O Supremo Tribunal Federal decidiu, por 8 votos a 2, que indenizações por danos morais podem ir além do limite estabelecido pela Reforma Trabalhista de 50 vezes o último salário da vítima. Ou seja, avisou que ofensas gravíssimas à integridade física de trabalhadores pobres não precisam ser de apenas R$ 66 mil - ou 50 salários mínimos.
A solução do relator Gilmar Mendes, de que os limites devem servir à Justiça do Trabalho apenas como "critérios orientativos" e que "é constitucional o arbitramento judicial do dano em valores superior aos limites máximos", permite à parcela dos magistrados sensíveis à realidade do país terem liberdade para garantir Justiça.
O ideal seria que esse trecho da reforma fosse declarado inconstitucional, como votaram o ministro Edson Fachin e a presidente da corte, Rosa Weber. Até porque a permanência do limite constrange juízes para que sigam a referência. E se não precisa observar, por que manter? Mas é o que temos para hoje.
O artigo 223-G da lei 13.467/2017 estabeleceu uma gradação para a concessão de indenização por dano moral que levaria em conta uma série de fatores com base em uma escala de gravidade. Para casos gravíssimos, o teto ficou em 50 vezes o salário contratual do trabalhador. Para quem, hipoteticamente, recebe um salário mínimo, o teto seria de R$ 66 mil. Para que ganha R$ 30 mil, o teto iria a R$ 1,5 milhão.
Ou seja, há uma diferenciação do sofrimento diante da morte de acordo com a função que a pessoa desempenhava - lembrando que a indenização por danos materiais, que inclui a pensão vitalícia à família do trabalhador morto, já é calculada com base no tamanho dos salários.
Na época, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, havia se pronunciado de forma contrária ao dispositivo em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal. A ação foi proposta pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Mas se o STF decidiu, na última sexta (23), por permitir que os magistrados decidissem por valores maiores de acordo com a gravidade do caso é porque 270 pessoas morreram por causa do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019. A tragédia é considerada o maior acidente de trabalho da história recente do país.
Se fosse aplicada a Reforma Trabalhista, a indenização por danos morais paga pela vida de trabalhadores pobres às suas famílias seria menor que a paga às famílias dos trabalhadores mais ricos da mina.
Um acordo entre o Ministério Público do Trabalho e a Vale homologado no dia 15 de julho de 2019, na 5ª Vara do Trabalho de Betim, estabeleceu os valores de danos morais e materiais que a empresa teria que pagar por conta do rompimento da barragem, ignorando o dispositivo trazido pela Reforma Trabalhista que limita a indenização por danos morais.
Ficou decidido que cada cônjuge ou companheiro(a), filho(a), mãe e pai de trabalhadores mortos receberiam, individualmente, R$ 700 mil pela perda do familiar (R$ 500 mil como dano moral e R$ 200 mil como seguro adicional por acidente de trabalho). Irmãos e irmãs receberiam, individualmente, R$ 150 mil por dano moral. O núcleo familiar de um trabalhador que tenha deixado esposa, dois filhos, pai e mãe e dois irmãos receberá R$ 3,8 milhões.
Isso não compensa o sofrimento pela perda do ente, mas contribui para evitar que novas tragédias se repitam.
"É uma tragédia sem precedentes. Seria uma grande injustiça, com limitação a indenizações pífias, se fosse aplicado o dispositivo da Reforma Trabalhista", afirmou o procurador Geraldo Emediato de Souza, coordenador do grupo especial do MPT para o caso, à coluna na época.
"Uma das funções do dano moral é que, sem causar enriquecimento ilícito, seja pedagógico para que o empregador nunca mais volte a causá-lo", explica Ivandick Rodrigues, professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado trabalhista.
A tragédia da Vale deixou claro o quão bizarro, injusto e sem sentido é a limitação dos 50 salários. Na época, alertei sobre isso e recebi reclamações de quem estava mais preocupado com a saúde financeira da mineradora do que a indenização das famílias de trabalhadores mortos ou com a punição para evitar que a empresa repita o que aconteceu.
Esperemos que os magistrados da Justiça do Trabalho, ao julgarem casos semelhantes, lembrem-se disso.