Por Noemia Porto - Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho; e Viviane Leite - Diretora de Assuntos Legislativos da Anamatra
Apresentar expectativas racionais para 2020 é viável a partir do que se pôde concretamente observar em 2019, o primeiro ano da nova legislatura e do mandato presidencial.
O ano legislativo de 2019 trouxe à baila um tema de profundo retrocesso, como se ainda fosse pertinente, representado pela discussão sobre a existência de um Judiciário Especializado voltado a dar respostas às demandas pela concretização de direitos sociais de conteúdo trabalhista. Pretendia-se a apresentação de PEC para extinguir a Justiça do Trabalho. Nesta linha, vários discursos foram proferidos no parlamento, calcados sobre equivocados argumentos de que a Consolidação das Leis do Trabalho possui normas defasadas, sem acompanhar as mudanças do mundo do trabalho e sobre a influência do Judiciário Trabalhista nas questões econômicas das empresas.
As pautas das Comissões de Constituição e Justiça e das Comissões do Trabalho e Seguridade Social, de ambas as Casas Legislativas, já seriam suficientes para desmistificar alguns desses argumentos, considerando a infinidade de projetos que tramitam propondo mudanças na legislação especializada, apesar do redesenho, e do seu impacto, do sistema trabalhista ocorrido em razão da reforma estabelecida pela Lei 13.467, com vigência a partir de novembro de 2017. A Justiça do Trabalho integra o Poder Judiciário da União, com a delimitação da sua competência, conforme disposição contida nos artigos 111 e 114 da Constituição Federal. Indiscutível a sua produtividade e resposta aos jurisdicionados, conforme números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, impondo a conclusão de que as críticas que lhe são dirigidas se embasam na sua efetividade na prestação da justiça, e não em razão da sua inércia.
A tentativa do seu enfraquecimento não pode estar dissociada da profunda relativização dos direitos sociais, demandados por inúmeros projetos legislativos, que, se aprovados, provocarão um agravamento das desigualdades sociais que maculam e comprometem a democracia brasileira. Também não se descarta, como um razão ponderável que alimenta esse tipo de retrocesso, o fenômeno de se reproduzir o senso comum formado nas mídias sociais, sem maiores reflexões ou embasamentos técnicos, podendo ser citado o de que a existência da Justiça gera desemprego. A valorização do Judiciário Trabalhista é tema recorrente e de profunda relevância na manutenção do equilíbrio entre capital e trabalho, associado a uma magistratura independente e valorizada, tanto sob o ponto de vista remuneratório, como das suas prerrogativas de atuação. Não há direitos fundamentais sem um Judiciário que possa garanti-los efetivamente. Por isso, essas prerrogativas não pertencem aos membros da carreira, mas à sociedade. A oportunidade que se revela, como pauta positiva, de avanço institucional, são os projetos de ampliação da competência da Justiça do Trabalho que podem e devem ser priorizados, em face de matérias que a magistratura trabalhista se encontra qualificada a apreciar e que envolvem questões diretamente relacionadas à cidadania no e para o trabalho.
A Reforma da Previdência (EC 103/2019), a MP da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) e a MP 905/2019 (Contrato “Verde e Amarelo”), dentre outros, são apenas alguns dos exemplos para observação de uma magistratura que não se manteve inerte, sempre disposta, através da sua entidade representativa, a contribuir com o debate público, se manifestando em todas as discussões sobre a valorização do Judiciário e dos direitos sociais, razão de ser da existência de um ramo jurídico especializado. A relativização dos direitos e garantias das carreiras de Estado, inclusive sob o aspecto remuneratório, é mais um elemento que serve para descortinar um cenário político em que está colocada a tentativa do enfraquecimento da atuação judicial independente, como é possível constatar com a aprovação da Lei 13.869/2019 (Abuso de Autoridade).
A PEC 186/2019, que desvincula os subsídios da magistratura daqueles dos membros do Supremo Tribunal Federal é medida que se configura nessa linha, pois, se aprovada, comprometerá o princípio estruturante de unicidade remuneratória da magistratura brasileira. Lançada uma observação em retrospectiva sobre a Justiça do Trabalho, os direitos sociais e a magistratura é importante centrar esforços para o novo ano legislativo que se inicia. Há uma expectativa de que pautas positivas passem a orbitar a preocupação cotidiana dos poderes constituídos. Assim, projetos que flexibilizam os direitos sociais demandam profundas discussões pelo parlamento, que já deu mostras da compreensão de que mudanças, como as implementadas pela Lei 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”), não geram emprego e renda ou postos de trabalho com o mínimo de proteção, tanto que seguem amplas discussões sobre a MP 905/2019, que cria o contrato verde e amarelo contemplando redução e precarização de direitos. Esse juízo crítico justificou a apresentação de número recorde de emendas parlamentares, que pendem de discussão.
No campo do reforço à necessidade de aprovação de projetos de valorização da magistratura, que respaldam a independência funcional, merece destaque a PEC 63/2013, que promove a valorização do tempo de serviço e recebeu assinaturas suficientes para se seguissem os debates nesta legislatura, assim como a PEC 15/2012, que trata do urgente tema da democratização do Poder Judiciário. São, em suma, expectativas de que ocorram debates parlamentares sob a premissa das demandas por dignidade no mercado de trabalho, que valorizem todos os Poderes da República e que considerem o papel fundamental que a magistratura exerce numa República.