O Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada esta semana, decidiu que o poder público deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos. Considerou necessário o corte de ponto para a adequada distribuição dos ônus inerentes à instauração da greve e para que a paralisação, que gera sacrifício à população, não seja adotada pelos servidores sem maiores consequências.
O precedente do STF tem consequências devastadoras para o movimento sindical. Diante da ameaça de corte de ponto e de supressão de salários, elimina na prática o direito de greve dos servidores. Além disso, fortalece o autoritarismo, liberando os governos do dever de negociar com os servidores. A decisão reflete a falta de compreensão do papel essencial que a greve exerce como instrumento de luta por mais e melhores direitos e em defesa da ampliação e melhoria da qualidade dos serviços públicos.
A Suprema Corte revela desconhecer que todas as democracias contemporâneas consagram o direito de greve e estabelecem meios de promover e garantir seu efetivo exercício. Mostra desconhecer que a greve, por definição, é um instrumento de luta, reconhecido pelo art. 9º da Constituição em redação simples e direta: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender”.
Reconhecido pela Constituição, o exercício regular do direito de greve não pode comprometer o mais básico de todos os direitos, que é o direito à própria sobrevivência. Isso porque o seu exercício somente se torna real e efetivo quando assegurado o pagamento dos salários durante o período de paralisação. Assim, o exercício do direito de greve pelos trabalhadores não autoriza a supressão dos salários e os descontos futuros estão condicionados à declaração judicial de ilegalidade da greve, cuja avaliação dos riscos cabe exclusivamente aos trabalhadores.
Para compreender a real motivação da decisão do STF, necessário observar que num país marcado pela desigualdade e pela distribuição injusta de poder e riqueza, as greves exerceram papel decisivo para a construção do atual sistema de proteção social. Mas o direito de greve contrapõe-se ao movimento em curso, gestado no Palácio do Planalto, de negação da ordem constitucional democrática, includente e emancipatória. Nessa lógica, seria natural a extinção da possiblidade de greves, privando os trabalhadores do único meio para denunciar e combater a eliminação ou redução de seus direitos.
A operacionalização desse movimento depende em grande medida de alterações constitucionais e legais. Parte delas sujeita ao complexo processo de deliberação do Congresso Nacional. Parte demanda apenas a atuação da Suprema Corte, em processo mais simples, rápido e de menor desgaste político, por meio de interpretação jurídica restritiva de direitos. Nesse contexto, o STF, ao eliminar na prática o direito de greve dos servidores públicos, transforma-se em braço auxiliar do Governo Temer, legitimando o avanço da escalada para o desmonte das conquistas sociais.
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