O inquérito civil é um procedimento
administrativo investigatório, de caráter inquisitivo,
instaurado e presidido pelo Ministério Público. Seu
objetivo é, basicamente, coletar elementos de convicção
para as atuações processuais ou extraprocessuais a seu
cargo. (MAZZILLI in MILARÉ, 2005, p.223)
Inicialmente ventilado pelo promotor de justiça
paulista José Fernando da Silva Lopes, em 1980, em
palestra proferida para um Grupo de Estudos da
Instituição, o inquérito civil possuiria como modelo
inspirador o já existente inquérito policial e seria
um procedimento investigatório realizado por organismos
administrativos a serem enviados ao MP como peças
fundantes da ação civil pública.
Apesar de não ter sido aprovado exatamente nos
moldes como proposto, o inquérito civil passou a
existir com a edição da Lei 7.347/85 (arts. 8º e 9º),
vindo posteriormente a ser consagrado na Constituição
como função institucional do Ministério Público (art.
129, III), além de elevar a status constitucional o
poder ministerial de efetuar diligências e requisições
(art. 129, VI e VIII) no procedimento inquisitorial.
A par da legislação já existente sobre o assunto,
foi o inquérito civil previsto também pela Lei
7.853/1989 (sobre a proteção às pessoas portadoras de
deficiência), pela Lei 8.069/1990 (que instituiu o
Estatuto da Criança e do Adolescente), pela Lei
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), pela Lei
8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público) e pela LC 75/93 (Lei Orgânica do Ministério
Público da União). (MAZZILLI in MILARÉ, 2005,
p.222)
A superveniência de novas leis prevendo o
instrumento investigatório só vem corroborar a
importância do inquérito civil como procedimento
prévio às ações cujo objeto tenham elevada relevância
social.
Na lição de Mancuso:
[...] esse inquérito é um instrumento destinado a possibilitar uma ?triagem? das várias denúncias que chegam ao conhecimento do Ministério Público: somente as que resultarem fundadas e relevantes acarretarão, por certo, a propositura da ação; de todo modo, a conclusão a que chegue o Ministério Público não é vinculante para a entidade denunciante. (MANCUSO, 1998, p.173)
A triagem ganha especial destaque,
sobretudo porque sua seleção equivocada poderá
enquadrar as eventuais denúncias e representações no
tipo do art. 19 da Lei 8.429/92, qual seja, crime de
representação por ato de improbidade contra agente
público ou terceiro beneficiado quando o autor da
denúncia o sabe inocente, com a conseqüente pena de
detenção de 6 a 10 meses e multa. No mesmo sentido o
art. 339 do Código Penal.
No cotejo do inquérito civil com o inquérito
policial, sua fonte inspiradora, despontam-se
importantes diferenças, a saber: a) o objeto do
inquérito policial é a apuração da materialidade e
autoria de infrações penais, para servir de base para
a denúncia ou a queixa (contrariamente, o objeto do
inquérito civil cinge-se à apuração de fatos que
embasem a atuação do parquet); b) no inquérito
policial, a despeito de ser o MP o titular privativo
da ação penal pública, as investigações
pré-processuais são conduzidas pela polícia, e as
informações são repassadas à instituição ministerial
(já no inquérito civil a condução da investigação é
feita diretamente pelo MP); e c) no inquérito
policial, o controle do arquivamento é feito pelo juiz
(no inquérito civil, a lei atribui o controle ao
próprio MP). (MAZZILLI in MILARÉ, 2005, p.223)
Sobre este último aspecto, ressalta-se que o
Ministério Público não requer o arquivamento do
inquérito civil. Ele simplesmente o determina,
havendo, todavia, a obrigatoriedade imposta por lei
(art. 9º, `PAR` 1º, da Lei 7.347/85) de remessa dos autos
ao Conselho Superior do Ministério Público, no prazo
de três dias, sob pena de se incorrer em falta
grave.
Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção
de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do
Ministério Público para o ajuizamento da ação (art. 9o,
`PAR` 4o, da Lei 7.347/85).
Uma vez arquivado o inquérito civil, nos casos em
que o membro ministerial não identifique nenhuma
hipótese de lesão a interesse que lhe incumba tutelar,
qualquer legitimado, e não apenas as associações (art.
9o, `PAR` 2o, da LACP), poderá manifestar-se nos autos
submetidos a exame do Conselho Superior do Ministério
Público, por força do direito constitucional de petição
(art. 5o, XXXIV). (NERY e NERY, 2003, p.1322)
Lembra-se que, mesmo tendo o membro do MP arquivado
a peça investigatória, pode ele reabrir o inquérito,
independentemente da superveniência de novas provas ou
não. Nos dizeres de Mazzilli:
[...] se surgirem novas provas em caso de inquérito civil já arquivado, nada impediria sua reabertura: afinal, o arquivamento do procedimento administrativo não cria direito subjetivo em favor da não-propositura da ação, que pode ser ajuizada mesmo sem novas provas, por qualquer legitimado. (MAZZILLI in MANCUSO, 2004, p.177)
Dentre outros méritos, o inquérito
civil carrega o trunfo de prevenir e, até mesmo,
desencorajar a prática de atos ilícitos em potencial
ou em andamento. Além disso, o uso dos termos de
ajustamento de conduta durante o inquérito civil (art.
5º, `PAR` 6º, da LACP), com força de título executivo
extrajudicial, tem o condão de fazer cessar o ato
ilícito praticado.
A propósito, a observação de João Batista de Almeida,
de que
[...] é maior o número de inquéritos civis, se comparado com o número de proposituras (de ações civis públicas). É que alguns (IC) são arquivados por falta de fundamentação e outros porque atingem, na via extrajudicial, o objetivo colimado, com o enquadramento à legalidade, o ajustamento de conduta e a correção de irregularidades, tornando despiciendo o recurso à via judicial. (MANCUSO, 1998, p.181)
O uso consciente do inquérito civil
atua diretamente na redução das lides temerárias. Por
intermédio deste valioso instrumento investigatório,
pode o membro do Ministério Público atuar de forma
intensa na conferência da veracidade e consistência dos
fatos apontados como ilícitos e danosos. Dessa forma,
evita-se o risco de ajuizar-se ação coletiva manca e,
logo, fadada ao insucesso.
O inquérito civil pode ser instaurado por portaria
expedida pelo órgão do Ministério Público ou a partir
de despacho por ele proferido em ofício, requerimento
ou representação. Em ambos os casos, não é necessário
que se desça a minúcias excessivas e irrelevantes da
situação, bastando que haja a indicação
suficientemente precisa e minuciosa quanto aos
elementos básicos que integrem o fato ilícito, objeto
da investigação. (MAZZILLI in MILARÉ, 2005,
p.224-229)
Apesar da inquestionável contribuição do inquérito
civil, não é ele indispensável à propositura da ação
civil pública. Outras peças, que não necessariamente o
inquérito civil, podem embasar o ajuizamento da ação
civil.
No mesmo sentido, a abertura do inquérito é
faculdade do Ministério Público, a teor do art. 8o, `PAR`
1o, da LACP, que dispõe que o MP poderá instaurar, sob
sua presidência, inquérito civil ou requisitar de
qualquer organismo público ou particular certidões,
informações, exames ou perícias no prazo que
assinalar, o qual não poderá ser inferior a dez dias
úteis.
Quanto à natureza do inquérito civil, há quem
sustente ser ele mero procedimento e há quem o
classifique como processo.
Na primeira posição, desponta Hugo Nigro Mazzilli,
para quem:
[...] o inquérito civil não é processo administrativo e, sim, mero procedimento; nele não há uma acusação nem nele se aplicam sanções; nele não se criam direitos nem se impõem sanções; nele não se limitam, nem se restringem, nem se cassam direitos. Em suma, no inquérito civil não se decidem interesses; não se aplicam penalidades; ele serve apenas para colher elementos ou informações com o fim de formar-se a convicção do órgão do Ministério Público para eventual propositura ou não das ações a seu cargo. (MAZZILLI in MILARÉ, 2005, p.233)
Concordamos com Mazzilli, para quem
o inquérito civil possui natureza jurídica de
procedimento, pois, não sendo um processo que contenha
um fim em si mesmo, não é contraditório, não lhe
cabendo ampla defesa, uma vez que não existe
tecnicamente uma acusação, nem sanções.
Para finalizar, a despeito dos incontestáveis ganhos
proporcionados pelo uso do inquérito civil,
instrumento relativamente novo de auxílio na promoção
de ações civis públicas, este não está isento de
críticas.
Registra Mazzilli que deve-se atentar para o fato de
que o inquérito civil tem de ser usado com moderação e
na plenitude a que se destina, pois não raro é
indevidamente utilizado para investigar critérios que a
lei colocou ao alvitre da esfera discricionária do
administrador.
Apesar de não ser peça acusatória, não deixa o
inquérito civil de desgastar a imagem dos
investigados, além de correr o risco de ser palco de
abusos cometidos pelo seu presidente, devendo ser
usada com sensatez e razoabilidade.
Em todos os casos de abuso na instauração do
inquérito civil deverá o responsável ser punido nos
termos da lei.
Por outro lado, se ainda existem ajustes a serem
feitos no uso do inquérito, não há como negar o
fortalecimento do poder investigatório do Ministério
Público em casos que estejam a reclamar sua
instauração.
O parquet agregou mais um instrumento de
aperfeiçoamento das investigações na promoção da
defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos, sendo-lhe facultada a apuração direta de
todos os elementos que possam contribuir para uma ação
civil pública segura e robusta de provas.
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(*) Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade
Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais - PUC/MG e analista judiciária do
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região