Juíza federal ressalta que a intimidade e vida privada de todos são, como regra, invioláveis. Decisão é sobre o TRT9 Crédito: Unsplash
A juíza federal Tania Maria Wurster, da 2ª Vara Federal de Curitiba, deferiu, nesta quinta-feira (25/5), um pedido de tutela cautelar antecedente, proposta pela Associação dos Magistrados do Trabalho da 9ª Região (AMATRA9), para suspender o prazo para resposta a um despacho da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho (CGJT). No despacho, a corregedoria havia determinado que o Tribunal Regional do Trabalho (TRT9) fornecesse, por meio do IP, os atos processuais praticados no sistema do PJe pelos magistrados nominados. Com isso, seria possível saber se os magistrados estavam trabalhando no tribunal ou em outro lugar.
No pedido, a AMATRA requereu que houvesse suspensão do prazo até que se obtenha causa provável, alvo definido e finalidade tangível, além de argumentar que os dados requisitados dos magistrados (o IP de seus computadores) somente podem ser obtidos mediante ordem judicial, conforme disposto no artigo 10, § 1º, da Lei 12.965/14 (Lei do Marco Civil da Internet).
A Associação também pondera que na solicitação da agenda online há abuso de poder regulamentar e abuso de direito, pois a seleção por amostragem denota uma pescaria probatória sem causa provável, que selecionaram-se juízes que sequer optaram pelo trabalho remoto, tampouco foram alvos de denúncias por descumprimento das regras atinentes ao exercício de suas funções.
Defende, ainda, que o despacho da CGJT viola a isonomia e que não há processo devidamente instaurado para averiguação de conduta de pessoa determinada, devendo ser preservada a integridade dos dados pessoais dos associados.
A decisão, de caráter liminar, está inserida no contexto do retorno das atividades presenciais dos magistrados no período pós-pandemia do Covid-19, determinado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No âmbito da Justiça do Trabalho, a ministra corregedora-geral, Dora Maria Costa, encaminhou uma ordem aos corregedores regionais para coleta de dados, a fim de fiscalizar o retorno dos magistrados às atividades presenciais.
As posições da ministra tem gerado reações das associações de classe. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) enviou um ofício ao corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, pedindo a apuração de possíveis excessos praticados pela ministra Dora Maria da Costa.
Já a Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT) divulgou nota de repúdio contra a corregedoria. A entidade protesta contra a falta de autonomia e as constantes ameaças de representação contra magistrados trabalhistas, que têm deteriorado o ambiente de trabalho e têm comprometido sua saúde psíquica e mental, em face do terror psicológico crescente na Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus.
No processo movido pela Amatra9, a juíza federal entendeu que no que toca a identificação do IP dos magistrados, percebe-se efeitos que repercutem em direitos sensíveis, de caráter fundamental à luz da Constituição Federal. Para ela, a intimidade e vida privada de todos são, como regra, invioláveis. A Constituição tutela o direito de o indivíduo viver sua própria vida, resguardando um núcleo de sua privacidade, afirmou.
Wurster ressalta que em garantia ao direito fundamental em jogo, a vida privada, a Lei 12.965/14 estabelece que a guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. Ela frisa que as informações privadas podem ser fornecidas somente mediante ordem judicial, em procedimento regulado nos artigos 22 e 23 da mesma lei.
Em uma análise sumária da questão, própria dos provimentos cautelares, a ordem de identificação e fornecimento do IP dos magistrados por parte Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho relativiza direito constitucional, a despeito da ausência de procedimento legal instaurado para a apuração de responsabilidade, o que, ao que tudo indica, não atende ao comando do devido processo legal previsto na Lei nº 12.965/14, afirmou a juíza.
Para ela, a restrição imediata à intimidade por meio da identificação de IP esbarra na análise quanto à necessidade da medida, uma vez que foi ressaltado pelo Corregedor Regional do TRT9 que não houve descumprimento das determinações ao trabalho presencial.
Com isso, não se está negando o caráter fiscalizatório e necessário no âmbito do próprio Poder Judiciário, tampouco retirando a necessidade de retorno às atividades presenciais, inquestionável diante de recomendação do próprio CNJ. Trata-se, sim, de observar legitimidade formal na condução desse processo, à luz da tutela constitucional de direitos fundamentais, pontuou Wurster.
A ação tramita como 5041737-89.2023.4.04.7000.
Agenda presencial de magistrado no TRT9
Na última terça-feira (23/5), o juiz do Trabalho Cícero Ciro Simonini Junior obteve uma decisão liminar favorável para não ter mais a obrigação de preencher a escala de comparecimento presencial do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9). A liminar foi concedida pelo juiz Roberto Lima Santos, da 1ª Vara Federal de Apucarana (Paraná), segundo o qual a exigência fere a independência funcional.
Ao procurar a Justiça Federal, o Juiz do Trabalho Cícero Ciro Simonini Junior se insurgiu contra um ofício circular do TRT9 que estabelece que todos os magistrados vinculados ao tribunal devem preencher a agenda online, informando os dias de comparecimento presencial.
A exigência, argumentou o juiz, extrapolou o que disse o CNJ, porque vale tanto para os optantes pelo regime de trabalho remoto como pelo presencial. Ele sustentou que inexiste lei que obrigue o magistrado a publicar sua agenda de trabalho, que houve abuso do poder regulamentar e que a exigência em questão fere o princípio da independência da magistratura.
O processo tramita com o número 5001706-79.2023.4.04.7015.
Mirielle Carvalho