Para roteirista Carolina Kotscho, do Juntos, é preciso ter humildade para falar o óbvio de maneira mais simples Carolina Kotscho: Costumo dizer que dormimos por 30 anos e acordamos para um pesadelo, muito imaturos como cidadãos. Crédito: YouTube
No dia sete de maio, a então secretária especial da Cultura, Regina Duarte, contemporizou durante entrevista à CNN Brasil as mortes durante a ditadura. Na humanidade, não para de morrer [gente]. Por que as pessoas ainda ficam ó [chocadas]? Não quero arrastar um cemitério de mortos nas costas, disse a atriz. No mesmo dia, um grupo de WhatsApp formado por nove mulheres da classe artística começou a discutir a situação do país. Uma delas é a roteirista, autora, diretora e produtora Carolina Kotscho. A gente precisa dizer alguma coisa, isso não pode ser normal. Não podemos viver com esse tipo de colocação, era muito fora do tom, diz Kotscho.
Fizemos um primeiro texto e imaginávamos 50 assinaturas, uma notinha no jornal pelo menos para marcar posição, lembra. Em dois dias, o texto tinha quase 10 mil assinaturas e o grupo, que no início se chamava Juntas, mudou o nome para Juntos. Costumo dizer que dormimos por 30 anos e acordamos para um pesadelo, muito imaturos como cidadãos, avalia. Segundo a roteirista, a grande força do grupo é o fato de ser heterogêneo, mas com princípios comuns. Para mim, é um momento de tomada de consciência. Não é um ataque ao presidente, minha preocupação é o que vem depois.
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O Basta! é formado por profissionais de Direito e é outro grupo suprapartidário formulado com o mesmo objetivo. Não temos um compromisso de fim. Ninguém aqui está querendo derrubar o presidente da República, embora eu ache que ele se mostrou absolutamente incompatível com os interesses da nação. Nosso compromisso é de meio, explica o advogado Antonio Mariz de Oliveira, que integra o Basta!. Para ele, a pressão social é a única arma que a sociedade tem.
Carolina Kotscho e Antonio Mariz de Oliveira participaram na tarde desta segunda-feira (8/6) de webinar do JOTA. No debate, mostraram alinhamento e revelaram que os grupos abriram diálogo para atuar de forma conjunta. Kotscho pretende estabelecer contato com o Somos 70%, outro grupo suprapartidário.
Mariz entende que a sociedade está começando a resgatar a capacidade de se indignar. A sociedade estava muito omissa, muito voltada para si mesma, isso é próprio da sociedade de consumo, afirma. Tenho muita esperança de mexer com a elite. Está na hora de a elite brasileira pensar um pouco naqueles que estão ao seu lado, destaca. Não é preciso nem olhar para trás para se ver que precisamos estender as mãos. Na avaliação do advogado, se continuarmos nesta postura individualista, voltada para os interesses de uma minoria, estaremos criando cada vez mais condições para uma deflagração desse país.
A diretora Carolina Kotscho concorda. Mais do que o Bolsonaro, tem o bolsonarismo. Se 30% da população se sente acolhida por esse tipo de discurso, é porque falta consciência, falta mobilização, diz.
Para ela, houve um erro ao separar o que ela chama de bonzinhos e pessoal que faz conta e essa dicotomia apequenou muito o debate público. Nós, que nos consideramos bonzinhos, passamos anos fazendo reuniões, dando palestras, sendo sofisticados, concordando uns com os outros, mas também não abrimos o diálogo, explica. Fico com vergonha quando vou a reuniões de articulação e só vejo iguais, aí vejo o quanto a gente errou, pontua. Temos que ter humildade para falar o óbvio de maneira mais simples. Para conversar com quem não concorda com a gente em vez de buscar o aplauso de quem concorda.
Ainda de acordo com a roteirista, falta ação. Via muitos grupos de WhatsApp de iguais, privilegiados, bonzinhos, bem intencionados, democráticos. Todo mundo reclamando, falando as mesmas coisas, todo mundo muito bom em diagnóstico e sem ação, sem uma proposta, um projeto.
O advogado Antonio Mariz de Oliveira defende abertura de diálogo com as pessoas próximas. Há uma parcela muito grande daqueles que precisam ser esclarecidos. Tenho vários amigos com quem converso e falam não pensei nisso, lembra. Precisamos colocar nosso conhecimento para entender por que essas pessoas se colocam a serviço do Bolsonaro.
Mariz elencou quais são, em sua avaliação, os principais retrocessos comportamentais do momento. O grande mal do bolsonarismo está sendo a criação de uma parcela da sociedade brasileira desprovida de humanismo, de respeito pelo próximo, avalia. Se vê no contrário um inimigo, é um inimigo que não deve ser convencido, mas sim eliminado. De acordo com o advogado, a união será a premissa básica nas ações dos movimentos que estão surgindo.
Ações do Juntos
A adesão ao Juntos, hoje muito forte em ambiente virtual, ficará mais explicita nos próximos dias com um chamado que será feito para as pessoas se manifestarem nas janelas com a cor amarela. A gente pensou em trazer o amarelo de volta, muitos símbolos do país foram sequestrados, muitos conceitos foram distorcidos, diz Carolina Kotscho. É importante ter um sentimento, algo que faça a gente conversar e olhar para a frente. A intenção é alinhar a ação nas janelas com outros grupos suprapartidários. Os integrantes do Juntos em grupos de WhatsApp, mais de 40 mil ao todo, serão notificados nesta semana.
A ação do Juntos nas redes foi prejudicada por invasões e Kotscho espera ter os problemas solucionados até esta terça-feira (9/6).
Uma das mensagens deixada pela roteirista foi: a gente precisa perder a vergonha de ser cafona. Só o amor vence o ódio.
Webinars
A conversa com Carolina Kotscho e Antonio Mariz de Olveira faz parte da série de webinars diários que o JOTA está realizando para discutir os efeitos da pandemia na política, na economia e nas instituições. Todos os dias, tomadores de decisão e especialistas são convidados a refletir sobre algum aspecto da crise.
Entre os convidados, já participaram do webinar estão o apresentador e empresário Luciano Huck, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, o presidente do STF, Dias Toffoli, o ministro Gilmar Mendes, o ministro Luís Roberto Barroso, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), a presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Fausto Pinato (PP-SP), o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa; além de representantes de instituições como a Frente Nacional de Prefeitos, a Confederação Nacional das Indústrias e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho.