O Supremo Tribunal Federal, com a decisão proferida no último dia 25 de outubro, por ocasião do julgamento dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, reconhecendo o direito de greve aos servidores públicos e determinando a aplicação da Lei 7.783/89, provocou uma transformação paradigmática no sistema de relações coletivas de trabalho no serviço público, sinalizando na direção do reconhecimento pleno dos direitos coletivos dos servidores públicos, compreendendo aí a plena liberdade sindical, a deflagração de conflitos coletivos e a negociação coletiva.
Essa nova perspectiva decorre de as categorias "sindicato", "greve" e "negociação" encontrarem-se em regime de complementaridade, haja vista que a face coletiva da liberdade sindical é a autodeterminação, baseada no princípio da autonomia coletiva. Logo, tendo o STF reconhecido o direito à greve, deriva daí como conseqüência necessária o direito à negociação coletiva, pois o direito de greve é inconcebível e até absurdo sem a possibilidade de negociar um acordo que possa por termo ao conflito. Ademais, a negociação, assim como a greve, integra o conteúdo essencial da liberdade sindical, na medida em que seria impossível a existência de sindicato de servidores na ausência da greve ou da negociação, pois se o direito assegura a vida dos sindicatos é para que lutem pela realização de seus fins.
O precedente do STF, além de reconhecer o direito à greve, deve ser entendido como uma ruptura do modelo de não-negociação para um sistema de negociação coletiva no serviço público. A nova perspectiva impõe o reconhecimento da negociação coletiva como instrumento essencial para a definição das condições de trabalho no setor público. Com esse novo modelo de função pública, passa-se de uma concepção unilateral, estatutária, autoritária, a um modelo contratual, bilateral, consensual, em que as condições de trabalho passam a ser fixadas prioritariamente através da negociação coletiva com a efetiva participação dos sindicatos.
Não se trata de negociação meramente consultiva, pré-legislativa, destinada à elaboração compartilhada de anteprojeto de lei, preservando a discricionariedade do poder público. Conquanto admissível esse tipo de negociação para certas matérias, urge a implementação de um modelo de negociação vinculante, em que a administração e os servidores alcançam o consenso visando à regulação das condições de trabalho por meio de ato bilateral, formalizado através de contrato coletivo, com eficácia jurídica plena, que passa a integrar a ordem jurídica independente da intervenção superveniente do parlamento. O contrato coletivo daí resultante deve ser dotado de efeitos normativos e obrigacionais, que obrigam tanto a administração como os servidores, desfrutando de eficácia geral, com as características de imediatidade, imperatividade e inderrogabilidade.
Admitida a negociação coletiva, observa-se que os direitos coletivos dos servidores, constituindo direitos, têm seus limites configurados, sujeitando-se a peculiaridades e especificidades. Necessário, portanto, a definição da estrutura negocial básica, de modo que a negociação possa desenvolver-se dentro de marcos previamente assentados. Deve então haver a institucionalização do processo negocial através da definição de fases e procedimentos próprios, contemplando os tipos, sujeitos, matérias, procedimentos, resultado, efeitos dos instrumentos e sistema de composição dos conflitos. Esta estruturação deve adequar-se às peculiaridades e especificidades do serviço público, mas não pode desvirtuar o conteúdo essencial da negociação coletiva.
Este o caminho necessário para a superação de conflitos coletivos de trabalho no setor público no contexto de uma sociedade plural, democrática e participativa. Alguns dirão que ainda não existe o caminho. A resposta está no poeta espanhol
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(*) Presidente do TRT/PI, Mestre e Doutorando em Direito