As alterações no mundo do trabalho afetam a toda a sociedade. Isso ocorre especialmente com os próprios trabalhadores, sejam subordinados (empregados) ou não. Um das mudanças propostas e por demais defendida pela mídia gaúcha é a chamada pessoa jurídica individual. Certas pessoas, especialmente ligadas à gerência de empresas ou mesmo de serviços especializados, poderiam, em vez de vincularem-se como empregados, o fazer através de uma pessoa jurídica individual o que, segundo estes mesmos meios de comunicação, seria mais vantajoso.
Ocorre que mesmo economicamente isso não traz vantagens ao trabalhador. Não há aumento significativo de remuneração entre aquele pago conforme as regras da CLT e a nota fiscal. O empregado celetista possui uma série de garantias, trazidas a duras custas e que o trabalhador pessoa jurídica não teria. É ilusão pensar que haverá possibilidade de se negociar com o patrão. A concorrência neste mercado de trabalho é a mesma da contratação pela CLT, ou seja, caso não haja adaptação do trabalhador às regras impostas pela empresa, esta não procederá na contratação, vinculando-se a outra pessoa que aceite suas normas. Não há alteração no mundo do trabalho. Há apenas redução de custos para as empresas e precarização à classe trabalhadora.
Outra falácia também muito repetida pela mídia é a que diz que uma das causas da quebra das empresas são os direitos trabalhistas. Não são. Segundo Oscar Ermida Uriarte, jurista uruguaio, em sua obra Flexibilidade, o custo do trabalho tem ínfima participação sobre o custo total da produção. Aduz que este custo, nos países da América Latina, fica em torno de dez por cento. Nossa realidade permite, portanto, concluir-se não ser o custo do trabalho o causados dos males a que estão, em grande parte, cometidas as empresas.
Reduzir e flexibilizar é o mesmo que escravizar. A diferença é que o escravo tinha e nos vários lugares do Brasil em que ainda ocorre, tem a consciência de sua escravitude. O trabalhador moderno, mesmo escravo, não tem esta consciência. Acredita, isso fruto de uma propaganda ideológica burguesa enganosa, que trabalha de forma livre e que pode negociar seus salários com seu empregador.
Ainda deve ser lembrado que mesmo que o legislador quisesse criar as pessoas jurídicas individuais (PJ) isso não seria possível. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7, I, preceitua que "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social: I - relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá a indenização compensatória, entre outros direitos" (grifei). Como pode ser visto, a regra para o trabalho por conta alheia é a relação de emprego. A lei ordinária ou mesmo complementar não pode criar um mecanismo que afaste a contratação de trabalhador subordinado daquele que trabalha por conta alheia. Pode prever a intermediação de mão-de-obra, o que faz nos casos de vigilância e serviços de asseio e limpeza, onde há vinculo de emprego, mas com o prestador.
Isso quer dizer que em havendo labor subordinado, não há espaço para a contratação, por força da CF/88, que não seja com vínculo de emprego direto para com o tomador (salvo asseio, limpeza e vigilância que têm lei e que não afastam o vínculo de emprego), o que impede qualquer acerto entre empresa e trabalhador através de pessoa jurídica individual.
Para aqueles que não aceitam este argumento e que imaginam que o direito deve adaptar-se à realidade, há um argumento que pode fazê-los pensar. Se o direito deve assim agir, permitindo a flexibilização de conceitos constitucionais por lei ordinária, poderia perfeitamente flexibilizar o conceito de dignidade humana, propriedade e mesmo democracia, voto direto e, pior, de pessoa humana, o que já foi feito em tempos passados com conseqüências terríveis para a humanidade.
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(*) Juiz do trabalho