A Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 alterou profundamente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Dentre as alterações, destaca-se a nova disciplina do teletrabalho, por meio da criação do Capítulo II-A. Embora tenha havido nítida inspiração no Código do Trabalho Português, o legislador preferiu negligenciar algumas proteções previstas em terras lusitanas.
O art. 75-B a CLT passa a considerar como teletrabalho “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.
Apesar da redação de difícil leitura, pode-se perceber que o Legislador Brasileiro foi mais restritivo no conceito de teletrabalhador. Para a CLT, o operário que labora externamente, ou seja, o vendedor externo, o motorista, o trocador, os ajudantes de viagem, dentre outros, que não possuem um local fixo para exercer suas atividades, não são teletrabalhadores. Isso porque são considerados externos e podem vir a ser enquadrados na disposição do art. 62, inciso I da CLT, ainda que utilizem equipamentos informáticos, como palms, smartphones e rastreadores via GPS para se comunicar com o empregador.
Por outro lado, estará no regime jurídico do teletrabalho quem exercer, na maior parte do tempo, suas atividades extramuros empresariais, mas, via de regra, em um local específico, sem a necessidade de se locomover para exercer suas atividades. Por exemplo, residência própria, biblioteca, cafeteria, mas desde que utilizando das tecnologias da informação e telecomunicação, especialmente por meio da internet, como email, Whatsapp, Facebook, para recebimento e envio das atribuições ao empregado.
De forma perversa, o legislador incluiu no inciso III do art. 62 da CLT o teletrabalhador, de modo a retirar a proteção à jornada, desconsiderando o grande avanço tecnológico que permite atualmente aos empregadores controlar a localização exata do trabalhador, as atividades que estão sendo desempenhadas e os horários de início e fim.
A regra no direito brasileiro é a jornada de 8 hs. diárias e 44 hs. semanais, prevista no art. 7°, da CF/88, sem distinção. Além disso, há o parágrafo único do art. 6° da CLT, que equipara o controle telemático e informatizado à supervisão direta do empregador.
Assim, para se atribuir uma interpretação conforme à Constituição, de modo a compatibilizar os dispositivos da CLT, o inciso III do art. 62 deve ser compreendido como: encontram-se excluídos da proteção da jornada os teletrabalhadores que não possuem nenhuma forma de controle do tempo de trabalho. Isto é, aqueles empregados que iniciam e terminam suas atividades no horário que bem entenderem, com total liberdade. A cobrança patronal é feita por meio de metas e resultados, sem acompanhar os momentos em que a atividade está efetivamente sendo desempenhada.
Os teletrabalhadores que sofrerem vigilância dos períodos de conexão, controle de login e logout, localização física, pausas ou ligações ininterruptas para saber o andamento dos trabalhos, especialmente se de forma periódica, estão enquadrados na disposição do art. 7° da CF/88 e no art. 6°, parágrafo único da CLT e possuem direito à proteção da jornada, inclusive eventuais horas extras.
O fato de eventualmente o empregado ir na empresa não afasta sua condição de teletrabalhador, pois o contato esporádico é salutar até para se evitar o isolamento total e estimular o convívio social entre colegas ou treinamento e, porventura, entrega de documentos pessoais ou profissionais. O que não pode acontecer é a exigência contínua de comparecimento ao ambiente de trabalho que se equipare a um controle diário e fixo de forma camuflada. Havendo um simples agendamento para melhor organizar as atividades, não há descaracterização do regime de teletrabalho.
No parágrafo primeiro do art. 75-C previu-se que para o início do teletrabalho é necessário mútuo acordo. Porém, o parágrafo segundo afirma que o empregador pode determinar, sem anuência do obreiro, o retorno do empregado ao ambiente empresarial. A disposição conflita com o art. 468 da CLT, que exige bilateralidade nas alterações contratuais, em razão do princípio da inalterabilidade contratual lesiva, bem como por força do art. 7° da CF/88 que diz que os direitos devem visar a melhoria da condição social do trabalhador.
Nesse contexto, entende-se que o parágrafo segundo deve ser lido à luz do princípio da inalterabilidade e da CF/88. Assim, apenas se o teletrabalhador entrar em acordo com o empregador é que poderá retornar ao ambiente intramuro empresarial, garantindo-se o prazo de transição mínimo de quinze dias. Essa é a determinação do art. 166, item 6, do Código do Trabalho de Portugal , aplicável como direito comparado por força do art. 8° da CLT.
Em relação ao art. 75-D da CLT, observa-se que não ocorre a transferência para o empregado das despesas relativas à atividade, pois essas são do empregador, pelo princípio da alteridade. Apenas determina-se que o reembolso das despesas deve ser previsto em contrato escrito. Por isso, deve ser disciplinado o prazo para os pedidos de reembolso por parte do trabalhador, os documentos que serão necessários e a disponibilidade de equipamentos e material que podem ser adquiridos ou se o empregador realizará a aquisição diretamente, como prevê claramente o art. 168, item I, do CT de Portugal.
Diante das considerações supra, nota-se que o legislador não cumpriu a finalidade de proteção jurídica ao teletrabalhador, uma vez que questões essenciais da relação de trabalho são todas remetidas ao contrato entre as partes, o que impõe à maioria dos empregados brasileiros a subsunção às ordens empresariais, sob o receio do desemprego iminente.
É preciso refletir se a reforma atinge os fundamentos da República Federativa do Brasil de preservar a dignidade da pessoa humana e atribuir valor social ao trabalho, art. 1°, incisos III e IV da CF/88. Na parte do teletrabalho, não se protege o trabalhador como parte hipossuficiente da relação. Ao contrário, buscou-se livrar o empregador da observância do direito constitucional do trabalhador à proteção da jornada, submetendo-o à uma perigosa hiperconexão digital, sem o correspondente pagamento por parte dos donos da produção, o que é preciso ser alertado à sociedade brasileira.
[2] 6 - O trabalhador em regime de teletrabalho pode passar a trabalhar no regime dos demais trabalhadores da empresa, a título definitivo ou por período determinado, mediante acordo escrito com o empregador. (grifou-se).
[3] Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. (grifou-se).
[4] 1 – Na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respetivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas. (grifou-se).
Referências:
BRASIL. Consolidação das leis do trabalho (1943). Consolidação das leis do trabalho. 37. ed. São Paulo: LTr, 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 22 de setembro 2015.
BRASIL. Lei Nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, de 14 jul. 2017.
BRATEFIXE JUNIOR, Antonio Carlos. O teletrabalho e a reforma trabalhista. CONVERGÊNCIA DIGITAL, Brasil, mai. 2017. Disponível em: <http://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=site&infoid=45151&sid=15>. Acesso em: 26 jul. 2017.
MIZIARA, Raphael. Reforma não permite que empresa transfira custos de home office ao trabalhador. Conjur, Brasil, jul. 2017. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jul-25/raphael-miziara-reforma-nao-livra-empregador-custos-teletrabalho>. Acesso em: 26 jul. 2017.
PORTUGAL. Código do Trabalho (2009). Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fev. de 2009. Disponível em: <http://www.act.gov.pt/(pt-PT)/Legislacao/Codigodotrabalhoatualizado/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 09 dez. 2016.
*Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região. Ex-Auditor Fiscal da Previdência Social e da Receita Federal do Brasil. Doutorando em Direito pela UFMG. Mestre em Direito Privado, com ênfase em Direito do Trabalho, pela PUC- MG, pós-graduado em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo IDP - Brasília. Professor Universitário e de Pós-Graduação.