A atuação da Justiça do Trabalho em relação ao reconhecimento de vínculos empregatícios tem ido em direção contrária a entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), na avaliação do decano da Corte, ministro Gilmar Mendes. Em sessão da 2ª Turma da Corte na última terça-feira (17/10), o ministro afirmou que os juízes do Trabalho têm extraído conclusões deslocadas da realidade fática do mercado de trabalho e da jurisprudência da Corte.
De acordo com ele, pesquisa feita no acervo processual do Supremo mostra que das 4.781 reclamações protocoladas na Corte neste ano, 2.566 são classificadas como “Direito do Trabalho” e “Processo do Trabalho”. Em relação à categoria “ramo do Direito”, elas são maioria, representam 54%. Ainda segundo ele, quando alterado o fator de busca e inserida a expressão “Direito do Trabalho” no campo assunto, a quantidade de reclamações sobre o tema localizadas aumenta para 3.055.
Para o ministro, esse dado “não causa espanto” por causa da “visão distorcida” da Justiça do Trabalho, o que pode fazer com que o Supremo tenha que aferir “dezenas, quem sabe centenas de decisões”, que talvez façam com que o Supremo se torne uma “Corte Superior ou Suprema Justiça do Trabalho.”
O decano destacou uma fala da presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, em que ela afirma que “decisões em série do STF contra reconhecimento do vínculo de emprego coloca a Anamatra em alerta. Isso tudo significa um grande abalo na Justiça do Trabalho, que tem sua competência definida pela Constituição e que possui relevante função social”.
“Se a gente fosse explicar essa declaração, nós diríamos que a Anamatra entende de defender os vínculos de emprego a despeito das decisões do próprio Congresso Nacional, que faz modelagens diferentes sobre o tema. Como se vê, os magistrados do Trabalho reconhecem que a todo custo buscam se desviar da jurisprudência desta Corte, ora alegam que o precedente não é específico para a situação dos autos, ora tergiversam sobre a necessidade de valoração do acervo probatório”, emendou o ministro.
Ao JOTA, a Anamatra negou desconhecer a possibilidade de outras formas de prestação de serviços. “Sob o ponto de vista estritamente jurídico, o que se defende é a competência das magistradas e magistrados do Trabalho para apreciar os casos de possíveis fraudes ao vínculo empregatício a partir do exame das provas, nos termos da Constituição, inexistindo qualquer intento de descumprimento das decisões do Supremo Tribunal Federal”, disse em nota.
Análise elaborada pelo Núcleo de Extensão e Pesquisa “O Trabalho Além do Direito do Trabalho”, vinculado à Faculdade de Direito da USP, em parceria com a Anamatra, indica que as decisões do STF tem provado uma erosão do Direito do Trabalho. Os pesquisadores argumentam que cabe à Justiça do Trabalho, e não ao STF, deliberar acerca de relações de trabalho diversas das previstas na CLT. “O artigo 114 da Constituição Federal estabelece que quem tem a competência constitucional para analisar se existem requisitos de vínculo de emprego é e sempre vai ser a Justiça do Trabalho”, afirmou à época do lançamento do estudo a pesquisadora e advogada Mariana Del Monaco.
A Anamatra acrescenta que, por meio deste estudo feito em parceria com a USP, “identifica-se o acolhimento de reclamações constitucionais em substituição ao sistema recursal trabalhista, o que necessita ser revisto, sob pena de a Suprema Corte se tornar instância revisora da Justiça do Trabalho, fora das hipóteses legalmente previstas”.
Jurisprudência
Os entendimentos da Corte citados pelo ministro Gilmar Mendes fazem parte de um conjunto de precedentes consolidados na ADPF 324, na ADI 5.625 e no RE 958.252 (Tema 725 da Repercussão Geral). Esses precedentes têm fundamentado recorrentes decisões do Supremo e de seus ministros para derrubar reconhecimento de vínculo empregatício verificado pelos tribunais trabalhistas.
Na sessão em que o decano apresentou a pesquisa sobre as reclamações aportadas na Corte, a turma cassou decisão, por 3 votos a 2, decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1) que reconhecia vínculo empregatício entre a corretora de valores BGC Liquidez e um agente de investimentos, que recebia uma comissão média de R$ 100 mil por mês. No caso, o TRT1 havia identificado características de vínculo empregatício, como hierarquia, horário fixo e subordinação de agente que já havia sido contratado como CLT pela corretora.
No início do mês, o ministro Cristiano Zanin cassou decisão trabalhista que reconhecia o vínculo empregatício entre um técnico em radiologia e um hospital do grupo Hapvida NotreDame Intermédica, por desrespeito a precedentes do Tribunal. No fim de setembro, por unanimidade, a 1ª Turma da Corte cassou duas decisões da Justiça Trabalhista que reconheciam o vínculo de emprego entre franqueados e a seguradora Prudential.
Até mesmo o ministro Luiz Edson Fachin, reconhecido como favorável às teses dos trabalhadores, ressalvou posição pessoal e cassou, de forma monocrática, uma decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2) que reconhecia o vínculo entre um médico ginecologista e a Amico Saúde.
De acordo com a decisão, dada a natureza comercial do contrato, mesmo que na lide se questione a existência de vínculo empregatício, a competência para julgar o caso seria inicialmente da Justiça Comum.