A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender ações trabalhistas que discutem vínculo de emprego em contratos por meio de pessoa jurídica - a chamada pejotização - acendeu um debate nacional sobre os limites da Justiça do Trabalho, a segurança jurídica das empresas e os direitos dos trabalhadores.
De um lado, juízes trabalhistas alertam para o risco de paralisação de milhares de processos e possível esvaziamento da Justiça do Trabalho. De outro, especialistas em direito empresarial veem a medida como necessária para garantir clareza e previsibilidade nas contratações.
Justiça do Trabalho preocupada com paralisação de processos
Para a juíza Luciana Conforti, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a decisão causa insegurança tanto para empresas quanto para trabalhadores, especialmente os mais vulneráveis. "Estamos falando de milhares de ações envolvendo trabalhadores que não têm qualquer condição econômica para esperar o tempo que esses processos podem levar", afirmou.
Segundo ela, a suspensão abrange os 24 Tribunais Regionais do Trabalho e afeta ações sobre vínculos não reconhecidos formalmente pelas empresas, inclusive de trabalhadores que atuam como autônomos, mas em condições típicas de emprego. "Nos preocupa essa suspensão generalizada, porque a Justiça do Trabalho tem competência constitucional para analisar se há ou não vínculo, caso a caso", disse.
Luciana lembra que a decisão se baseou em um caso em que a própria Justiça do Trabalho não reconheceu vínculo de emprego. "Foi uma ação de um corretor de seguros julgada improcedente. O trabalhador recorreu, e esse caso foi escolhido como representativo. Isso mostra que a Justiça do Trabalho analisa adequadamente os fatos."
Segurança jurídica para as empresas, diz professor do Insper
Na visão do professor Jorge Matsumoto, especialista em direito do trabalho e professor de pós-graduação do Insper, a decisão do STF busca justamente trazer clareza a um cenário confuso. "O Supremo quer definir duas coisas fundamentais: quem deve julgar essas ações e quem tem o ônus da prova", explica.
Para ele, o problema não está no modelo de contratação via PJ, mas na falta de critérios objetivos. "O STF quer saber se a Justiça do Trabalho deve julgar esses casos como vínculo de emprego ou se é a Justiça comum, que analisa contratos de prestação de serviços", diz. Outro ponto, segundo ele, é saber se cabe ao trabalhador provar que houve fraude ou se é a empresa que deve comprovar que o contrato foi lícito.
Matsumoto acredita que a paralisação, embora incômoda, é um mal necessário. "É uma medida temporária, e uma vez definidos os critérios, os processos podem seguir. O STF agiu com acerto."
Liberdade de contratação X proteção ao trabalhador
O professor também destaca que a decisão de Gilmar Mendes segue uma linha de valorização da liberdade econômica. "Ele tem um entendimento firme de que os contratos de prestação de serviços são válidos, e não devem partir da presunção de ilegalidade, como tem feito a Justiça do Trabalho", defende.
A juíza Luciana, no entanto, faz um alerta: "Essa discussão não se limita a profissionais liberais. Estamos vendo casos em que até garis são contratados como PJ. Isso afeta diretamente trabalhadores que dependem daquele vínculo para garantir o sustento da família."
O que esperar daqui para frente
A decisão do ministro Gilmar Mendes foi monocrática e deverá ser analisada pelo plenário do Supremo. A expectativa, segundo Matsumoto, é que o julgamento aconteça até o final do ano, embora não haja prazo definido. "Enquanto isso, cerca de 500 mil processos seguem suspensos."
A Anamatra espera que a suspensão seja revista para que os processos possam continuar tramitando. "Esperamos que o ministro reconsidere essa suspensão, para que a Justiça do Trabalho continue exercendo sua missão constitucional", afirma Luciana.