Procedimento de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho pode viabilizar suspensão sem ônus para empresas?
Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor! dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de direito do trabalho e mestre nas relações trabalhistas e sindicais, dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a #pergunte ao professor.
Neste episódio de nº 52 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► É possível suspender os contratos de trabalhos, sobretudo dos colaboradores de grupo de risco, via procedimento de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho, sem que a empresa arque com pagamento de salários e demais obrigações acessórias?
Resposta ► Com a palavra, o Professor Leandro Antunes de Oliveira.
Em 2017, a Lei 13.467 (Reforma Trabalhista) acrescentou ao corpo da CLT os artigos 855-B a 855-E, trazendo disposições acerca DO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL.
A partir de então, passou-se a admitir que o acordo realizado extrajudicialmente entre empregado e empregador pudesse ser homologado na Justiça do Trabalho.
Algumas peculiaridades podem facilmente ser observadas no novel artigo: (i) o procedimento de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes; (ii) as partes devem estar assistidas por advogados distintos; (iii) o juiz analisará o acordo e designará audiência se entender necessário.
A partir de uma simples leitura dos artigos 855-B a 855-E da CLT e diante de outras considerações que serão aqui ventiladas, é imperativa a reflexão para responder a seguinte pergunta: É possível suspender o contrato de trabalho, sobretudo dos colaboradores de grupo de risco, via procedimento de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho, sem que a empresa arque com pagamento de salários e demais obrigações acessórias?
Num primeiro momento, a resposta parece bem lógica e direta, ou seja, não há que se admitir o procedimento de jurisdição voluntária para afastamento (ainda que temporariamente) do pagamento de salários e demais obrigações acessórias.
Sabe-se que a alteridade é inerente ao contrato de trabalho, ou seja, na relação de emprego é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica. Quando o empregador abre seu negócio, já tem a ideia de que terá que arcar com os ônus e bônus. A suspensão da prestação de serviços, sem o pagamento de salário através de procedimento de jurisdição voluntária, faz parecer que o empregado passa a dividir com o empregador os riscos do negócio.
Outro fator que merece ser destacado, e que parece ser uma premissa sólida para não se admitir a suspensão do contrato (sem pagamento dos salários) por processo de jurisdição voluntária, é a redação do artigo 855-C da CLT: O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.
Destarte, quando a redação do artigo 855-C da CLT indica que o disposto no capítulo que trata do Processo de Jurisdição Voluntária no Processo do Trabalho não prejudica o prazo para pagamento das verbas e a multa pelo não pagamento, parece que a interpretação que se pode extrair é de que o procedimento previsto no citado capítulo surgiu com o fito de abarcar as situações de extinção do contrato de trabalho, ou seja, não haveria que se falar na homologação de direitos enquanto o pacto laboral ainda estivesse vigente.
Só para corroborar o entendimento acima transcrito, vale a pena a transcrição do parágrafo 6º do artigo 477 da CLT: § 6o A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato. (g.n.)
E se não bastasse o previsto no artigo 855-C da CLT, destaca-se aqui a redação do mesmo artigo em sua letra D, quando trata do prazo prescricional, e que pode corroborar ainda mais o entendimento de aplicação do procedimento de jurisdição voluntária só em caso de extinção da relação laboral.
Para maior fortalecimento da argumentação de que a homologação de acordo extrajudicial só deveria ocorrer em relação aos pactos laborais extintos, merece atenção trecho da exposição de motivos da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei Nº 6.787/16 (mais tarde transformado na Lei Ordinária 13.467/17).
Assim, estamos, por intermédio da nova redação sugerida à alínea f do art. 652 da CLT, conferindo competência ao Juiz do Trabalho para decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho. Em complemento, estamos incorporando um Título III-A ao Capítulo X da CLT para disciplinar o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial.
Esse ato dependerá de iniciativa conjunta dos interessados, com assistência obrigatória de advogado. Ouvido o Juiz, se a transação não visar a objetivo proibido por lei, o Juiz homologará a rescisão. A petição suspende o prazo prescricional, que voltará a correr no dia útil seguinte ao trânsito em julgado da decisão denegatória do acordo. (grifamos)
Esperamos que, ao trazer expressamente para a lei a previsão de uma sistemática para homologar judicialmente as rescisões trabalhistas, conseguiremos a almejada segurança jurídica para esses instrumentos rescisórios, reduzindo, consequentemente, o número de ações trabalhistas e o custo judicial.[2] (g.n)
Se não bastasse o argumento acima apresentado (impossibilidade de homologar acordo extrajudicial no decorrer do contrato de trabalho), vale ainda destacar que a relação de emprego não é uma relação contratual pura em que as partes podem de forma absoluta acordar e dispor livremente.
Deve-se evocar que a relação de emprego está no radar do Poder Público, e que os direitos trabalhistas são indisponíveis.
Nas palavras da saudosa professora Alice Monteiro de Barros:
() O contrato de trabalho é do tipo de adesão. Sua principal função é criar uma relação jurídica obrigacional entre as partes, porém, com o caráter meramente complementar, em face do extenso rol de normas imperativas previstas em lei ou instrumentos coletivos, que fogem do domínio da autonomia da vontade e compreendem aspectos relevantes do vínculo empregatício. As partes, se desejarem celebrar o contrato, terão que aderir a elas, sem possibilidade de discussão, como aliás se infere do art. 444 da CLT.[3]
Outro tema que merece enfrentamento é saber se o acordo que viesse a afastar o pagamento de salário e acessórios durante a suspensão seria algo imposto ao empregado ou realmente realizado com sua anuência, pois, se o empregador apresentasse uma proposta de acordo sob a alegação de que seria a única forma de manutenção do emprego, o trabalhador não teria o que ponderar, tendo que aceitar tal condição. Sobre o tema vale a pena destacar o Enunciado 123 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho:
Em relação aos empregados do grupo de risco, o entendimento parece ser o mesmo, ou seja, não haveria que se falar em suspensão do contrato com afastamento do pagamento de salários e acessórios. Até porque não se pode imaginar distinção entre empregados. Claro que nesta situação, e principalmente durante o período de pandemia, poder-se-ia imaginar que o empregado ficaria afastado para preservação da vida e saúde, mas, ainda assim, não se reconhece a possibilidade de bloqueio dos direitos.
A reflexão é extensa e obviamente pode ensejar muitas opiniões diversas, mas a título de ilustração ainda caberia outro questionamento: qual seria a concessão recíproca para o empregado em eventual acordo extrajudicial homologado em juízo com afastamento de salário e acessórios?
Neste contexto vale a pena a leitura da ementa:
TRT-7 Recurso Ordinário Trabalhista RO 00004793320205070014 (TRT-7) Jurisprudência Data de publicação: 13/10/2020
NÃO HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. AUSÊNCIA DE CONCESSÕES RECÍPROCAS. FACULDADE DO MAGISTRADO. Não há obrigatoriedade de homologação dos acordos extrajudiciais pela Justiça do Trabalho, quando verificada que o ajuste entabulado não apresenta concessões recíprocas, mas somente por parte do trabalhador, pois evidencia a intenção da empresa de fraudar o cumprimento da lei, infringindo o art. 166 , VI , do Código Civil .
A conclusão que se pode chegar é que o procedimento de homologação extrajudicial de acordo na Justiça do Trabalho, para suspensão do contrato sem pagamento de salários e obrigações acessórias não parece algo sustentável e de acordo com a lei, pois contrário aos princípios basilares do Direito do Trabalho e à própria natureza do contrato de trabalho.
O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
Referências
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: Atual, 2000.
DELGADO. Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4ª edição ver. e ampl. São Paulo: LTr, 2008.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961 Acesso em 23.02.2021
https://www.anamatra.org.br/attachments/article/27175/livreto_RT_Jornada_19_Conamat_site.pdf Acesso em 23.02.2021
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/168431/2020_rev_trt09_v0009_n0085.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso 23.02.2021
[2] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961
[3] Curso de Direito do Trabalho, 4ª edição, LTr, 2008.
Leandro Antunes de Oliveira