Não deixa de ser irônico que uma das principais apostas do governo Bolsonaro para alavancar a geração de empregos na ressaca da pandemia guarde muitas semelhanças com a (malsucedida) política de Primeiro Emprego da era Lula.
Aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados, no meio de um pacotão e inserido aos 45 do segundo tempo na Medida Provisória (MP) 1.045, o programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore) prevê uma série de benefícios para empregadores.
O objetivo é estimular a contratação de jovens entre 18 e 29 anos sem nenhuma anotação na carteira e de pessoas acima de 55 sem registro formal há pelo menos 12 meses.
De acordo com o texto já apreciado pelos deputados, e que agora precisa do aval dos senadores até 7 de setembro para não caducar, os empregadores terão uma espécie de subsídio mensal de até R$ 275 para cada trabalhador admitido.
Além disso, vão contribuir menos para o FGTS e estarão sujeitos a multas reduzidas, caso decidam demitir os novos empregados.
A receita é bem parecida com a do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para Jovens (PNPE), lançado em 2003. Uma das principais bandeiras de campanha do ex-presidente Lula para abrir as portas do mercado de trabalho aos brasileiros de até 24 anos, o plano previa subvenções de R$ 1.200 ao ano às empresas, para cada pessoa contratada. Na época, o salário mínimo mensal girava em torno de R$ 240.
"A ideia basicamente é a mesma: o governo subsidia o posto de trabalho", define Rodrigo Carelli, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e professor da faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
No caso específico do Priore, além de recursos da União, o programa também tem como fonte de financiamento tributos destinados ao Sistema S. Ou seja, parte dos recursos que iriam para o caixa de entidades como Sesc, Senai e Sesi poderá compor os salários dos trabalhadores.
Primeiro EmpregoÉ fato que o programa do governo Lula não decolou. No primeiro ano, a meta era gerar 70 mil vagas - mas menos de 3.000 foram criadas. O investimento ficou muito aquém do inicialmente previsto: dos R$ 189 milhões orçados, nem 1% foi executado. Além disso, eram frequentes queixas de empresários sobre a burocracia e os atrasos nos repasses.
O programa até chegou a ser reformulado e as exigências, relaxadas. Mesmo assim, quatro anos depois de entrar em vigor, o Primeiro Emprego foi extinto. O governo argumentou que subsidiar contrações havia sido um erro de diagnóstico - e que não houve interesse por parte das empresas.
"Percebemos que o que faltava era a qualificação dos jovens", justificou o então secretário do Ministério do Planejamento, ao anunciar o fim da iniciativa.
A má experiência do Primeiro Emprego serve, no mínimo, para colocar em dúvida o potencial do Priore. Até porque há motivos suficientes para duvidar da capacidade de gestão do recém-ressuscitado Ministério do Trabalho, recriado apenas para acomodar Onyx Lorenzoni, fiel escudeiro de Bolsonaro desde sempre.
Além disso, parece pouco provável que o governo desembolse o dinheiro necessário para fazer o programa deslanchar. Ainda mais neste momento em que a recuperação da economia ainda patina e as contas públicas estão em frangalhos - vide a defesa da pedalada fiscal feita pelo ministro Paulo Guedes no caso dos precatórios.
PrecarizaçãoÉ importante ter em mente que o Priore é só um dos conteúdos estranhos ao texto original - os chamados "jabutis" - enxertados de última hora na MP 1.045. Inicialmente, a medida tinha como objetivo apenas renovar a possibilidade de redução de jornadas e de salários durante a pandemia.
Mas o texto final aprovado pela Câmara criou programas ainda mais polêmicos para geração de emprego, com pagamentos de bolsas de até R$ 550, sem a garantia de direitos trabalhistas básicos, como férias, décimo terceiro salário e registro na Previdência.
Ou seja, o Priore - que exige a carteira assinada para os trabalhadores - vai fatalmente sofrer com a concorrência dos outros regimes aprovados pela Câmara que, por sua vez, barateiam a contratação e não exigem vínculo trabalhista.
"Não se criam postos de trabalho por decreto. Emprego é gerado por demanda. Agora, se a empresa precisa da mão de obra, e a acha adequada, vai buscar o modo mais barato possível", explica Rodrigo Carelli. "Em um cenário de possível retomada da economia pelo fim da pandemia, o empresário pode ocupar esses novos postos, que já seriam criados de qualquer forma, com contratos mais precários e subsidiados", alerta.
Por essa razão, entidades como a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) vêm se mobilizando para tentar sensibilizar senadores e impedir a aprovação da MP.
"Essa minirreforma ofende a isonomia estabelecida no artigo quinto da Constituição e cria uma segunda categoria, mais baixa, de trabalhadores", avalia Luiz Antonio Colussi, presidente da Anamatra.
"É possível pressupor que os novos regimes instituídos pela MP 1.045 apenas precarizarão as condições de trabalho, aprofundando ainda mais as desigualdades sociais", afirma a ANPT em nota enviada à coluna.