Por José Galbio de Oliveira Junior e Marcio de Oliveira Jacob
A prática diante da realidade das varas trabalhistas e o seu conjunto normativo esparso e frouxo consolidaram ao longo do tempo um certo processo bastante distinto do Processo Civil. Embora o Processo do Trabalho esteja sujeito aos mesmos valores fundamentais que informam a teoria geral do processo, existem situações bastante peculiares que desafiam a conclusão de que o devido processo legal e a igualdade material das partes está sendo devidamente conduzida.
Trataremos aqui especificamente de um interessante caso que tem recebido pouca atenção dos estudiosos do Processo do Trabalho, cujo tratamento dado em geral pela magistratura parece ser bastante contrário a diversos standards estabelecidos pelo Processo Civil em geral, e pelo próprio texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criando uma despropositada vantagem para a parte autora.
Deve-se primeiro atentar que dentro da necessária hierarquia estabelecida pelos valores que informam o Direito, e em específico aqui o processo, princípios protecionistas em favor de uma das partes do Processo do Trabalho (o empregado) não podem desequilibrar a posição das partes sem com isso violar o devido processo legal ou a igualdade processual.
O devido processo legal é um direito fundamental principiológico (artigo 5º, LIV, da Constituição Federal) que carrega todas as características de um princípio. Trata-se de verdadeiro ponto de partida para construção e fundamentação de todas as normas que regem a praxe processual na condução da solução justa para uma demanda. Na lição de Ávila [1], o princípio do devido processo legal tem a "função de criar os elementos necessários à promoção do ideal de protetividade".
Nesse aspecto, as normas processuais devem respeitar uma dimensão formal cujo conteúdo são as garantias processuais; contraditório e ampla defesa artigo 5º, LV, proibição de provas ilícitas (artigo 5°, LVI); publicidade (artigo 5º, LX); juiz natural (artigo 5°, XXXV e LIII); fundamentação das decisões (artigo 93, IX); duração razoável (artigo 5°, LXXVIll); o acesso à Justiça (artigo 5°, XXXV), entre outras. Há ainda uma dimensão substancial. Essa dimensão, como bem afirma Didier [2], está intimamente ligada às ideias de proporcionalidade e razoabilidade. Não há como tecer grandes considerações sobre as diferenças e similitudes entres os referidos princípios, no entanto, é possível que seja um consenso que ambas as ideias buscam a realização de razão, uma ideia de justiça, de bom senso, ou ainda nos dizeres de Mora [3], prudência.
O julgador na construção da solução justa deve se ater tanto aos aspectos formais do devido processo quanto à própria ideia de justiça e prudência. Nessa tarefa cabe ao julgador observar as peculiaridades das partes, garantido um ambiente de igualdade material e propiciando que os demandantes construam a solução que entendam justa.
Os princípios da conciliação e celeridade processual, aplicados em conjunto e muitas vezes impedindo-se mutuamente, forjaram um modo próprio de se iniciar o processo de conhecimento, depois adotado com aperfeiçoamentos pelo processo civil, em que antes da apresentação da contestação e pleno início da instrução, deve haver a designação de uma audiência de conciliação.
Antes do procedimento adotar a sucessão de atos atual, o texto da CLT previa que aberta a audiência, o reclamado apresentava a sua defesa e em seguida havia a tentativa de conciliação, invertidas a partir da Lei nº 9.022/95. Assim, aberta a audiência, haverá tentativa de conciliação e, caso infrutífera, a apresentação da defesa de forma oral ou, mais adequado à complexidade atual, a sua juntada de forma escrita, "até a audiência", nos termos do artigo 847, parágrafo único, da CLT.
Trata-se esse momento de algo temporalmente estreito em se considerando toda a extensão do curso do processo do trabalho mas fundamental para a determinação do futuro da reclamação trabalhista. Na audiência de conciliação o autor deve sopesar cada um de seus pedidos e as oportunidades de conciliação, a força de sua tese e de seu conjunto probatório (artigo 818, I, da CLT), especialmente levando-se em consideração a peculiar forma de cálculo dos ônus da sucumbência no Processo do Trabalho. Esse último dado é especialmente relevante pelo fato de existir no Processo do Trabalho uma repercussão mais onerosa diante de pedidos formulados de forma especulativa, havendo um verdadeiro desincentivo para esta postura de acordo com o texto resultante da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), tendo como último momento para o reclamante desistir sem risco de ônus de sua sucumbência a juntada da contestação. A partir desse momento, o reclamante só pode desistir do pedido com anuência do reclamado (artigo 841, §3º da CLT).
Existe aqui, todavia, um tratamento orientado por fontes diversas cujo resultado é bastante problemático e objeto deste estudo.
Apesar do tratamento dado pelo citado artigo 841, §3º, da CLT, a Resolução CSJT 185/2017 estabelece no artigo 22, §1º, que a contestação deve ser juntada com pelo menos 48 horas de antecedência da audiência. Assim, poder-se-ia concluir que quando da audiência de conciliação não seria mais possível ao reclamante, no curso da tentativa de conciliação, avaliar a circunstância e eventualmente desistir de pedidos sem anuência do reclamado.
Todavia, o Enunciado 106 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizado pela Anamatra e com forte adoção pelos juízes do Trabalho, adota o entendimento de que, a par das demais regras acima, somente é considerada efetivamente juntada a contestação, após a tentativa de conciliação. Desse modo, prorroga-se o período no qual o reclamante pode desistir por ato próprio e unilateral, após a juntada da contestação pelo reclamado.
Uma solução relativamente simples para esse conflito de regras seria a juntada da contestação em sigilo, assim, a prorrogação do período em que o reclamante poderia desistir por ato unilateral de pedidos, e participar da audiência de conciliação não seriam influenciados pela sua consulta à tese da defesa e os documentos juntados pelo reclamado.
A despeito disso, com base no artigo 22, §2º, da Resolução CSJT 185/2017, frequentemente juízes do trabalho restringem a juntada da contestação em sigilo, aduzindo a ausência de justificativa dentre aquelas específicas previstas no artigo 770 da CLT e 773 e 189 do Código de Processo Civil (CPC) (em que pese somente esta última traga as poucas hipóteses previstas em lei).
Especificamente sobre a adoção do critério do artigo 189 do CPC como critério justificador do sigilo da contestação, este não se mostra adequado, porquanto se refiram a proteção de valores diversos. Enquanto o artigo acima citado se refira a intimidade e dados referentes a estado da pessoa, direito de família e interesse social, o caso concreto deduzido no processo do trabalho se refere a valor diverso: a paridade de armas e o devido processo legal.
Veja-se que com isso cria-se uma situação bastante peculiar em que o reclamante terá sempre a faculdade de, com pelo menos 48 horas de antecedência, analisar os elementos de prova documentados e a tese do reclamado, podendo avaliar a conveniência de conciliar, estabelecer maiores ou menores condições para esse acordo, ou mesmo desistir do pedido, de forma unilateral e sem consequências quanto a ônus de sucumbência, ou, no limite, decidir não comparecer à audiência, implicando no seu arquivamento. Trata-se, a toda evidência, de desequilíbrio entre as partes e vantagem processual ilegítima.
O racional que fundamenta a necessidade de concordância do reclamado da desistência da ação ou do pedido após a juntada da contestação diz respeito ao fato de que o autor toma conhecimento da tese da parte contrária e poderia novamente avaliar a conveniência da propositura da ação. Desse modo, cria-se um procedimento no qual se exige do autor mais responsabilidade para decidir mover o Poder Judiciário. Ainda, apresentada a tese de defesa pelo reclamado, passa a ser direito deste ver a questão deduzida no processo efetivamente decidida e resolvida judicialmente. Não é certo pensar que a solução de uma questão jurídica só interesse ao autor. A pacificação social e a dicção do direito são interesses que atendem ambas as partes, todavia, havendo interesse apenas do violador do Direito, daquele que o Direito não o socorre, que a questão não seja decidida. Negar ao reclamado a jurisdição após este revelar para o reclamante a sua tese e seus elementos de prova é uma violação ao devido processo legal e legítimo interesse deste, porquanto não exista faculdade equivalente para aquele.
Portanto, conclui-se que a aplicação do devido processo legal, especialmente a igualdade processual, bem como o impedimento de demandas meramente especulativas e a proteção do legítimo interesse do reclamado na solução da questão controvertida passam necessariamente pela oportunização a este da apresentação da sua contestação de forma sigilosa, somente relevada para o reclamante após a frustração da tentativa de conciliação inicial. Ademais, existirão ao longo do processo outras oportunidades nas quais as partes poderão novamente tentar a conciliação já cientes dos documentos e provas existentes e carreados aos autos. O momento no qual o reclamante é levado à conciliação com a convicção dos seus elementos de prova e de sua tese, podendo legitimamente desistir de forma unilateral dos seus pedidos, sem violação a direito do reclamado ocorre somente uma vez, de forma irrepetível.
O poder conferido pelo parágrafo único do artigo 765 da CLT estabelece amplos poderes na condução do processo ao juiz do Trabalho. Sem dúvida esse poder de condução deveria ser utilizado como fator de realização dos mais básicos princípios de direito processual. É preciso que os juízes do trabalho se sensibilizem para essa sutil, mas absolutamente importante, questão no processo do trabalho, na medida em que a justificativa da juntada da contestação de forma sigilosa não diga respeito a interesse social ou à privacidade da parte, mas aos elementos fundamentais informadores do processo.