Ministério Publico do Trabalho na uniformização da
jurisprudência trabalhista em relação à tutela dos
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos,
uma vez que ele se apresenta como autor em cerca de
75% das ações civis públicas analisadas pelo TST. A
flexibilização e precarização das relações de trabalho
foi a matéria de fundo predominante nos acórdãos
proferidos, atingindo a marca de 52,89% das ações do
MPT e 46,39% do sindicato. As fraudes ao contrato de
trabalho, produzidas sob a roupagem de terceirização
ilegal, cooperativas fraudulentas ou contratos
atípicos de trabalho, inclusive em face da
Administração Pública, traduzem 34,17% (MPT) e 14, 28%
(sindicatos)dos casos, o que reforça o discurso do
Ministério Publico do Trabalho junto com outras
instituições pelo veto à Emenda 3 da Super-Receita. O
segundo tema mais freqüente diz respeito aos
procedimentos e equipamentos necessários para a fruição
de um meio ambiente de trabalho saudável e seguro, o
qual atinge o percentual de 12,03% (MPT) e 30,61%
(sindicato) das demandas, seguido pela defesa de
direitos fundamentais expressos nos princípios da
igualdade ou não-discriminação e liberdade sindical,
em percentuais inferiores a 8% cada um.
Os dados obtidos na pesquisa demonstram que os
Tribunais Regionais do Trabalho adotaram um
posicionamento mais restritivo na análise das ações
coletivas. Embora o percentual de decisões que
mantiveram a condenação de primeiro grau seja
dominante (28, 50%) em face das demandas com pedido
julgado improcedente (18%), seja pela manutenção ou
reforma da decisão, o órgão revisor reformou a
sentença para afastar questões de ordem processual em
favor do autor da demanda coletiva somente em 2% dos
casos contra 20% das demandas em que adotou tese
processual favorável ao réu. No mérito, os autores das
ações civis publicas não tiveram melhor sorte apesar de
a diferença ser menor: os réus foram vencedores em 39%
dos casos contra 35% a favor dos autores.
Chama atenção a predominância de temas processuais
nos acórdãos analisados. Um terço das decisões discute
principalmente a legitimidade ativa dos proponentes,
sendo que o Ministério Publico do Trabalho aparece
como recorrente em dois terços desses processos. O
quadro crítico ao parquet trabalhista felizmente se
inverte no TST, pois o Ministério Público do Trabalho
foi vencedor em 58% dos recursos apresentados nas
turmas com essa matéria. Importante destacar o
relevante papel do STF na transformação e sedimentação
dessa jurisprudência favorável tanto para o Ministério
Público do Trabalho quanto para o sindicato, por meio
do julgamento dos RE 213.015-0, em 08.04.2002, pela
2ª Turma do STF, que reconheceu a legitimidade do
Ministério Público para a defesa de interesses
individuais homogêneos, e o posicionamento das Turmas
do STF no MI nº 347-5-SC, no RE nº 202.063-0-PR e no
RE nº 182543-0-SP pelo reconhecimento da legitimidade
das entidades sindicais para representar todos os
integrantes da categoria, o que resultou no
cancelamento do Enunciado nº 310 do TST, em
25.09.2003.
Essas decisões de cunho processual repercutiram de
forma extremamente positiva para os autores das ações
civis publicas, pois a partir de 2004 o percentual de
decisões de mérito no TST favoráveis aos sindicatos se
salta de 4,17% para 29,17% mantendo-se nesse índice,
enquanto que as decisões de igual teor favoráveis ao
réu retraem em dois terços (de 18,75% passam para 6,
25%), estabilizando-se em 2005 e 2006 no patamar de
12,50%. As ações do MPT seguem a mesma influência, a
partir de 2003 o percentual de decisões processuais
favoráveis ao autor assume uma linha crescente,
configurando o dobro de decisões processuais
favoráveis ao autor em 2003 (26,09% contra 13,16%) e o
triplo em 2005 (30,43% contra 10,53%) e, nas decisões
de mérito, um terço a mais em favor do autor em 2003
(12,90% contra 9,38%) e o dobro em 2005 (25,81% contra
12,50%). Faz-se necessário o destaque também da
influência da Seção I de Dissídios Individuais do TST
nesse aspecto, uma vez que ao longo desses 12 anos os
seus julgados foram favoráveis aos autores em 23% dos
processos contra 8% favoráveis aos réus.
A pesquisa nos revela os entraves pelo qual passaram
(e ainda passam) os instrumentos de coletivização das
demandas trabalhistas mas também nos oferece um quadro
otimista da situação. Os dados obtidos sinalizam o
Tribunal Superior do Trabalho em um caminho mais aberto
ao exercício do princípio constitucional da jurisdição
como elemento de participação política dentro das
cortes trabalhistas, reforçando assim a idéia de
"comunidade de intérpretes" e de "Constituição aberta"
tão necessária ao Estado Democrático de Direito.
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(*) Procuradora do Trabalho da 10ª
Região