Novo passivo das empresas: entenda as atuais regras da Cipa23 de março de 2023, 8h00ImprimirEnviarPor Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de MoraesEsta semana iniciou a vigência da última parte da Lei 14.457, de 21 de setembro de 2022 [1], mais conhecida como Programa Emprega + Mulheres, e que trouxe novas regras trabalhistas para as empresas que tenham em seus quadros profissionais com filhos, enteados ou crianças sob guarda judicial, cuja legislação é ainda pouco comentada, não obstante esteja vigente há seis meses. Impende destacar que, embora a alcunha dessa lei faça referência às mulheres, ela também é aplicada aos empregados homens, conforme já foi abordado nesta coluna em outras oportunidades [2].
Dito isso, a Lei 14.457/2022 além de alterar a denominação da Cipa, contida no artigo 163 [3] da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [4], que agora passa a ser chamada de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio, ainda apresentou uma série de medidas preventivas e de combate ao assédio nas empresas que já se encontram vigentes.Entrementes, a nova lei havia fixado o prazo de 180 dias para que as empresas pudessem se adequar e promover as mudanças necessárias na sua estrutura organizacional. Contudo, o prazo se expirou, e, justamente por isso, a temática foi indicada novamente por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [5], razão pela qual agradecemos o contato.Com efeito, dentre as diversas alterações, o §2º do artigo 23 Lei 14.457/2022 estabelece que as empresas devem promover um meio ambiente laboral seguro e saudável, utilizando-se de medidas de prevenção e de combate ao assédio sexual e outras formas de violência no âmbito do trabalho por meio da Cipa.De igual modo, a Portaria MTP nº 4.219, de 20 de dezembro de 2022 [6], que alterou a nomenclatura da Cipa nas normas regulamentadoras, também trouxe diretrizes e obrigações a serem seguidas.
Neste cenário, verifica-se que a atual legislação impôs novas obrigações trabalhistas às empresas concernentes à prevenção e ao combate do assédio e de outras formas de opressão no ambiente laboral, mediante: "I - inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação do seu conteúdo aos empregados e as empregadas;
II - fixação de procedimentos para o recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e, quando for o caso, para aplicação e sanções administrativas aos responsáveis direitos e indiretos pelos atos de assédio sexual e de violência, garantindo o anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízos do procedimentos jurídicos cabíveis;
III - inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e outras formas de violência nas atividades e nas práticas da CIPA; e IV - realização, no mínimo a cada 12 (doze) meses, de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização dos empregados e empregadas de todos os níveis hierárquicos da empresa sobre temas relacionados à violência, ao assédio, a igualdade e a diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações" [7].De mais a mais, os casos envolvendo assédio moral e sexual no ambiente de trabalho ainda apresentam números alarmantes [8], ao passo que, em sentido contrário e totalmente paradoxal, as empresas se mostram omissas na adequação frente às novas obrigações trabalhistas.De acordo com um estudo conduzido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a violência e o assédio no trabalho afetam uma em cada cinco pessoas, entre homens e mulheres [9].
E, mais, a Convenção 190 [10] da OIT estabelece normas em nível global para a erradicação da violência e do assédio no mundo do trabalho, cuja ratificação pelo Brasil faz parte do pacote de ações do governo federal para assegurar maiores e melhores direitos às mulheres [11].Indubitavelmente, tal temática, por certo, traz muitas dúvidas e questionamentos, a saber: quais são os impactos para as empresas trazidos pela nova legislação? Qual é o compromisso da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio? E quais são os efeitos práticos caso as companhias não se adequem aos termos das novas obrigações trabalhistas?De início, pontua-se que ficará a cargo da Cipa o planejamento estratégico para combater e prevenir internamente o assédio sexual e a violência no ambiente de trabalho através de mecanismos efetivos.Nesse desiderato, além da criação de meios eficazes para a identificação dos fatos e também para a aplicação de penalidades [12], a Cipa terá por atribuição incluir temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio e outras formas de violência no trabalho nas suas atividades práticas.
Portanto, se faz indispensável a realização de palestras, cursos e treinamentos para que seja possível a capacitação e enfrentamento do assédio moral e sexual, além da hostilidade no meio ambiente do trabalho. Além disso, as empresas poderão se valer das informações obtidas por meio de sua área de compliance trabalhista [13], para fins de gerenciamento das informações com sustentáculo em seu canal de denúncias.A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos de Fabrício Lima da Silva, Iuri Pinheiro e Vólia Bomfim [14]: "O compliance pode ser definido como princípio de governa corporativa, que tem por objetivo promover a cultura organizacional de ética, transparência e eficiência de gestão, para que todas as ações dos integrantes da empresa estejam em conformidade com a legislação, controles internos e externos, valores e princípios, além das demais regulamentações do seu seguimento.
Caracteriza-se como um conjunto de procedimentos e boas práticas, realizados de forma independente, no âmbito das organizações, para identificar e classificar os riscos operacionais e legais, estabelecendo mecanismos internos de prevenção, gestão, controle e reação frente mesmos.
(...). A implantação de programas de compliance está diretamente relacionada à diminuição de riscos, sendo muito importantes as ações de planejamento, execução e monitoramento, como ferramentas de proteção contra desvios de conduta e de preservação/geração de valor econômico."Destarte, impende destacar que não há que se confundir a área de compliance trabalhista da empresa com a Cipa, em que pese ambas devam trabalhar de forma concatenada para alcançar a solução do problema. Se é verdade que a elaboração de códigos de conduta, de políticas internas e canais de denúncias são partes integrantes de um sistema de compliance [15]; de igual forma as novas atribuições da Cipa integram parte desse sistema.Aliás, é importante ressaltar que não caberá à Cipa, salvo disposição em contrário, participar do processo de investigação das denúncias, mas sim traçar as diretrizes e assistir as próprias denúncias, sendo controvertida o seu papel na apuração dos fatos e, sobretudo, a fixação das respectivas sanções [16].Noutro giro, vale lembrar que a Cipa é regulamentada pela Norma Regulamentadora NR-5 [17], que sofreu alterações com a Lei 14.457/2022.
Contudo, segundo a norma vigente, para as empresas que possuam 20 ou mais funcionários (Grau de Risco 3), ou com mais de 80 funcionários (com qualquer grau de risco), obrigatoriamente deverá ser constituída a Cipa [18].Aliás, o grau de risco é estabelecido em conformidade ao contido no Quadro I da Norma Regulamentadora (NR) 4 [19], que trata da Relação de Classificação Nacional de Atividade Econômica (Cnae).De um lado, para as empresas que descumprem a exigência e obrigatoriedade de constituição da Cipa, por certo serão impostas multas de acordo com as diretrizes da Norma Regulamentadora (NR) 28[20]; lado outro, e considerando que expirou o prazo de 180 dias para as empresas se adaptarem às novas e atuais regras determinadas pela Lei 14.457/2022, corolário lógico também serão elas penalizadas pelos órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho, caso seja constatado o descumprimento da lei.Ora, claro está que, doravante, as empresas estão aptas a sofrerem autos de infrações lavrados pelos auditores fiscais do trabalho, de responderem a procedimentos conduzidos do Ministério Público do Trabalho, além de serem denunciadas por seus próprios empregados e pelos sindicatos profissionais. Logo, o prazo é agora e as companhias precisam agir hoje.
Em arremate, cabe destacar que, além das mudanças ocorridas na Cipa, as empresas igualmente passaram a ser obrigadas ao pagamento do reembolso-creche, a respeitar as novas formas de flexibilização do regime de trabalho indicadas na Lei 14.457/2022 (teletrabalho; regime de tempo parcial; regime especial de compensação de jornada de trabalho por meio de banco de horas; escala 12x36; antecipação de férias individuais; horários de entrada e saída flexíveis; suspensão do contrato de trabalho e qualificação profissional), sendo certo que para empresas tidas como cidadãs as novas obrigações trabalhistas são ainda maiores e mais complexas.Â
[1] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14457.htm. Acesso em 25.09.2022.[2] Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-nov-10/pratica-trabalhista-novos-direitos-regras-pais-maes-filhos-empresas . Acesso em 20.03.2023.[3] Art. 163. Será obrigatória a constituição de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa), em conformidade com instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho e Previdência, nos estabelecimentos ou nos locais de obra nelas especificadas. [4] Será a Cipa composta de representantes da empresa e dos empregados. Os representantes do empregador, titulares e suplentes, serão por ele designados, anualmente, entre os quais o presidente da Cipa. Os representantes dos empregados, titulares e suplentes, serão eleitos em escrutínio secreto pelos interessados, independentemente de serem sindicalizados, entre os quais estará o vice-presidente da Cipa.
O mandato dos membros eleitos da Cipa é de um ano, permitida uma reeleição. Os representantes titulares do empregador não poderão ser reconduzidos por mais de dois mandatos consecutivos. Deverá a Cipa ser registrada no órgão regional do Ministério do Trabalho até 10 dias depois da eleição, devendo suas atas ser registradas em livro próprio. A eleição para o novo mandato da Cipa deverá ser convocada pelo empregador, com prazo mínimo de 45 dias antes do término do mandato e realizada com antecedência mínima de 30 dias de seu término. O membro titular perderá o mandato e será substituído pelo suplente quando faltar a mais de quatro reuniões ordinárias sem justificativa. [5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.[6] Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mtp-n-4.219-de-20-de-dezembro-de-2022-452780351. Acesso em 20.03.2023.[7] "Como se vê, elas são sensíveis e exigem esforço e comprometimento de um time multidisciplinar para sua implementação exitosa, como: recursos humanos, jurídico, compliance e saúde e segurança Ocupacional.
O que também se nota é que cuidados e procedimentos antes adotados pelo empregador por liberalidade e em razão de sua legítima preocupação em manter o ambiente de trabalho inclusivo, saudável e seguro, agora são obrigações legais que, caso não cumpridas em seus estritos termos, materializarão riscos judiciais e administrativos certamente na esfera trabalhista e, até mesmo, na penal". Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-mar-13/fontenellee-costa-medidas-lei-n144572022. Acesso em 20.03.2023.[8] Disponível em https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/32677-quase-metade-das-mulheres-ja-foi-vitima-de-assedio-sexual-no-ambiente-de-trabalho. Acesso em 20.03.2023.[9] Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/210241-oit-viol%C3%AAncia-e-ass%C3%A9dio-no-trabalho-afetam-uma-em-cada-cinco-pessoas.