O Contrato Verde e Amarelo, revogado por não ter apoio no parlamento, teve trechos transplantados em Medida Provisória que está para ser votada.
Manobras políticas usadas por parlamentares para aprovar textos em votações apressadas durante a pandemia podem representar um risco aos direitos dos trabalhadores brasileiros. É o que alerta a juíza Noemia Aparecida Garcia Porto, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). A magistrada chama a atenção para uma modificação feita na Medida Provisória (MP) 927/2020, que pode ser votada nesta semana pela Câmara dos Deputados. Segundo Noemia Porto, o deputado Celso Maldaner (PMDB-SC), relator da MP 927, que cria um marco regulatório para o mercado de trabalho no período da pandemia, inseriu no texto trechos da Medida Provisória 905/2020, que instituía o Contrato Verde e Amarelo.
A manobra aconteceu nesta terça-feira, 26, e mostra o interesse de Celso Maldaner, empresário e apoiador do governo, em modicar algumas regras trabalhistas. O assim chamado Contrato Verde e Amarelo reduzia encargos trabalhistas e direitos dos trabalhadores. Por exemplo, o empregador recolheria menos para a previdência e para o FGTS do que nos contratos vigentes atualmente. A proposta passou na Câmara, mas acabou revogada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril, tendo em vista a clara intenção do Senado em não aprovar a MP, já que não a colocou em apreciação.
Os trechos da MP do Contrato Verde e Amarelo que foram inseridos na MP 927 oferecem riscos aos direitos dos trabalhadores, segundo alerta a juíza. A MP foi cercada de polêmicas e ficou marcada como a medida que recebeu o maior número de emendas da história. Depois aprovada na Câmara, o Senado decidiu não votar a proposta, que acabou finalmente revogada por Bolsonaro.
Em conversa com a coluna, a juíza Noemia explica que o relator Celso Maldaner introduziu algumas partes existentes na MP do Contrato Verde e Amarelo, com o objetivo de “tentar passar” o tema dentro de outra proposta. “No finalzinho do relatório ele fez um ‘copia e cola’, enxertou toda a parte rejeitada da MP 905 no final. Fez um enxerto, uma reciclagem com assuntos que não têm nada absolutamente nada a ver com pandemia”, afirma a juíza. Segundo a magistrada, a atitude é inconstitucional e seria uma estratégia para aprovar às cegas pontos rejeitados pelos parlamentares e que fizeram o Contrato Verde e Amarelo ser revogado.
A juíza alerta para a aproximação entre os partidos do Centrão e o governo e aponta que, se o Centrão decidir aprovar tudo o que o governo propõe, são grandes as chances de a MP alterada passar na íntegra, inclusive com os trechos colados pelo relator. “O nosso risco é que se o Centrão, que até então tinha adotado uma postura crítica contra alguns pontos do Contrato Verde e Amarelo, fechar questão de que qualquer coisa do governo passa. Inclusive, diminuindo e alterando os poderes da fiscalização da auditoria do trabalho no Brasil”, alerta a magistrada.
Um dos trechos inseridos na MP 927 pelo relator afirma que “além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a habitação, o vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado, e, em nenhuma hipótese, será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas”. O trecho está escrito exatamente como na MP 905/2020.
Para a juíza, aprovações de projetos e MPs neste estilo vão contribuindo para a judicialização das decisões do Congresso, já que questionamentos sobre a constitucionalidade chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF). Neste caso específico, isso fragiliza ainda mais o trabalhador, que normalmente tem pouco acesso à Justiça. “Mas eles [parlamentares] apostam um pouco nesse caos. Você vai aprovando essas coisas e depois vai debatendo no Judiciário e no Supremo. Então é um caos da insegurança jurídica que desfavorece quem tem menos condição, que são os trabalhadores com dificuldade de acesso à justiça, os próprios sindicatos que estão enfraquecidos, favorecendo evidentemente os setores econômicos que têm mais poder de discussão judicial. Eles têm mais fôlego pra isso”.
Procurado pela coluna, o deputado Celso Maldaner, afirmou que irá rever todas as alterações que realizou no relatório e que vai retirar do texto o trecho que afirma que está inserido “no salário, para todos os efeitos legais, a habitação, o vestuário”. Destacou também que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou nesta quarta-feira, 27, que não aceitará mais matérias estranhas em medidas provisórias, isto é, textos que fogem do cerne principal tratado pela proposta legislativa.
O relator disse ainda que todos os direitos dos trabalhadores estão assegurados pela Constituição. “O direitos dos trabalhadores estão assegurados pela Constituição Federal e medida provisória não pode mexer em direitos trabalhistas que estão assegurados na Constituição Federal. Nenhum direito de trabalhador está sendo tirado”, destacou.