Teto trazido na lei deve servir parâmetro para que juiz possa arbitrar maiores valores do que o previsto na legislação Sessão plenária do STF / Crédito: Carlos Moura/SCO/STF
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria nesta sexta-feira (23/6) para entender que a criação de um parâmetro para indenizações de danos morais conforme o trazido pela reforma trabalhista de 2017 é constitucional, de acordo com o voto do relator, Gilmar Mendes. No entanto, o juiz pode arbitrar valores maiores do que o previsto na legislação. Assim, o teto trazido terá caráter exemplificativo e não taxativo.
O placar estava 6 a 1 até 20h30 desta sexta-feira. A divergência é do ministro Fachin, que entende que os dispositivos estão em desacordo com a Constituição. O ministro Luiz Fux não votou porque se declarou impedido.
Mendes proferiu o voto ainda em plenário físico em outubro de 2021, quando o julgamento foi paralisado por um pedido de vista de Nunes Marques.
Repiso, porém, que tais critérios, em especial o valor-referência do salário, não podem ser utilizados como teto, sendo possível que o magistrado, diante das especificidades da situação concreta eventualmente, de forma fundamentada, ultrapasse os limites quantitativos previstos, explicou o relator, Gilmar Mendes.
Mendes acrescenta: Penso que uma interpretação que desconsiderasse a possibilidade de acionamento da Justiça do Trabalho pela hipótese de dano em ricochete resultaria em estado de absoluta inconstitucionalidade. Essa leitura do art. 223-B da CLT faria com que o largo âmbito de proteção do art. 5º, inciso V, da CF restasse esvaziado, na medida em que se inviabilizaria a reparação de danos por acidente de trabalho que resultasse, por exemplo, em morte da vítima.
Ainda que a classificação das modalidades de dano prevista no § 1º do art. 223-G de acordo com as ofensas leve, média, grave ou gravíssima pudesse eventualmente ser preenchida com critérios jurisprudenciais concretos, fato é que, a partir do enquadramento de uma ou mais situações fáticas dentro de um mesmo rótulo de gravidade, o magistrado torna-se impossibilitado de traduzir, de forma plena, a dor e o sofrimento imaterial da vítima em medida reparatória quantificável para além do teto estabelecido na lei, complementou.
O entendimento do relator recebeu o apoio de Nunes Marques, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso.
O voto de Mendes mantém o entendimento que o Supremo vem adotando em relação à reforma trabalhista: de não alterar substancialmente o texto aprovado no Congresso. Do que já foi julgado, o STF tem derrubado poucos dispositivos e vem trazendo interpretações sobre os artigos, como fez o relator neste caso do teto indenizatório para danos morais.
Divergência
O ministro Edson Fachin divergiu de Gilmar por entender que os dispositivos da reforma trabalhista são inconstitucionais porque ferem postulados como a dignidade da pessoa humana e a isonomia. Pois não é permitido ao Estado, por nenhuma de suas funções, afastar-se do dever de tratar os cidadãos de forma digna e igualitária, especialmente quando se trata do cidadão-trabalhador, afirmou.
Segundo Fachin, há ofensa ao princípio da isonomia quando o legislador fixa para o juiz trabalhista valores de indenizações por danos provenientes da relação de trabalho, mas, ao mesmo tempo, não impõe limites ao juiz comum na fixação das mesmas indenizações decorrentes de relações civis de outras naturezas.
Em sua visão, restringir a indenização ao grupo específico de trabalhadores fere a dignidade humana. A dignidade da pessoa humana não pode ser invocada de forma retórica, como grande guarda-chuva, acolhedor de qualquer argumento em razão de sua amplitude. É preciso ser exato: a dignidade da pessoa humana não é vagueza abarcadora de argumentos e posições de todo lado. Ao contrário, e por refutação a isso, é preciso dar sentido e concretude a esse princípio inerente aos sujeitos e fundante de nosso Estado, escreveu o ministro.
O julgamento está em plenário virtual até às 23h59, portanto, ainda pode ser interrompido por um pedido de vista ou destaque.
Entenda as ações
O Pleno do STF iniciou no dia 21 de outubro de 2021 o julgamento das ADIs 5870, 6050, 6069 e 6082, cujo relator é o ministro Gilmar Mendes. A chamada reforma trabalhista alterou os parâmetros para reparação por dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho e impôs um tabelamento dos valores indenizatórios.
Os dispositivos fixam limites para o pagamento de indenizações por dano imaterial nas relações trabalhistas, a partir de uma espécie de tabela gradativa. Para ofensas de natureza leve, por exemplo, a nova lei impõe indenização até três vezes o último salário contratual do ofendido; e para as de natureza gravíssima, até 50 vezes o último salário recebido pelo trabalhador. Na avaliação de Augusto Aras, essa tarifação deve ser invalidada pelo Supremo, por promover violação do princípio da isonomia, como se o dano experimentado pelos economicamente desvalidos fosse menos acentuado que aquele vivenciado por pessoas mais afortunadas.
Os requerentes questionam os arts. 223-A e 223-G, parágrafos 1º e 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foram alterados pelo artigo 1º da Medida Provisória n. 808, de 14 de novembro de 2017.
Na ADI 6050, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) sustentou que em matéria de dano moral, os trabalhadores, pouco importando o valor do salário recebido, devem ser tratados igualitariamente, de modo a merecer tratamento isonômico pela lei para fixação da indenização.
Para o Conselho Federal da OAB (ADI 6069), a reforma trabalhista viola os princípios da isonomia, da reparação integral do dano, da proteção do trabalho, do retrocesso social, do livre convencimento do magistrado e da proporcionalidade e razoabilidade.
Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria -CNTI (ADI 6082), além de entender que a limitação para reparação de danos morais em razão da relação de trabalho fere não só os princípios constitucionais, também cerceia da aplicação do princípio da primazia da realidade e impossibilita uma indenização justa.
Ainda em 2021, os ministros julgaram a perda de objeto na ADI 5870, que tratava da Medida Provisória 808/2017 e perdeu a eficácia.
Flávia Maia