Brasília
Em meio a repetidos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra o STF (Supremo Tribunal Federal), o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resistem a endossar o Supremo.
Bolsonaro tem feito ameaças golpistas reiteradas contra a eleição de 2022 e atacado os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Lira e Aras mantiveram o silêncio em relação aos ataques disparados pelo presidente nesta sexta-feira (6). Nenhum dos dois repreendeu Bolsonaro, que voltou a xingar Barroso durante um evento em Joinville (SC).
Na última quinta-feira (5), o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, cancelou uma reunião dos chefes dos Três Poderes que serviria para baixar a tensão na crise institucional. Segundo Fux, Bolsonaro não cumpre a própria palavra. Para o magistrado, é "certo que, quando se atinge um dos integrantes do tribunal, se atinge a corte por inteiro".
Para chamar à discussão o procurador-geral da República, que foi indicado à recondução no órgão por decisão de Bolsonaro e aguarda sabatina e votação no Senado, Fux marcou uma reunião nesta sexta. O encontrou durou 50 minutos.
Aras e Fux soltaram notas para falar do encontro e, nos textos, não há menção aos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral nem às ofensas feitas a Barroso e Moraes.
A PGR se limitou a afirmar que as duas autoridades "renovaram o compromisso da manutenção de um diálogo permanente entre o Ministério Público e o Judiciário para aperfeiçoar o sistema de Justiça a serviço da democracia e da República".
Já o STF explicou que convite de Fux a Aras ocorreu por causa do "contexto atual", sem mencionar a tensão vivida entre a corte e o presidente da República. "Ambos reconheceram a importância do diálogo permanente entre as duas instituições", disse o texto.
A interlocutores Fux disse que convocou a reunião para dizer a Aras que ele deve cumprir o seu papel, assim como o STF. O procurador-geral afirmou ao ministro que irá cumprir seus deveres.
No entanto, no Supremo há uma desconfiança em relação à postura de Aras. Isso porque, o PGR tem adotado uma posição alinhada a Bolsonaro desde o início da gestão e tem evitado atritos com o presidente.
Bolsonaro, por exemplo, chegou a afirmar que o TSE frauda as eleições, mas Aras nunca se manifestou sobre o tema tampouco comentou as ofensas de Bolsonaro a ministros do STF.
Integrantes da cúpula da PGR não alinhados a Aras cobraram um posicionamento do chefe do MPF (Ministério Público Federal) sobre os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
Em carta divulgada na tarde desta sexta-feira, 29 dos 74 subprocuradores-gerais da República declararam que Aras não pode ser passivo diante das investidas do presidente e precisa defender o STF e o TSE.
Nesta semana, diante da omissão da Procuradoria em relação à conduta de Bolsonaro, o TSE agiu de ofício, ou seja, sem provocação do Ministério Público, como ocorre geralmente, e abriu um inquérito para investigar o presidente por acusar, sem provas, o sistema eleitoral de fraude.
Além disso, a corte enviou uma notícia-crime ao Supremo por causa da live do dia 29 de julho em que o chefe do Executivo fez uma série de acusações falsas contra as urnas e, dois dias depois, Moraes decidiu incluir Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news.
Os dois movimentos ocorreram sem a participação de Aras.
Em pronunciamento à tarde, Lira que seguirá cumprindo a Constituição. Em nenhum momento de sua declaração, o presidente da Câmara defendeu os ministros do STF e do TSE das investidas de Bolsonaro.
"Repito, não contem comigo com qualquer movimento que rompa ou macule a independência e a harmonia entre os Poderes, ainda mais como chefe do Poder que mais representa a vontade do povo brasileiro", afirmou, sem permitir que perguntas fossem feitas por jornalistas.
O presidente da Câmara disse ainda que seguirá pregando a harmonia entre os Poderes e fez uma referência velada à sua prerrogativa de dar início a um processo de impeachment contra o presidente da República. "O botão amarelo continua apertado. Segue com a pressão do meu dedo. Estou atento, 24 horas atento. Todo tempo é tempo."
Lira afirmou que, para quem fala que a democracia está em risco, não há nada mais livre, amplo e representativo do que deixar o plenário da Câmara se manifestar sobre o voto impresso, por exemplo.
Ele decidiu levar a PEC do voto impresso, derrotada em comissão especial da Câmara, ao plenário da Casa. Conforme antecipou a coluna Mônica Bergamo, Lira mandou recado ao TSE de que a proposta de emenda à Constituição será derrotada pelos deputados.
A interlocutores, nos bastidores, o presidente da Câmara disse que cobrou de Bolsonaro respeito ao resultado do plenário e espera que ele encerre as ameaças com o voto impresso. Lira teria dito que respeitará a decisão dos deputados.
Bolsonaro tem travado uma cruzada contra as urnas eletrônicas, levantando suspeitas infundadas contra o sistema eleitoral brasileiro e a Justiça Eleitoral e disseminando mentiras sobre os pleitos.
Ainda nesta sexta, mais cedo, em entrevista à Globonews, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), repetiu que qualquer um que pregar que não haverá eleições em 2022, como tem feito Bolsonaro repetidamente, "será apontado como inimigo da nação".
Ele reafirmou confiança no sistema eleitoral brasileiro e se solidarizou com os que são alvos de ataque do presidente.
"Eu reafirmo a minha confiança no TSE e na Justiça Eleitoral, mas nunca deixei de considerar a possibilidade de discutir esse tema. Agora o Congresso vai se pronunciar, e começou ontem numa comissão da Câmara dos Deputados dizendo que não se deve alterar o sistema eleitoral eletrônico no Brasil. E esse é o papel do Congresso, afirmar suas posições legislativas", disse o senador.
A declaração foi feita antes de Lira dizer que o tema, mesmo derrotado na comissão especial, seria avaliado pelo plenário da Câmara.
Em defesa do STF e TSE sairam entidades de representação da magistratura. Em nota, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais) repudiou "a escalada de desrespeito" a integrantes do Supremo protagonizada por Bolsonaro.
A associação prestou apoio a Fux, que, segundo ela, "tem se dedicado na busca pelo diálogo equilibrado e transparente entre as autoridades constituídas".
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) pediu respeito à democracia, à Constituição Federal e aos ministros do STF "diante das graves ameaças e agressões proferidas" pelo presidente da República e aliados.
"Quaisquer investidas contra a democracia e a Constituição Federal devem ser repudiadas com veemência e forças necessárias, a fim de coibi-las definitivamente", afirmou a entidade em nota.