É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em países como Timor Leste e Angola e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). Diretor da ONG Repórter Brasil, foi conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão (2014-2020) e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), "Escravidão Contemporânea" (2020), entre outros livros.
Um segurança que perdeu uma ação trabalhista contra uma empresa e não tinha recursos para bancar os honorários dos advogados da parte vencedora, aceitou um acordo para quitar esse débito através da prestação de serviços à comunidade. Ou seja, vai trabalhar para pagar uma dívida de origem judicial.
Especialistas afirmam que o pagamento de débitos advocatícios através de prestação de serviços a quem for pobre e perder uma ação trabalhista abre um precedente perigoso.
O autor da ação foi à Justiça do Trabalho para o reconhecimento de vínculo empregatício entre ele e uma boate. O pedido foi rejeitado e, com isso, foi condenado a pagar R$ 10 mil, o que representa 10% do valor pedido, a título de honorários. O recurso também foi negado pelo Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo, onde o caso foi apresentado.
A Reforma Trabalhista, proposta pelo governo Michel Temer e aprovada pelo Congresso Nacional em 2017, possibilita a condenação de trabalhadores a pagar os honorários dos advogados da outra parte, mesmo se for beneficiário pela justiça gratuita. A regra, que está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal, reduziu o número de ações judiciais pelo medo de trabalhadores de pagarem a causa.
Caso ele não tenha patrimônio algum, a legislação abre a possibilidade de suspensão da cobrança até que tenha recursos ou o prazo para a obrigação prescreva.
Foi o que fez o juiz Ney Alvares Pimenta Filho, da 11ª Vara do Trabalho de Vitória, que suspendeu o andamento da execução, em maio, até que o trabalhador pudesse pagar ou que se completasse dois anos do trânsito em julgado da sentença e a obrigação caducasse. Contudo, trabalhador e advogados da empresa acabaram por fazer um acordo.
"As partes se conciliaram através da prestação de serviços comunitários pelo autor, em instituições assistenciais que serão indicadas pelo escritório exequente. No prazo de cinco dias o escritório e o autor apresentarão petição indicando a instituição beneficiária e os dias e horários para o cumprimento da obrigação", diz o termo de audiência. O acordo foi homologado em julho. O caso foi revelado pelo site Consultor Jurídico.
"Essa modalidade de obrigação é prevista em nosso direito, mas como sanção alternativa na área penal. Portanto, é como se o trabalhador tivesse cometido um crime ao ajuizar a ação por que essa prestação de serviços é prevista como uma espécie de pena", afirmou à coluna o procurador Italvar Medina, da Coordenação Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do Ministério Público do Trabalho.
Para ele, o sistema constitucional brasileiro não pode permitir isso, mesmo que a aceitação seja voluntária por parte do trabalhador "devedor".
"Isso lembra as modalidades de servidão para pagamento de dívida que vigoravam na época do direito romano, em que o trabalhador ficava à disposição do seu credor", avalia.
Reforma Trabalhista questionada no Supremo Tribunal Federal
Em agosto de 2017, a Procuradoria-Geral da República entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766 contra o dispositivo da Reforma Trabalhista, aprovada naquele ano pelo Congresso Nacional, de ampliar a cobrança dos honorários de perícia e de sucumbência dos trabalhadores. Para a PGR, isso afrontava a garantia de amplo acesso à Justiça ao impor o pagamento inclusive a quem tem direito à justiça gratuita.
O julgamento da questão no STF foi suspenso devido a um pedido de vista. Enquanto isso, a regra segue valendo.
"É um perigoso precedente, que, caso repetido, pode vir a representar entrave ainda maior ao já muito prejudicado acesso à Justiça pelos cidadãos que são trabalhadores com poucos recursos. Estes poderão vir a serem rotineiramente punidos, como se fossem criminosos", afirma Medina.
Marcus Barberino, juiz do trabalho da 15ª Região e diretor da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), avisa que, se a moda pegar, isso pode levar não apenas trabalhadores, mas também a pequenos empresários terem que trabalhar para quitar esses débitos.
"Temos cerca de 2,9 milhões de execuções frustradas, a maioria de empresas falidas e de pequenos empresários que malograram em uma crise ou por conta de um negócio que não foi para frente. Isso pode abrir um precedente, com uma espécie de servidão por dívida para quitar débitos trabalhistas de um lado ou de outro", avalia.
Para ele, isso não pode ser visto apenas pela lógica de um fato inusitado. "É a supressão de uma das dimensões da liberdade. No caso a liberdade de trabalho." O processo corre pelo número 0001007-68.2018.5.17.0011