STF registra aumento anual no número de reclamações constitucionais a decisões sobre direito do trabalho desde 2022; Corte fechou acordo com Tribunal Superior do Trabalho para reduzir litigiosidade, mas não houve resultado; tribunais não se manifestaram
BRASÍLIA - A decisão do decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, de suspender todas as ações em curso no País sobre "pejotização" tem como pano de fundo o aumento exponencial no número de reclamações às decisões da Justiça do Trabalho e um acordo firmado entre o STF e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) para pacificar os embates, mas que não surtiu o efeito esperado. Em geral, essa ações apontam que a Justiça especializada estaria desviando-se do cumprimento da reforma trabalhista.
Nos últimos oito anos houve crescimento regular, com exceção de 2021, no número de reclamações. Esse tipo de ação permite ao STF derrubar decisões ou atos administrativos de outras instâncias e diferentes ramos do Poder Judiciário que violem súmulas vinculantes e precedentes.
Sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília Foto: Aldo Dias/TSTEm 2018, ano seguinte à reforma trabalhista, foram apresentadas ao STF 1.424 reclamações relacionadas ao direito do trabalho e civil. No último ano, o número saltou para 6.160, de acordo com dados do painel Corte Aberta. O único ano que registrou queda no número de ações em relação ao ciclo anterior foi 2021, quando houve 2.621 reclamações.
Os motivos para a quantidade de reclamações envolvem, na maioria dos casos, questionamentos sobre as interpretações que a Justiça dá às novas relações de trabalho ou mesmo em relação a decisões sequenciais pró-trabalhador. Alguns ministros do STF têm criticado a maneira com que decisões desse tipo têm sido proferidas na esfera trabalhista do Poder Judiciário.
Em contrapartida, alguns membros da Justiça do Trabalho atribuem o aumento das reclamações à ampliação da jurisprudência do STF, que passou a permitir, em alguns casos, a apresentação deste tipo de ação sem que todos os recursos tivessem se esgotado nos tribunais especializados.
Enquanto decisões da Justiça do Trabalho, baseadas em antigas súmulas da Justiça especializada, fazem uma defesa mais acirrada da carteira assinada, o STF tem decidido por permitir outras modalidades que vão além do contrato tradicional via CLT e rejeitando o vínculo de emprego a profissionais que atuam como PJs.
Foi de olho nessa curva ascendente, que também vinha se transformando em motivo de atrito com as Cortes trabalhistas, que o STF fechou em 2023, sob Presidência da ministra Rosa Weber, um acordo de cooperação técnica com o TST. O documento tinha como objetivo "reduzir a litigiosidade e a atuação jurisdicional repetitiva em ambas as Cortes".
O acordo previa a criação de um plano de trabalho e o compartilhamento rápido de informações que poderiam servir para identificar temas de "precedente qualificado", que são teses e jurisprudências obrigatórias de serem seguidas pelas instâncias inferiores.
Em 2024, o STF, sob a Presidência de Luís Roberto Barroso, e o TST, presidido por Lelio Bentes, atualizaram os termos do acordo para dar ainda mais celeridade e eficiência ao compartilhamento de informações entre as duas instituições. Procurados, o STF e o TST não responderam quais foram os resultados obtidos com o acordo em mais de dois anos de existência.
Para o juiz do trabalho Otavio Calvet, o acordo entre STF e o TST demonstrava a vontade das cortes de reduzir a litigiosidade por meio da criação de precedentes qualificados, mas, em sua avaliação, houve demora da instância máxima da Justiça do Trabalho na construção dessas teses.
"O TST já tinha uma afetação para a criação de teses vinculantes, que agora vai ficar suspensa pela decisão do ministro Gilmar Mendes. O acordo teve essa finalidade que já estava no caminho de ser cumprida", afirmou.
Segundo Calvet, o acordo passaria a ser mais efetivo sob a Presidência do ministro Aloysio da Veiga no TST, que focou em mudanças no regimento interno para facilitar a criação de precedentes. Porém, ele pondera que a demora para a aplicação dessas medidas impediu o fim dos conflitos com o STF pela via administrativa entre os dois tribunais.
"A partir do momento que você fixa uma tese como vinculante, que as instâncias inferiores são obrigadas a seguir, consegue-se fazer uma espécie de barreira para não chegar todo tipo de ação pulverizada, via reclamação constitucional, ao Supremo, inclusive neste tema de pejotização", seguiu.
A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, considera que o acordo firmado entre o TST e o STF, nos termos descritos, seria uma forma de reduzir o número de reclamações e pacificar a relação entre os dois tribunais.
Conforti aponta que a Justiça do Trabalho já caminhava nesta direção e justifica que o aumento das reclamações nos últimos anos está relacionado a múltiplos fatores, como a rotatividade dos postos de trabalho nos últimos anos, o descumprimento da legislação trabalhista, o surgimento das novas formas de trabalho e as mudanças na jurisprudência do STF.
"A Justiça do Trabalho tem demonstrado empenho para a uniformização da sua jurisprudência, o que vinculará os 24 Tribunais Regionais do Trabalho, inclusive os temas terceirização e pejotização estão em discussão no TST para essa finalidade", argumentou.
Em contrapartida, o professor de direto do trabalho da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Renato Fernandes da Silva avalia que o acordo se restringiu apenas ao âmbito administrativo e não teria capacidade de alterar a crise entre o Supremo e a Justiça do Trabalho. "Muitos juízes na base prolatam decisões rebeldes, que não seguem as decisões do STF. É um sistema que gera uma situação de insegurança jurídica e instabilidade", avaliou.
Ainda em sua avaliação, a decisão do ministro Gilmar Mendes abriu caminho para pacificar a questão por meio de uma decisão colegiada do STF.