Bruno Perusso (presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 2ª Região), Luciana Conforti (presidente da Anamatra) e Guilherme Feliciano (professor da USP). Crédito: Divulgação/Anamatra
Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), em reclamações, que derrubaram decisões trabalhistas que reconheceram vínculo em casos de terceirização de mão de obra e pejotização têm gerado uma erosão do Direito do Trabalho. Este é o entendimento manifestado em estudo lançado nesta quinta-feira (5/10) por magistrados trabalhistas e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). A análise foi elaborada pelo Núcleo de Extensão e Pesquisa "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", vinculado à Faculdade de Direito da universidade, em parceria com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
"A competência da Justiça do Trabalho tem sido restringida severamente, talvez para níveis anteriores aos de 5 de outubro de 1988. Essa é a razão do nosso estudo", disse o juiz do Trabalho Guilherme Feliciano, professor da USP e um dos coordenadores da pesquisa. O docente foi um dos participantes do seminário "Jurisdição Constitucional e Competência Material da Justiça do Trabalho: 35 anos da Constituição de 88", realizado nesta quinta-feira no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), em São Paulo, para marcar o lançamento do estudo.
Segundo os autores, nos últimos anos, o STF se pôs a julgar a validade de decisões trabalhistas que afastaram contratos alternativos estabelecidos entre as partes e reconheceram o vínculo empregatício. Individual ou colegiadamente, os ministros do Supremo consolidam uma tendência de anular os efeitos das decisões trabalhistas, sob o fundamento de desrespeito a entendimentos da Corte sobre a constitucionalidade da terceirização em todas as atividades empresariais.
"Estamos vivendo hoje um retorno ou uma nova forma de destruição lenta, gradual e segura do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho por consequência", disse a desembargadora aposentada Silvana Abramo, coordenadora do grupo da USP. Na visão da especialista, com isso corre-se o risco de precarizar as formas de trabalho de milhares de brasileiros e, por consequência, apertar ainda mais o sistema de seguridade social e tributário do país.
Competência do STF?
A pesquisa analisou, qualitativamente, 303 ações relativas ao tema da competência da Justiça do Trabalho no STF. Dessas, foram selecionadas para exame de conteúdo 113 causas, 88 delas reclamações constitucionais. Apenas 15% delas, 13 no total, foram julgadas improcedentes pelo STF. Entre as ações examinadas estão processos relativos a trabalhadores de plataformas, motoristas autônomos de cargas, parceiros em salões de beleza, corretores de imóveis, médicos, representantes comerciais e advogados associados.
De acordo com os pesquisadores, os precedentes mais invocados são os da ADPF 324 e do RE 958.252 (terceirização), da ADC 48 (transportador autônomo de cargas) e da ADI 5.625 (parceiros em salões de beleza). Em todos esses casos, o STF validou formas alternativas de relação de trabalho. Um trecho do voto do ministro Luiz Fux na RCL 54.738 é representativo do cenário: "o plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu em inúmeros precedentes o reconhecimento de modalidades de relação de trabalho diversas das relações de emprego dispostas na CLT".
Os pesquisadores argumentam que cabe à Justiça do Trabalho, e não ao STF, deliberar acerca de relações de trabalho diversas das previstas na CLT. "O artigo 114 da Constituição Federal estabelece que quem tem a competência constitucional para analisar se existem requisitos de vínculo de emprego é e sempre vai ser a Justiça do Trabalho", afirmou a pesquisadora e advogada Mariana Del Monaco.
Segundo o estudo, houve um acúmulo de decisões do STF em 2023 que replicaram o padrão de afastar a competência da Justiça especializada. Uma das mais notórias foi proferida na RCL 59.795, sobre vínculo entre um motorista e a empresa de transporte por aplicativo Cabify. O relator, ministro Alexandre de Moraes, julgou que a relação estabelecida entre o motorista e a empresa se assemelhava mais a um transportador autônomo. O ministro não apenas cassou os atos da Justiça do Trabalho, mas determinou a remessa dos autos à Justiça Comum.
A Anamatra e o grupo da USP argumentam não haver um precedente padrão a respeito dos trabalhadores de plataformas e que seria necessário o uso do distinguishing (técnica de não aplicação de um precedente por se reconhecer que a situação não se enquadra nos mesmos parâmetros).
Os autores também afirmam que a decisão de Moraes é equivocada, porque a revisão do entendimento da Justiça Trabalhista exigiria a reanálise das provas e da situação fática, o que não é possível por meio de reclamação constitucional.
"Todos aqui respeitam o STF e os ministros, ninguém aqui apoia algo como o 8 de janeiro, mas na academia nos permitimos questionar o que o Supremo tem feito no âmbito trabalhista", diz Felipe Bernardes, pesquisador da USP.
Nesta quinta-feira (5/10), o JOTA noticiou que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), também cassou, de forma monocrática, uma decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2) que reconhecia o vínculo entre um médico ginecologista e a Amico Saúde e determinava o pagamento de verbas trabalhistas.
A decisão é importante por ser a primeira em que o ministro Edson Fachin toma no mesmo sentido que os colegas. Ele ressalva sua posição pessoal contrária ao cabimento de reclamações contra as decisões da Justiça do Trabalho que verificaram fraude trabalhista em contratações de PJ, mas aponta que ambas as Turmas do STF têm decidido encaminhar discussões sobre supostas fraudes à Justiça Comum.
Mirielle CarvalhoRedação Jota