O brasileiro guarda a convicção de
viver em um Estado corrupto. A percepção de vivemos à
sombra da corrupção molda-nos como indivíduos e como
sociedade.
A corrupção assola-nos e desfavorece em cada pequeno
canto da vida cotidiana. Entreolha-nos por meio do
atendente quando nos sonega atendimento médico.
Tenta-nos em cada político que deixamos de votar.
Revela-se naquele em que votamos. Manifesta-se nas
formas mais inusitadas, tanto no campo público, como no
privado.
O conhecido sonho americano traduz-se na
possibilidade de qualquer se tornar um alpinista
social. O sonho brasileiro é vencer o estigma de ser
brasileiro.
A cultura da corrupção, note-se bem, não é
injustificada. Aprendemos que esta terra foi colonizada
por degredados e aproveitadores; que foi governada por
aproveitadores (que deixaram de ser degradados); que
ainda é governada por alguns aproveitadores (que devem
ser degredados).
Manchetes variadas nos cercam e assolam, como que a
confirmar esta idéia. A última destas manchetes diz
respeito à dita Operação Hurricane, da Polícia
Federal, que afirma ter descoberto ramificações da
chamada Máfia do Jogo dentro do Poder Judiciário.
Pertenço a este Poder e, nesta qualidade, recebi
várias manifestações alarmadas, de colegas e outros
conhecidos sobre os prejuízos à nossa credibilidade
decorrentes deste noticiário. A todos, respondi o
mesmo. Bem entendida a questão, nenhum.
É óbvio que há corrupção no Poder
Judiciário. Nenhuma instituição pública, com milhares
de agentes, no correr da história, ficou hermética à
podridão de caráter. A total extirpação da corrupção
requereria reinventar a natureza humana.
O que deve ser valorado, aqui, é se os mecanismos de
repreensão a este tipo de conduta estão funcionando e
se a corrupção é endêmica ao Poder.
Como cidadãos, devemos deixar de praguejar e começar
a nos regozijar com a derrocada daqueles que desviam,
criminosamente, os fins da máquina pública. Estes
eventos são provas de vitalidade das instituições, da
imprensa e, em última análise, da sociedade. O silêncio
é o manto que todo o prevaricador deseja.
Concomitantemente ao júbilo com estes episódios,
devemos perguntar se hoje é provável que qualquer
pretensão que levemos à análise do Poder Judiciário
seja apreciada por um corrupto. Possível? Talvez sim,
conforme já fundamentei. Provável? Não.
Os magistrados e servidores que compõem o referido
Poder demonstraram efetiva aptidão técnica em severos
concursos públicos de provas e títulos. Muito embora
não tenha sido ainda inventada uma prova que mensure
aptidões morais mínimas, resta a certeza de estarmos em
um caminho lento, mas correto, de prover o Estado com
servidores escolhidos com base em méritos. Um Estado
no qual a meritocracia torne-se expressão de justiça e
onde a corrupção seja reduzida ao que deve ser, uma
mera anomalia. Não nos esqueçamos que, há menos de
trinta anos, estávamos atolados em uma ditadura.
Ao sair de manhã carregando um jornal onde estão
plasmados os rostos de corruptos e corruptores, ainda
assim, estejam onde estiverem, devemos sorrir e deixar
soprar o vento da democracia.
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(*) Juiz do Trabalho da 4ª região