São Paulo - Para a juíza Raquel Braga, a visita não regimental do presidente Jair Bolsonaro ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, foi "uma medida de ameaça. Uma atitude tal qual a de um miliciano, que viola a Constituição. Talvez por isso ele diga que é a Constituição".
Nesta quinta-feira (7), Bolsonaro infringiu ao menos os quatro primeiros artigos da Carta Magna em sua ida ao STF, acompanhado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e por empresários para, na prática, pressionar a Corte pelo fim do isolamento social. Na esteira das repercussões sobre o acontecimento, analistas entenderam a atitude do presidente como mais um forma de colocar o Supremo "contra a parede" , a exemplo do que vem ocorrendo nas manifestações de rua dos militantes bolsonaristas e de suas tropas virtuais.
Em entrevista ao Jornal Brasil Atual , Raquel, que é também integrante da Associação de Juízes para a Democracia (AJD) e da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), cobrou uma reação dos ministros do STF , diferente das constantes "notas de repúdio".
"São vários os pedidos de impeachment. Mas é uma ação que possui um trâmite demorado. E para recuperar a confiança da sociedade e do Judiciário brasileiro, há um apelo para que se dê prioridade ao inquérito das fake news . E aí também entra o ministro Alexandre de Moraes, que deve fazer o mesmo com a ação de cassação da chapa Bolsonaro e (Hamilton) Mourão por abuso de poder econômico e utilização das fake news. Porque isso não é retórica, é uma questão de vida ou morte. Eles devem salvar as vidas e a democracia brasileira", destaca a magistrada aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria.
Necropolícia e balão de ensaio, Bolsonaro dobra a aposta
De acordo com magistrada, "o que Bolsonaro tem feito é dobrado a aposta", enquanto "o Judiciário tem tomado medidas muito tímidas em relação à grave ameaça institucional". Raquel destaca que, ao longo de toda a trajetória política do atual presidente da República, há demonstração de que "as regras do jogo democrático" são, para ele, "impossíveis de prosseguir".
Além dos discursos saudando torturadores da ditadura civil-militar, das suspeitas de ligações com as milícias do Rio de Janeiro e do esquema de fake news apontado como um impulsionador de sua eleição, em 2018, a integrante da AJD destaca como ápice de todo esse processo que qualifica como necropolítica, o atual momento de pandemia do novo coronavírus.
Apesar de o Brasil ultrapassar do número de 600 mortes por dia, Bolsonaro insiste no fim do isolamento social - a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que vem sendo capaz de conter a disseminação do novo coronavírus. "Infelizmente, nessa totalização de mortes, ele reforça o conceito da necropolítica cunhado por Achille Mbembe: o poder da morte como forma de gestão, como se deve morrer, quem deve morrer. E o Bolsonaro parece ter o prazer satânico no exercício da biopolítica", afirma Raquel.
"O chefe do Executivo tem demonstrado estar contra a vida e contra a ciência", pontua. "E esse histórico do Bolsonaro impede que ele prossiga no poder dentro das regras do jogo. Então ele vem dobrando a aposta, realizando balões de ensaio."
A mais nova ameaça
Com apoio de militantes e de setores do empresariado brasileiro e, segundo o próprio Bolsonaro, das Forças Armadas, o presidente mostra que não está, contudo, sozinho. Um grupo de bolsonaristas, por exemplo, levantou um acampamento nas redondezas da Praça dos Três poderes, de onde convocam a população a invadir o Congresso Nacional e o STF, como mostra reportagem do UOL
Um novo ato contra a democracia deve ocorrer novamente neste domingo (10) e, segundo seus organizadores, toda a ação teria ainda apoio de militares da reserva e até de um comboio de 300 caminhões.
"Se o Judiciário não entender isso como uma ameaça à democracia e não tomar as medidas cabíveis Eu me preocupo, a sociedade tem se preocupado, que, para ele (Bolsonaro) prosseguir no seu governo até o fim, tenha que implementar medidas fora da regra do jogo democrático", alerta Raquel Braga.