O ministro Flavio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF) / Créditos: Gustavo Moreno/SCO/STF
Uma hora depois da posse como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), na última quinta-feira (22/2), Flavio Dino foi sorteado como relator de sua primeira reclamação (RCL) na Corte. Trata-se da RCL 65.931, ajuizada pelo Hospital São Lucas de Niterói Assim Medical contra decisões da 4ª Vara do Trabalho de Niterói e da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1) que reconheceram o vínculo de emprego com um médico intensivista.
Esta será a primeira oportunidade para Dino se posicionar sobre as reclamações contestando decisões da Justiça do Trabalho que estão chegando ao Supremo.
Dino já se manifestou sobre a repercussão geral do RE 1.446.336, que discute se existe vínculo de emprego entre os motoristas e o aplicativo de transporte Uber.
O novo ministro concordou com o relator, ministro Edson Fachin, que votou pela repercussão geral do tema. Fachin afirmou que existem mais de 10 mil ações desse tipo no Judiciário brasileiro. Para ele, a matéria tem importância econômica, jurídica e social não só no Brasil como em todo o mundo. Além do relator, apenas Dino votou no caso. O julgamento vai até o dia 1º de março.
A reclamação que está no gabinete de Flávio Dino
Na reclamação, o Hospital São Lucas reclama da decisão trabalhista no processo 0100017-75.2019.5.01.0244, que reconheceu vínculo de emprego entre um médico que trabalhou na instituição entre maio de 2013 e fevereiro de 2018. Na primeira instância, o juiz havia arbitrado o valor da condenação em R$ 340 mil, levando em conta horas extras, férias vencidas, FGTS e indenização compensatória de 40%, além de outros direitos trabalhistas.
Na sentença, a juíza Simone Poubel Lima afirmou que ficou comprovado que o médico prestava serviços de forma habitual, pessoal e subordinada. "Não obstante sua qualificação profissional, não restou comprovada sua atuação de forma autônoma. Pelo contrário. Evidencia-se sua atuação de forma subordinada à chefia imediata e submissão às escalas implementadas, sem autonomia quanto ao seu cotidiano laboral", escreveu a magistrada.
Na segunda instância, o médico perdeu o benefício da justiça gratuita, mas conseguiu que as horas extras fossem computadas conforme jornada descrita na inicial.
O STF e o vínculo de emprego
O Supremo tem recebido um grande volume de reclamações que contestam decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram o vínculo empregatício com profissionais contratados como PJ. Isso acontece porque há uma divergência de entendimento entre os juízes do trabalho e os ministros do STF sobre o tema.
O Supremo tem precedentes validando tanto a contratação por regimes de trabalho diferentes da CLT como a terceirização da atividade-fim. Apesar disso, muitas vezes os magistrados trabalhistas continuam a condenar empresas que optam por um regime diferenciado a pagar os direitos previstos na CLT por verificarem que no caso concreto houve fraude trabalhista.
Todos os ministros do STF, exceto Flávio Dino, já proferiram ao menos uma decisão monocrática que derrubou sentença ou acórdão da Justiça do Trabalho que reconhecia vínculo de emprego em casos de terceirização ou pejotização.
Alguns ministros, como Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já demonstraram esse entendimento em diversas decisões. O último ministro a tomar posse antes de Dino, Cristiano Zanin, também já aderiu à corrente majoritária da Corte sobre o tema.
Até mesmo o ministro Edson Fachin, que costumava ir na direção oposta dos colegas, no final do ano passado cassou uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2) que reconhecia o vínculo entre um médico ginecologista e a Amico Saúde.
Na época, o ministro ressalvou sua posição pessoal contrária ao cabimento de reclamações contra as decisões da Justiça do Trabalho, mas apontou que ambas as Turmas do STF têm decidido encaminhar discussões sobre supostas fraudes à Justiça Comum.
Demanda alta no Judiciário
Em outubro de 2023, o Núcleo de Extensão e Pesquisa "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em parceria com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), apresentou um documento em que afirmava que as decisões do Supremo nas reclamações trabalhistas têm gerado uma erosão do Direito do Trabalho.
A pesquisa analisou, qualitativamente, 303 ações relativas ao tema da competência da Justiça do Trabalho no STF. Dessas, foram selecionadas para exame de conteúdo 113 causas, 88 delas reclamações constitucionais. Apenas 15% delas, 13 no total, foram julgadas improcedentes pelo STF.
Dias depois da divulgação do estudo, o ministro Gilmar Mendes apresentou o resultado de uma pesquisa que mostrava que das 4.781 reclamações protocoladas na Corte em 2023, 2.566 eram classificadas como "Direito do Trabalho" e "Processo do Trabalho". Na ocasião, o ministro afirmou que a "visão distorcida" da Justiça do Trabalho poderia fazer com que o Supremo se tornasse uma "Corte Superior ou Suprema Justiça do Trabalho".