Ao afastar a competência da Justiça do Trabalho para julgar conflitos e fraudes trabalhistas, o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisões monocráticas, aumenta a precarização do mercado de trabalho, fomentando, em tese, o aumento de atividades degradantes e até de condições análogas à de escravo e trabalho infantil.
Estudo aponta que só 15% das reclamações constitucionais relativas ao tema foram julgadas improcedentes pelo STF
Essa é uma das conclusões de uma pesquisa feita pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pelo Grupo de Pesquisa e Extensão "Trabalho além do Direito do Trabalho", do Departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Ao todo, o levantamento analisou 303 ações, selecionando 113 causas para exame de conteúdo. Desse total, 88 reclamações constitucionais foram destacadas, sendo que apenas 13 (15%), foram julgadas improcedentes pelo Supremo. Entre os processos analisados, estão questões relativas a trabalhadores de plataformas, autônomos de cargas (MEI/caminhoneiros), parceiros de salões de beleza, corretores de imóveis, médicos, representantes comerciais e advogados associados. O estudo também aborda a pejotização e a terceirização.
Os dados foram apresentados durante seminário organizado nesta quinta-feira (5/10). À revista eletrônica Consultor Jurídico, a presidente da Anamatra, Luciana Conforti (juíza do Trabalho da 6ª Região - Pernambuco), disse que a competência constitucional da Justiça do Trabalho tem sido abalada por causa das decisões do Supremo.
"A partir dos estudos, verificou-se que o instituto vem sendo admitido em casos que, tecnicamente, não caberia isso. Vimos também a alegação de que precedentes vinculantes estão sendo violados por decisões da Justiça do Trabalho. Nós entendemos que não houve violação porque são casos diferentes."
Para Luciana, o estudo pode contribuir para que equívocos técnicos deixem de ser cometidos. "Entendemos que é uma questão de política judiciária. Se existem recursos nas instâncias próprias para serem ajuizadas e essas reclamações estão sendo admitidas, com 11 ministros isso pode inviabilizar o Supremo Tribunal Federal, que é uma corte constitucional e que tem competência para todo o Brasil. O STF não pode ficar como uma instância revisora de decisões da Justiça do Trabalho porque vai inviabilizar sua própria missão constitucional."
A presidente da Anamatra pontua que o estudo não é um ataque aos ministros do Supremo. Luciana Conforti espera que a pesquisa sirva como ponte para um diálogo mais próximo para evitar confusões sobre as competências. "É importante aproveitarmos esse caminho para garantir e preservar a competência da Justiça do Trabalho e evitar uma insegurança jurídica. As pessoas estão muito confusas sobre o que é válido. Nosso intuito é o diálogo, para esclarecer, aproximar e contribuir. Esperamos que não seja visto como um enfrentamento. Estamos com uma postura pedindo que sejamos ouvidos para que haja mudanças. Devemos fazer isso juntos, pois somos o Poder Judiciário."
Professor da USP e coordenador do núcleo parceiro da Anamatra no estudo, Guilherme Guimarães Feliciano diz que a competência da Justiça trabalhista tem sido restringida severamente a níveis semelhantes pré-Constituição de 1988. "Evidentemente, o Supremo, como todos os tribunais e juízes do país, tem sua independência técnica. E não estamos aqui para discutir casos. Ainda que se entenda que, na hipótese concreta, não há vínculo empregatício, o ponto é: quem é o juiz competente para dizê-lo? Quem é o juiz natural destas causas? E é isso que nos move e nos comove."
"A competência da Justiça do Trabalho, tal como fixada pela Emenda 45/2004, tem sido restringida severamente, talvez para níveis anteriores à data de 5 de outubro de 1988 (promulgação da Constituição)", finalizou.