Um prestador de serviços foi condenado na Justiça do Trabalho ao pagamento de R$ 836,5 mil após pedir o reconhecimento de vínculo empregatício com um grupo empresarial do Espírito Santo. Na ação, ele alegava que trabalhou para a empresa entre 1997 e 2022, e que recebia um salário médio de R$ 137 mil, no cargo de diretor. Segundo o processo, o prestador tinha sala própria, horário para sair e entrar, e comandava uma equipe de 40 pessoas. Ele pedia o pagamento de R$ 3,2 milhões, pelo tempo de trabalho e valor das verbas rescisórias.
Mas o juiz Geraldo Rudio Wandenkolken, da 1ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim (ES), condenou o autor da ação ao pagamento de R$ 325 mil por litigância de má-fé, além de R$ 487,9 mil em honorários de sucumbência - pagos ao advogado da parte contrária pelo perdedor da ação. Ele já recorreu da decisão no TRT-17 (Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região - ES), e ressalta que está desempregado, pedindo acesso à Justiça gratuita.
O TRT-17 informou que o recurso foi feito no dia 15 de dezembro do ano passado e distribuído automaticamente para o gabinete do relator, o qual terá o prazo regimental para análise e remessa para inclusão em pauta de julgamento.
O prestador de serviços disse que trabalhava "pessoalidade, exclusividade, habitualidade, onerosidade, e subordinação", requisitos básicos para caracterização de vínculo trabalhista, segundo a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Mas o magistrado baseou sua decisão nos dispositivos da reforma Trabalhistas de 2017, e em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre aplicação da terceirização e de outras modalidades de trabalho.
O juiz Geraldo Rudio Wandenkolken entendeu que o prestador de serviços seria "um grande empresário, com recebimento de mais de R$ 100 mil mensais, tal como ele mesmo disse em depoimento e na petição inicial". No entendimento do juiz, a descrição do trabalho dele na ação caracteriza uma terceirização lícita. Na sentença, o magistrado cita julgamentos do Supremo, como o da ADPF 324, que considerou ser lícita a terceirização de toda e qualquer atividade.
O magistrado destacou ainda que o prestador de serviços nunca declarou para a Receita Federal que era funcionário de uma empresa, "ou seja, ele sabia que nunca foi empregado da empresa ré, mas, ao contrário, mantinha relações comerciais com a ré e com todas as empresas do seu grupo econômico, inclusive, com grandes lucros durante toda a relação."
Para advogado que representa a empresa, Alberto Nemer, do Da Luz, Rizk & Nemer Advogados Associados, a decisão foi baseada nos preceitos descritos pela reforma Trabalhista. Segundo ele, a legislação tornou mais claras as hipóteses de prestação de serviço e terceirização na cadeia produtiva. Além disso, em sua avaliação, estabeleceu a possibilidade de indenização por litigância de má-fé e pagamento de sucumbência pela parte perdedora.
-- A reforma deixou claro a possibilidade de terceirizar qualquer tipo de atividade da empresa. O STF vem falando sobre isso. O reconhecimento de vínculos onde não havia estava trazendo muita insegurança jurídica e um passivo enorme para as empresas -- ressalta Nemer.
A defesa do prestador de serviços foi procurada, mas ainda não respondeu aos questionamentos.
O juiz estabeleceu condenação por litigância de má-fé em 10% do valor da causa, ou seja, R$ 325 mil. Sobre a condenação em honorários de sucumbência, o juiz afirma que, desde a edição da reforma Trabalhista, os percentuais variam de 5% a 15%. Por isso, o valor foi fixado em R$ 487,9 mil - calculados sobre R$ 3,2 milhões.
Sem comentar o caso concreto que tramita no Espírito Santo, Daniela Müller, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) da 1ª Região, avalia que a litigância de má-fé é um dispositivo aplica em casos bastante extremos em que o houve uma utilização desvirtuada da Justiça. Mas, segundo ela, isso não pode ser confundido com uma situação em que pessoa acredita que houve uma relação de emprego e não consegue provar.
Müller acrescenta que historicamente a Justiça do Trabalho é instituída como uma política pública, e de garantia de acesso a direitos sociais e trabalhistas. Na sua avaliação, algumas decisões podem passar uma mensagem para o trabalhador se sentir tolhido no direito e no acesso à Justiça.
-- Quando houve a discussão sobre a reforma se pretendia resolver problemas de excesso ou abuso estreitando acesso ao judiciário. Não me parece que o melhor caminho seja estreitar o acesso. Em um sentido mais amplo, temos que discutir a amplitude de proteção que se quer oferecer aos trabalhadores, e as garantias sociais. A Justiça do Trabalho é uma Justiça protetiva, pela própria natureza de desigualdade econômica entre as partes -- explica Daniela Müller.