Ementa: Recurso Ordinário. Ação Civil. Direito do trabalho. Falta de interesse de agir. Nulidade da sentença. Ausência de previsão legal. Dumping social.
O presente parecer refere-se a um recurso ordinário interposto pela empresa Magazine Luiza S.A., em conjunto com o Ministério Público do Trabalho. Consta, que foi alegado pela ré em sede de preliminar a falta de interesse de agir e a nulidade da sentença devido à ausência de previsão legal, enquanto no mérito, os recorrentes arguiram pela prática de dumping social, requerendo, por conseguinte a anulação condenatória. A Reclamante da ação requereu em contraponto o aumento debruçado na indenização por dano social.
É o relatório. Passo a opinar.
Inicialmente pondera-se sobre a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização em razão da prática de dumping social, ou seja, do descumprimento reiterado e inescusável da legislação trabalhista. Alegando a ré a nulidade da sentença por ausência de suporte legal, com violação aos princípios da reserva legal e da restrição das penas, bem como dos artigos 93, inc. IX, da CF/88, 458 do CPC e 832 da CLT.
Partindo dessa premissa, não há previsão legal para a indenização por dumping social. As eventuais práticas ilícitas ensejam a aplicação de penalidade administrativa, não cabendo indenização por absoluta ausência de previsão legal nesse sentido. Assim, é necessário a entender a possibilidade de indenização por dumping social por se tratar de "delinquência patronal", onde é desrespeitado a legislação trabalhista, com o objetivo de a empresa adquirir vantagens comerciais e econômicas.
A expressão dumping social é caracterizada por Maia (2010) como um termo proveniente do comércio internacional, e resulta na exportação de produtos com preço mínimo do custo de produção. O dumping social, por sua vez, é tipificado pela diminuição de preços das mercadorias, a fim de dificultar a livre concorrência, a partir do restringimento de custos da mão-de-obra.1
Segundo Barroso, (2009, p. 6), "a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes".2 Tendo como justificativa a interpretação extensiva do dumping social, de dar eficiência aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Sendo estipulado por Dutra (2017) 3 o dumping é decretado como "infração frente ao comércio internacional decorrente da exportação de mercadoria em valores abaixo dos comercializados em seu mercado de origem". Esse descumprimento oferta o avanço predatório do comércio exterior, prejudicando as indústrias locais e causando a perda material ao país importador. Araújo (2007) 4 submete à disputa de preços ao êxito de mercados, onde as empresas multinacionais e transnacionais têm alojado suas fabricas em países desenvolvimento e subdesenvolvidos, já que tais países assegura menos a proteção aos trabalhadores e ao meio ambiente, gerando assim gerando menos custo de produção para essas empresas.
No ano de 2007, retratado pelo Jurisbrasil5, a 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, reconhecida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) e Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANMATRA) aprovou o Enunciado n. 4, validando a presença do Dumping Social na sociedade brasileira:
DUMPING SOCIAL". DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido "dumping social", motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontrase no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os arts. 652, d, e 832, parágrafo 1º, da CLT.5
Sendo validado pelo Desembargador Júlio Bernardo do Carmo que o dumping social "representa uma prática prejudicial e condenável, haja vista uma conduta desleal de comércio e de preço predatório, em prejuízo da dignidade da pessoa humana" (Processo 00866-2009-063-03-00-3 RO, BRASIL, 2009) 6. Ainda assim cabe ressaltar que:
O dano social, se imaterial, confunde-se com o dano moral coletivo? Em certos pontos pode-se dizer que sim. Mas é interessante perceber que, enquanto no dano social a vítima é a sociedade; o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos. Se na prática a diferença é tênue, do ponto de vista da categorização jurídica, há diferenças entre as construções (SILVA, 2008).
No presente caso, ficou evidenciado Visto que a ré vem violando reiteradamente a legislação trabalhista, ordenando aos seus empregados jornadas de trabalho ao exceder o limite máximo, assegurado no artigo 59 da CLT (labor por mais de 10 horas diárias); trabalhando mais que 12 horas; sem amparo convencional; sem direito ao descanso semanal remunerado e dos intervalos inter e intrajornadas, além de efetuar de forma irregular o registro da jornada (fls. 39/169).
Sendo vetada a prática da ré, demostrada em análise em conjunto dos recursos, em virtude da violação da legislação trabalhista, onde o dano causado ocasiona a merecida reparação. Além disso, a indenização nos casos de dumping social determina não apenas reparar o dano causado diretamente aos empregados, mas também proteger toda a sociedade como um todo, já que o valor da indenização também servirá para reprimir a continuidade da prática ilícita pela empresa.
Desta feita negado o apelo, e mantendo assim a sentença que estabelece a realização o pagamento de indenização por dano social no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), visto que ficou evidente que a condenada obteve a restrição dos gastos com mão de obra de maneira ilícita, com o detrimento das demais empresas adversarias que cumpriram com as suas obrigações trabalhistas, do mesmo modo que com dano a toda sociedade, almejando a indenização deferida pela origem, não merecendo acolhimento o apelo neste particular. Tendo como principal objetivo o caráter pedagógico da indenização, com o intuito de impedir novas ocorrências da mesma natureza.
Assim, por todo o exposto verifico juridicidade, uma vez que não foi deixando pairar nenhuma dúvida sobre os pontos levantados. Desse modo, existe a certeza que o autor, ora apelado, descumprindo reiteradamente a legislação trabalhista, e obteve vantagem através da prática do dumping social, não restando dúvidas quanto ao negar-lhes provimento de tal recurso.
REFERENCIAS
1 MAIA, Jayme de Mariz. Economia Internacional e Comércio Exterior. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
2BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 13, p. 71-91, jan/mar 2009.
3 DUTRA, Lincoln. Dumping Social no Direito do Trabalho - Da Precarização das Relações de Emprego. 1. ed. São Paulo: Juruá Editora, 2017.
4 ARAÚJO, Eneida Melo Correia de. Paradigmas constitucionais para a construção de um novo perfil de empresas. Rev. TST, Brasília, v. 73, n. 3, jul./set. 2007. Disponível em Acesso em: 04 nov 2021
5 ANGELOTTO, Sergio. Enunciados aprovados na 1ª jornada de direito material e processual na justiça do trabalho. JusBrasil. São Paulo. 10 jan. 2015. Disponível em: " target="_blank" rel="nofollow">https://angelotto.jusbrasil.com.br/noticias/147964524/enunciados-aprovados-na-1-jornada-de-direito-m...; Acesso em: 05 nov 2021
6 Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Processo 00866-2009-063-03-00-3 RO, Quarta Turma, Relator Des. Júlio Bernardo do Carmo, 31/8/2009. Disponível em. Acesso em 05 nov 2021.
SILVA, Flávio Murilo Tartuce. Reflexões sobre o dano social. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 59, nov. 2008.